domingo, 11 de setembro de 2011

12- MÃE E FILHA

MÃE E FILHA

Druidesa Anónimo

-Esse é um tipo de homem muito perigoso, Eurídice, -lhe disse sua mãe e mestra principal, a Alta Sacerdotisa Ninfa, após sua confidencia- tendo tantos garotos lindos e potentes para eleger, desfrutar uma ou duas vezes e depois esquecer, minha menina, tu foste a apaixoar-te de um mago.
-Um mago?
-Sim, um mago. Mago é aquele homem capaz de manipular oportunamente os quatro corpos elementares que nos compõem, físico, energético, emoção e pensamentos, tal como domina uma carroça de quatro cavalos um bom cocheiro, de forma que obedeçam por completo e unificados à sua vontade retora. Pelo que tume contas, esse jovem tem um importante domínio sobre sua própria sexualidade. Esse é um tipo de homem muito difícil de controlar.
-...Mas eu não pretendo controlá-lo, mãe... -protestou ela.
-Não sejas ingênua, Eurídice. Nas relações sexuais, ou tu controlas ou és controlada. Um homem é um espírito simples, instintivo, independente e nómada, com tendências ao selvagem, bem mais próximo do animal que nós, sobrado de um tipo de ruda força que só tende a desbordar-se, a caçar, a competir e a tratar de conquistar e dominar, impulsivo como um touro, rebelde, libérrimo, pasional e variável. Bem que os conheciam as amazonas turánias do Mar Negro. Se não os controlas, eles te escravizam, olha os gregos.

-E daí que deveríamos fazer nós para evita-lo?
-Enfrentar-nos diretamente e concorrer de poder a poder com seres tão primários nos obrigaria a nos converter neles, a nos endurecer como se endureceram as amazonas e a deixar de ser nós mesmas, querida; muito duro trabalho, muito alienante... não compensa. Porém, desde que o mundo é mundo, as mulheres sempre temos podido toreá-los os agarrando bem forte por seus dois pontos magros: o muito previsíveis que são suas reações e sentimentos, tão simples e fáceis de satisfazer como os de uma criança, e sua necessidade imperiosa de sexo, que para eles mal significa algo tão elementar como poder penetrar, se mexer um pouco e se derramar. Primeiro dirigimo-los para onde nos interessa por médio de nossas muito superiores habilidades de atração, sedução e relação, sem parecer que os estamos dirigindo, claro, e depois os fazemos se enrolar em seu próprio desejo, dando-lhes um pouco de corda e estabelecendo pactos e compromissos de leal apoio mútuo, antes de lhes ceder o único que lhes interessa de nós. Quando mais enrolados estão, lhes permitimos generosamente, e como um prêmio à sua paciência, a sua dedicação preferente, ao seu bom serviço e a sua delicadeza, que descarreguen dentro de nosso seio toda sua energia... E aí agarramos ao touro: homem enredado, comprometido, halagado e desenergetizado, homem dominado.
-Por que? –perguntou Eurídice.
-Porque esse momento de vazio, o único no que o homem, satisfeitos e diminuídos seus invasores impulsos instintivos, se detém, relaxa-se e se abre passivamente e agradecido, desejando muito, ademais, que tu fiques contente para poder repetir… ese é o momento ideal para influencia-lhe, para que te escute, para uni-lo mais a ti e a tua empresa pessoal, para semear uma sugestão civilizada nele, para conquistar ao conquistador, para conseguir que toda essa força potencial dispersa, puro individualismo em bruto, canalice-se e se comprometa ao serviço de algo útil: ao serviço de uma mulher, que é o mesmo que dizer ao de uma família, de uma tribo, de uma comunidade. Ao serviço da Vida, que é o mesmo que dizer da Grande Mãe.

-Porém, se ele não se derramar...
-Se ele não se derramar, se em lugar de se dissolver coagula, não só conserva em si toda essa força individualista e anárquica, senão que a acrescenta a costa da tua, a que sai de ti quando tu te esvazias de tua tensão ardente... e vai saber para que usa ele todo esse excedente de poder etérico acumulado e como influi em ti quando tu ficas vazia e aberta... Os ritos taurinos da religião cretense mostravam como a astúcia e a habilidade da mulher pode dominar o impulso cego e a força bruta do varão… mas esse touro teu não é nada toreável.
-Por que não?
- Porque não se entrega de tudo, porque conserva para sim sua independência, porque controla sua instintividade... e, a pouco que tu te descuidar, acabará te dominando por onde mais forte e mais fraco o temos as mulheres: pelo sentimento, que é nossa espada de duplo fio.
-Orfeu jamais tem feito nada comigo que possa se interpretar como uma manipulação de sentimentos –protestou Eurídice com firmeza-... E não utiliza toda essa energia acumulada para dominar a ninguém, nasceu príncipe, não precisa mais poder; até sobra-lhe... Ele diz que eleva a energia ao coração e à cabeça e que a usa para compor suas músicas maravilhosas... Uma vez disse, exatamente, que com essa energia sublimada gestaba e paría aos filhos de sua criatividade.
-Não importa que ele não tente te dominar, minha menina, nós nos enredamos sozinhas enquanto não podemos controlar. Eu já te vejo bem enrolada. Coitada! Pegou-te um homem assim em tua primeira experiência... Além de todo esse autodominio seu, é um príncipe, um artista e com certeza um iniciado, um homem acostumado a fazer o que lhe vem à vontade e que ademais tem um intenso feminino interno muito criativo, que permite-lhe um jogo de sentimentos bem mais complexo, versátil e sutil que o da maioria dos homens e que não lhe deixará sentir-se completamente só nunca... ele tem todos os condicionantes precisos para te fazer sofrer, a não ser que te resignes ao papel de segundona... e tu és uma Dríade de classe, além de uma garota brilhante e encantadora; teu nome significa “a que rege amplamente”, eu não acho que pudesses agüentá-lo... se eu for tu permaneceria atenta e sem seguir me comprometendo, a ver se a vida me mandava, na próxima sementeira, a alguém mais fácil de levar...
-Não mãe –respondeu Eurídice com determinação-, o que a vida me mandou já é Orfeu e eu agradeço muitíssimo que mo mandasse. E encanta-me que seja como é, especial, diferente. Enquanto ele me quiser como demonstra querer-me, eu abençoarei ao amor e a qualquer sofrimento que pudesse vir como contrapartida da felicidade que agora me dá.
-Eurídice... –finalmente, a Alta Sacerdotisa-Ninfa decidiu-se a abordar de frente sua preocupação principal-... tu és uma Dríade da Deusa. Não te preparei para o matrimónio, nem para ser uma mulher comum, senão para que, após criar duas ou três filhas para seguir brindando novas sacerdotisas à Nossa Senhora e a nossa linhagem, te consagrases inteiramente a viver como uma alma, para que seguisses te mantendo célibe e soberana o resto de tua vida e concentrada, igual que todas nós, em superar as ilusões do mundo material e para viver ao Plano Divino e à Deusa, servindo a tua comunidade, sendo semente e avangarda da Humanidade para ajudar a ascende-la a um degrau evolutivo maior, degrau  que os nossos descendentes possam disfrutar formando parte da aristocracia espiritual mais pioneira e conetada, e nossos espíritos também, quando eles tornarem a reencarnar na nossa linhagem, como a sabedoría das nossas ascendentes nos ensinou a fazer. Eu não sei se tu estás te decatando do imenso privilégio que significou para ti ter nascido em um berço e uma comunidade completamente propícia para facilitar-te a realização do mais alto dos destinos.
-Mãe, perdão, perdoa-me, - musitou Eurídice chorosa- …Sim que me decato, sim que o aprecio, Porém já estou vendo que eu não sou digna dessa consagração nem desse alto destino… sou uma ingrata e uma mulher comum…Não posso pensar em outra coisa que em compartilhar toda minha vida com Orfeu, desfrutando dele, fundida nele e no prazer e na doçura do seu amor, fazendo-nos os dois um…em verdade sinto que estou totalmente, loucamente apaixoada…
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-Fazes bem em chamá-lo loucura, -respondeu ela suavemente, mas com firmeza e sem a tocar- qualquer paixão é uma exageração instintiva e emocional, um delírio próprio de seres primitivos, um resto insadío do pouco desenvolvimento consciencial da Raça Anterior, que só desenvolveu o corpo astral…que não foi capaz, sequer, em sua maioria, de cultivar um mínimo de Mental Concreto, apesar de que já tinha que ter chegado a atingir o uso de razão na quinta de suas sete subrazas...Eurídice querida, nós somos Arianas de uma Quarta Subraza já bem avançada, e Arianas da mais alta classe, te lembres. Se não conseguimos superar as paixões, disciplinar-nos, conseguir a impersonalidade e a neutralidade e desenvolver o Mental Superior, acabarão fazendo-o os nossos primos, os patriarcalistas  gregos da Quinta Subraza, em lugar nosso.


-Não insistas, mãe, por favor, por favor –gemeu ela com vehemente dor- . Eu já não me vejo mais podendo viver sem Orfeu, não me vejo nem queiro me ver. Morro de vergonha, mas com certeza não tenho evolução espiritual suficiente para ser uma boa sacerdotisa, apesar de ser filha de alguém como tu…Porém, estou segura que igualmente poderia servir a esta comunidade e à Deusa casando com um príncipe e estimulando ao corte à promové-la e a devolver-lhe seu antigo prestígio e privilégios.

- …Isso não estaría nada mal, de sair bem… -resignou-se a responder a Alta Sacerdotisa, ao ver claramente que não tinha nada mais o que fazer por agora-… Não seria a primeira vez que isso sucedesse na história dos pelasgos…e poderia compensar um pouco tua renúncia ao sacerdócio… mas é uma qüestão muito problemática, minha filha, O pai de Orfeu, um rei com tendências patriarcais, e sua mãe, que é uma sacerdotisa olímpica,  veriam-te muito cedo como uma clara rival política, como uma perigosa influência da tradição matriarcal para seu filho, o príncipe herdeiro da Trácia. Se tu persistisses, irias enfrentar-te com um grande desafio.
-Se um homem assim supusesse um desafio maior que o comum, eu confio em mim mesma o bastante como para assumi-lo... E não preciso redobrar precauções nem despregar estratégias, nem forçar nenhum controle para obter ilusão de segurança: o que vir do amor para mim, bem-vindo seja; e o que não vir, é que não era para mim.
-Já vejo que tu estás, não enredada, senão enredadíssima com esse homem –disse a Grande Sacerdotisa Ninfa com pena, mexendo a cabeça–. Em fim, é coisa tua... Mas por favor, menina, mantém-te prevenida e conta sempre comigo quando tu precisar refletir sobre o vosso processo e, sobretudo, tomar decisões. A pequena vidinha de tua personalidade não é importante, é uma ilusão passageira, porém, tua relação com Orfeu é uma relação delicada entre o Colégio da Deusa mais antiga deste país e o Colégio dos novos deuses que vieram do estrangeiro. E isso sim que é importante.- terminou, com um tom que deixou clara e incuestionável sua aristocrática autoridade.
-O único que eu desejo é continuar amando-o como o amo aqui e agora, mãe, com total confiança e sem preocupações, enquanto seja possível. Serei cuidadosa com o que te parece importante, tu podes estar segura, mas me manter demasiado prevenida seria sair da evidência que sinto de que ele e eu somos o mesmo ser e o seremos sempre.

 

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