terça-feira, 13 de setembro de 2011

62 (7)- VÉSPERA DE LUA CHEIA



VÉSPERA DE LUA CHEIA       

A sacerdotisa sentia-se tão excitada aquela tarde, que conveio com suas colegas e com Orfeo passar essa noite na casa de hóspedes para desfrutar juntos da véspera da Lua Cheia, já que, na seguinte, se celebraria uma grande festa dionisíaca junto ao rio Hebro, que teria que dirigir em pessoa. 
Após o anochecer e muito bem arranjada e perfumada, com uma fita de prata ciñendo sua frente, conseguiu que Orfeo a acompanhasse a ver a saída da lua em uma acumulación de enormes rochas graníticas que tinha em um saliente do Rhodope, a curta distância da gruta. 

Segundo o disco de Artemis começou a assomar rojizo depois das montanhas, ela percebeu como todas suas potências femininas a possuíam em uma inundação ascendente. Sentiu-se brilhante, formosa, atraente, caçadora, feiticeira e poderosa, e no melhor dos palcos e dos ciclos para exercer seu fascinio. Concentrou-se no espelho da lua, deixou que saísse de sim sua magnetismo como um fluído rosado e vaporoso que o envolvesse e impregnase tudo em seu meio, e imaginou sensivelmente a Orfeo captado por ele, igual que uma abeja pelo perfume da flor, tocado em seus instintos, perdendo o controle, avançando para ela, besándola, a abraçando, derritiéndose cálidamente nela. 


Mas decorriam os minutos e nada disso ocorria, e saiu de sua concentração para o olhar de reojo. Encontrava-se em pé, a seu lado, paladeando com intensidade a beleza da lua. Mas sem percatarse ou sem querer assumir que a lua se personificaba nela esta noite para amar ao sol nele. Então decidiu olhá-lo diretamente.

O bardo recolheu a mirada e fez-lhe uma inclinação apreciativa com a cabeça, na que leu que se encontrava embriagado pela beleza sagrada do momento e que ela fazia parte dessa beleza como mulher. Esperou anhelante a que avançasse e a tocasse, mas não o fez, de modo que lhe tendeu sua mão.


Ele deu um curto passo e envolveu nas suas a mão feminina, sua mirada na dela durante um longo momento, depois levou seus dedos aos lábios e os besó, com respetuosa doçura.


Então olhou-o como se Orfeo fosse sua árvore de poder e acariciou suavemente sua bochecha, chegando mal com seus dedos aos cabelos. Era o gesto mágico longamente ensayado, imaginado e configurado no astral, para que o bardo perdesse toda discreción e caísse baixo seu encanto. Mas, em lugar disso, ele, muito tranqüilamente, a tomou pelo ombro e a atraiu a seu custado, voltando a olhar para a lua, como se quisesse que ela fizesse o mesmo e que todo ficasse em uma emoção estética compartilhada por um par de bons amigos.


Passou o tempo naquela posição. Passou tempo a mais. Sua magia não surtía efeito, e seu entusiasmo se congelou. Sentiu-se ofendida de que todo ficasse aí, se separou dele uns passos e dirigiu sua cara para as rochas, cheia de raiva, desejando loucamente que ele voltasse à tocar para ter um pretexto para o recusar, ou o golpear, ou abofetearlo, ou o matar. Mas ele ficou onde estava, em silêncio.

Finalmente, deixou-se cair sentada em uma peña e deu saída a sua frustración, permitindo que umas lágrimas silenciosas se deslizassem por sua bochecha. Isso a aliviou e rebajó seu furor; também comoveu ao homem, que se sentou a seu lado, a curta distância, como querendo lhe dar companhia e consolo sem a tocar.
Aguardou a ver se outras lágrimas e um sollozo, desta vez fingidos, produziam algum efeito. Ele começou a falar com muita doçura:

-Aglaonice, tão bela que me dói tua beleza, tão alta mulher, tão artista, tão admirable.
Ela soluçou outra vez.
-Tão querida para mim, tão belos nos dias em que me brindas o prazer de tua companhia. Obrigado por eles, amiga.
Sentiu-se melhor, teve a esperança de que as coisas se arranjariam.
-Aglaonice, tão querida, tão deseable... Mas não posso te amar com todo o ser, como mereces. Meu coração pertence por completo a outra mulher.

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     Ficou surpreendida, não esperava isso -Qual mulher?- Perguntou com um gemido 
 Ele esteve em silêncio um momento. Depois disse: 
-Minha esposa, Eurídice. 

           
Aglaonice regressou sua mirada para ele, com a boca aberta, estranhada, mas, ao mesmo tempo, se aliviando. Orfeo estava preso de uma lembrança. Uma rival morrida não era rival.
-Orfeo, eu compreendo teu amor e tua dor, mas Eurídice morreu faz anos.
-Não está morta para mim, sela segue muito viva.
-Ela não tería gostado que ficasses preso de do passado, Orfeo. Se eu fosse tua esposa e me morresse, não quisesse te deixar escravo de uma obsesión. Te quereria ver feliz, refazendo tua vida com outra mulher.
-Aglaonice, não podes o compreender, não posso to explicar. Ela não está morrida para mim, a cada dia o amo mais.

-Oh, pobre meu! -se enterneció ela, o abraçou- Pobre meu!
Ele aceitou o abraço, mas não o devolveu.

-Não digas pobre meu, sou muito feliz com esse amor.

Ela abraçou-o mais forte. Agora sentia-se muito bem. Orfeo estava doente da alma, ela o curaria. Em muito pouco tempo recuperou toda sua segurança.
Olhou-o bem perto e sorriu, enquanto se enxugava uma lágrima. 









-Achei que tu não gostavas de mim...-, soluçou, mas já era um soluço de alegria.


Ele a abraçou desta vez com verdadeira ternura. 
-Como não ia gostar! Qualquer homem gostaría de ti, Aglaonice, mas já estou-te dizendo o que sinto... Faz favor, não deixes de me dar tua amizade... Há outras classes de amor que nós podemos compartilhar.
            -Sempre te amarei, Orfeu, sempre te amarei, ainda que amasses a outra. Meu amor por ti não é posesivo. Amo-te e basta. Sempre te esperarei.
      Ele a olhou, preocupado. Não queria que se comprometesse dessa maneira, não queria obsedes impossíveis de satisfazer, mas já era muito que se tivesse consolado. Pouco mais podia-se fazer essa noite. Deu-lhe um último abraço.
A lua já clareaba alta no céu.
-Vamos-nos a descansar, Aglaonice, começa a fazer frio, vamos-nos amiga.

Apanhou-a pelo ombro, como para lhe dar calor, e começou a caminhar a seu lado devagar, para seu acampamento. Ela ainda tinha a esperança de que acabassem a noite descansando juntos... ainda que não tivesse nada mais entre eles. Mas quando estiveram à vista da gruta, ele soltou
- seu ombro. 

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Já todo mundo retirou-se a dormir; vem, acompanho-te até a casa de hóspedes.

O caminho estava  claramente alumiado, em muito pouco tempo chegaram à porta do cobertizo. Ela ainda esperava algo, mas a despediu com dois beijos nas bochechas e um sorriso doce. -Boas noites, amiga querida, que tenhas belos sonhos-. E deu um par de passos para atrás, ainda que ficou olhando-a.


Não queria dizer boas noites, abriu a porta do cobertizo e a manteve assim um momento, como o convidando sem o convidar a que a cruzasse com ela. Ele não se movia. Ela passou adentro, lentamente, e foi fechando a porta muito pouco a pouco, olhando até o final.
Apoiou-se na parede de dentro e esperou, mas ele não entrou. Escutou seus últimos passos afastando-se. Sentia-se apaixonada como uma moçinha.

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