segunda-feira, 12 de setembro de 2011

41- O MAiS IMPORTANTE APRENDIDO

O MAiS IMPORTANTE APRENDIDO

Capítulo aberto á criatividade

Orfeo olhou para fora, caía a tarde e as cimeiras das espléndidas montanhas do Pirineo, exuberantes de encinas milenarias, voltavam-se douradas. Os pássaros cantavam na enramada, ao redor da casa. Tinha um rumor de águas vivas correndo por toda parte, vivificando o corpo da mãe terra no que todos os seres se sustentam. Sacudiu-se de em cima as lembranças e e ropuso a Jacín sair a dar um passeio.

Caminharam até um lugar mais alto, desde onde a vista abarcava uma grande perspectiva da cordillera. Longo tempo ficaram ambos bardos em silêncio, contemplando a paisagem. O silêncio é o manancial de todas as inspirações, a alma precisa fazer vazios para se encher, o vazio melhor que o ser humano faz é quando se abre à contemplación da beleza e a grandiosidad da natureza, ante as quais ficam pequenas as palavras.

No entanto, o vazio momentáneo de nossa mente volta a colmar-se em seguida de novos pensamentos, que gozam em se converter em expressão, sobretudo quando há perto um espírito afín com o qual se comunicar. E surgem de novo as palavras, porque o homem é consciência, a consciência é luz e as palavras são os lumes que a luz da consciência acende em nossas mentes.


-Tu que tanto tens viajado, que és tão grande músico e poeta e que, além de ter um alto berço e educação, tens adquirido por ti mesmo muitas experiências... Que é o mais importante que tens aprendido nesta vida, Orfeo?- perguntou Jacín com toda singeleza, como se perguntasse algo fácil de contestar.
O tracio guardou silêncio longo momento. Seu maestro Quirón dizia-lhe que para saber que coisa era importante na cada momento, tinha que lho perguntar à Morte, que vive a nossas costas, já que é a outra cara de nossa Vida.
Com o olho da imaginación, Orfeo olhou acima de seu ombro esquerdo e perguntou-lhe a sua morte:
-“Se fosse morrer-me imediatamente Que é o que há dentro de mim que tenha justificado minha vida?”

Então a Morte enviou-lhe uma série de lembranças envolvidos em autêntico calor humano. Isso era o importante. E o resto, mal as circunstâncias secundárias que o sustentavam.
Depois respondeu a Jacín:
-O mais importante que tenho aprendido nesta vida é a amar a plena intensidade.


Ficou calado, mas em seguida olhou para ele e adivinhou que estava esperando uma nova história. Era um íbero amável e sensível e um poeta. Falava corretamente a língua franca pelasga. Orfeo sentia-se muito bem em sua companhia e com vontades de sacar para fora suas vivências mais íntimas. De libertar-se.

-Queres que te conte como descobri a intensidade? É uma história longa. É minha história.
-Sou todo ouvidos -disse Jacín sentando sobre uma pedra-. Ainda demorará muito em anochecer.
-Mas não é nada que esteja preparado, irá saindo a rodo, podemos dialogar.

-Dialogaremos pois.


Orfeo também se sentou de em frente à paisagem. Olhou para o Oriente, como se buscasse ao longe seu país, e começou:
-Se eu imagino que me vou morrer em um minuto e olho para adentro e busco o que me posso levar como lembranças principais desta vida, o que mais destaca em minha memória sensível são uns quantos momentos de grande intensidade que já passaram, mas que continuam dentro, ao vermelho vivo, como os rescoldos de uma fogueira.
Faz muitos, muitos anos, sendo um menino pequeno, eu amava tudo, porque achava que quanto existia a meu ao redor não se diferenciaba de mim mesmo. Quando contemplo uma paisagem como este, regressa a mim aquele sentimento.

Depois, segui-me amando naquelas pessoas que me parecia que também eram parte de mim, meus pais...
Mas um dia começou a parecer-me que já não éramos mais a mesma coisa.
A partir daí, comecei a contemplar o mundo como uma grande planície na que tinha milhões de pequenas llamitas separadas, umas mais altas, luminosas e firmes, outras débis, ondulantes, mortecinas, todas elas em contínua transformação.
-Eu cuidava da minha buscando minha própria satisfação, me apreciando, autocomplaciéndome, me dando atenção, afeto e prazeres físicos, emocionais e mentais a mim mesmo. Isto é, amando-me.
E parecia-me que a cada pessoa fazia o mesmo para cuidar de seu próprio lume.
Segundo fui crescendo e desenvolvendo-me, surgiu em mim a necessidade de acrescentar meu fogo pessoal; seu pequeno fulgor não me bastava, me deixava faminto, precisava mais.


Eu tinha nascido filho da família dirigente de meu país; cedo descobri que podia me apoderar de parte dos lumes das outras pessoas para intensificar o brilho da minha. Era o que todo mundo fazia no âmbito do poder.
Fui aprendendo muitas maneiras diferentes de conseguí-lo, a cada pessoa tinha a sua, mas a maneira habitual de minha família era arranjar-lhas para captar a atenção dos demais impressionando para dominar. Porque estamos completamente com a maior parte de nossa energia onde nossa atenção está.
Atender a outro é tender para ele uma ponte de comunicação no que se produz um intercâmbio energético. Nesse intercâmbio uns dão de seu próprio lume vital e outros tomam do lume dos demais.

A classe social na que eu tinha nascido chamava a atenção por si mesma: onde eu ia, as pessoas abriam sua ponte e sua porta ante mim, se inclinavam, se punham a minha disposição, davam de seu fogo. Eu me deixava venerar, meus desejos eram ordens, todo mundo se sentia honrado de me comprazer.
Raramente dava de meu próprio lume, a não ser que pedissem-mo e mesmo assim, o que eu dava, não era meu, eram os recursos que o estado destinava à cada tipo de petição razoável. Eu só era um servidor público que tinha um verdadeiro poder para os distribuir com justiça, de acordo à lei.
Minha amabilidad era puramente convencional, uma pose aprendida e ensayada mil vezes. No entanto, eles se sentiam bem, em realidade recolhiam sua satisfação da ilusão de estar se relacionando com O Importante, com O Poder; que não era eu, senão a coroa de meu pai, que estava por trás de mim.
Durante dezoito anos de minha vida, as pessoas adoraram em mim algo que não era eu. Eu representava meu papel, era meu trabalho, me tinham educado para isso desde menino, e meus pais, ademais, exigiam que o fizesse bem. Mas a cada dia odiava mais o estar dando vida àquela personagem que não era eu, enquanto minha eu carecia de manifestação, porque ninguém o via. O brilho da personagem que representava apagava completamente o meu próprio.
Eu aborrecia-me, sentia que o mundo era algo horrivelmente tedioso e estava convencido de que a maior parte das pessoas eram estúpidas. Nesses momentos me percataba de que meu lume pessoal estava a mínimos, mortecina, asfixiada pela rutina e pela falta de intensidade.

Em um dia, recebemos uma embaixada dos aqueos que tinham dominado Ptía, um reino pelasgo próximo ao nosso, em Tesalia. O embaixador trazia um majestuoso cavalo branco tesalio como presente para meu pai. Para minha mãe, ricas jóias de ouro que seguramente teriam saqueado de algum templo da Antiga Deusa. E não se esqueceu dos filhos: a mim me tocou um halcón de caça.
O embaixador ofereceu-se a ir comigo à sierra e me ensinar ao usar. Aceitei. Três dias depois cavalgamos com nossos escoltas até uma montanha próxima, baixo a qual corria um rio torrencial por uma garganta arborizada.
O embaixador aqueo era um homem de uns quarenta e oito anos e rosto curtido, com um brilhante passado de chefe guerreiro. Era pai de muitos filhos, e viu-me a mim como um filho mais, bastante flojo. Não se contentou com me ensinar como caçava o halcón, quis me dar uma lição de hombría, inculcarme seu próprio espírito de caçador.
-Este halcón está adiestrado, desde faz três anos, para caçar por si mesmo para seu amo -disse-. O soltas, busca sua presa, executa-a e traz-ta. Isso é interessante a primeira ou a segunda vez, mas depois se faz aburrido, porque é ele quem o faz todo e tu tão só estás aí, recebendo sua oferenda e lhe fazendo uma caricia.

-Estou entendendo –disse. Podia entendê-lo muito bem, porque durante toda minha vida isso era o que tinham estado fazendo os servidores públicos de meu pai para mim. Eu só tinha que estar aí, recebendo suas oferendas e lhes dando a mudança umas palavras que fizessem brilhar ainda mais o lume de seu autoestima... A qual era bem mais potente que a minha, porque estava sustentada sobre a realidade do bom trabalho que tinham realizado.

-Para que tu possas desfrutar da nobre arte da cetrería -seguiu o embaixador-, tens que te converter no próprio halcón com teu imaginación, tens que te pôr nele e captar desde dentro dele toda a intensidade de sua forma de caçar.

Ele instruiu-me pára que cobrisse com um grueso luva meu punho, sobre o que posou depois à rapaz. Tinha a cabeça coberta por uma caperuza de couro empenachada, que não a deixava ver.
-Sente ao halcón -disse-; acaricia-o, é teu. Sente-o como se fosse tua própria mano direita.
Fiz o que me dizia, o acariciei com a esquerda, tinha um belo plumaje de agradável tacto, senti os batidos do coração baixo seu peito cálido.
-Esse coração é o teu, porque sua vontade está cega. Não tem visão, só instinto. Tu escolhes por ele e o utilizas. Faz de tua vontade sua vontade. Olha para o vale e escolhe uma presa.
Olhei para a garganta arborizada, lá abaixo. Sobre o verdor escuro das frondosas encinas destacou-se a blancura de uma pomba torcaz que sobrevoava o rio. Assinalei-a ao embaixador.
-Sente que tua própria mano direita é capaz, desde agora, de descargar, igual que Zeus, um raio mortífero a grande distância. Um raio em forma de ave rapaz. Tira-lhe o capuz e ordena ao raio que vá a por a pomba Já!

Assim o fiz, lhe tirei a caperuza e imediatamente o impulsionei, com um movimento enérgico de meu braço e com uma ordem, em direção à presa. Meu halcón alçou-se, descobriu-a em seguida e foi a por ela como um raio.
-Tu és o falção -disse o embaixador bem perto de mim-. Tens descoberto à pomba sobre o rio, tens concentrado toda tua atenção nela, esquecendo o resto de teus interesses; tua atenção centralizada e prioritaria sobre esse objetivo faz que todas teus potencialidades de todo tipo se ponham a seu serviço para atingir o cumprimento de tua vontade; teu estado mental tem mudado a uma onda de alerta total, torrentes de energias de reserva fluem a tí quimicamente para acrescentar teu poder de realização; ajusta-se de imediato ao objetivo tua maneira de voar e teu cérebro de ave realiza instintivamente cem mil cálculos instantáneos para determinar previamente a arriscada manobra que a seguir executas: lanças-te em picado a toda velocidade para chegar lá abaixo, sobre o rio, com o ângulo adequado, a fim de poder atrapar com tuas garras à pomba pelo lugar preciso, justo após o momento em que suas próprias percepciones lhe avisem do perigo e te descubra; agarrando-a, não no lugar em onde estava, senão no lugar onde calculaste que estará quando te descobre e trata de escapar. Tocada! Imediatamente de atrapada a presa, segues a curva ascendente do picado previsto para remontar-te para acima, apesar do peso; rebasas os arbustos da orla e as árvores sem chocar contra eles e acabas essa ação impecavelmente, de novo na altura, para poder passar à que a seguirá... Que tens sentido?
-Uau! –disse, possuído pela excitação, vendo regressar a minha halcón com a presa em suas garras- Tenho sentido que todo eu era pura atenção concentrada em meu objetivo, a vida ou morte!

-Bem -disse ele-. Assim é como se tem que sentir um homem de poder quando se expressa a si mesmo.


Orfeo voltou-se para Jacín. Realmente a paisagem circundante parecia-se algo ao que acabava de descrever. Assinalou-lhe com o dedo, lá abaixo, a uma bandada de pombas torcaces que sobrevoava o rio.
-

Naquele dia –seguiu- descobri que, quando realmente estamos vivendo a vida a topo e não simplesmente vegetando, somos, em esencia, uma atenção absolutamente concentrada em algo concreto.

O momento no que a chama da nossa energia vital brilha com maior intensidade é esse no que um saiu da rutina da percepción pasiva e dispersa, para se converter em plena atenção a vida ou morte.
Igual que o halcón, em um nível muito básico, nosso sentimento de intensidade pode se acrescentar quando vagamos pelo bosque verdadeiramente famintos e surge uma presa, corremos depois dela, apontamos com plena atenção e conseguimos atravessar com nossa seta.

Mas isso, para nós, já se converteu em uma intensificación muito excepcional. A obtenção de comida para o homem, por causa dos muitos recursos que temos hoje em dia, rara vez deixa de ser uma rutina mais, de agradável, mas baixa intensidade de atenção.-

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