terça-feira, 13 de setembro de 2011

59 (3)-. NOS INFERNOS

NOS INFERNOS


Efetivamente estava aberto, ainda que ante ele se encontrava de guarda aquela imensa besta escura de três cabeças ferozes de lobo, que lhe tinha rasgado braços e mãos em seu sonho. “É outro dos medos de minha mente –se disse de novo, desta vez com uma convicção a toda prova-. E o que minha mente cria, minha mente pode o transformar”. 
Assim, começou a pôr em uma improvisada canção o relato que Hércules lhe tinha feito em Creta sobre como conseguiu realizar o último trabalho que lhe encomendasse o tirano Euristeo, seguro de que essa vez seria incapaz do cumprir: capturar ao Cancerbero, o guardião do Inferno. 

“Quando por fim pôde deter seu pensamento e se pôr em estado de total vaciedad receptiva no santuário de Eleusis, a onde o herói tinha ido em busca de conselho, se apresentou ante sua visão a deusa virgen de verdes olhos penetrantes, formosa e armada de todas suas armas, quem lhe disse: 
“Para poder ascender pelo estreito caminho que conduz até os céus da própria verdade, maestría e imortalidade, amado meu, não tens outra opção que te atrever a descer dantes aos infernos da personalidade e enfrentar ao Guardião da Ombreira.” 
“Falas de Cerbero? Não lhe tenho medo, deusa de minha alma. Só quero saber a onde tenho que ir para o encontrar.” 
“Cerbero é uma ilusão, uma metáfora -respondeu Atenea-. O que o Guardião da Ombreira simboliza é a parte mais escura e taimada da personagem limitador e obstaculizador que teus pensamentos e sentimentos sobre aquilo que te separa de Tua Verdade têm criado no mais profundo de teu subconsciente. Busca à porta de teus próprios abismos interiores, no laberinto de sombra onde ocultas o que não gostas de ver de ti mesmo.” 
“Se está dentro de mim que arma posso usar para o vencer?” 
“Nenhuma de tuas armas pode destruir algo que tão só é um fantasma, uma falsa concepção de ti mesmo, um acúmulo de sujeira mental que esvazia teu centro e que oculta o mais autêntico e poderoso que há em ti.” disse o feminino interno do guerreiro. 
“Como lutar com ele, então?”, insistiu Hércules. 
“Lutar com ele equivaleria ao alimentar e o engrandecer, lhe cedendo a energia de tua atenção. Não lutes. Quando deixas de combater a teus medos perdem toda sua força e se desinflan. Concentra toda tua atenção desde o centro de teu frente, toda, em te ligar, através de um irrompible fio de consciência com o que em verdade és e tens sido sempre por toda a eternidade. E não penses em outra coisa”, respondeu a Inteligência Intuitiva de Zeus em seu coração. 

Orfeo avançava cantando com toda firmeza os louvores ao Ser luminoso, omnisciente e eterno que conformava seu esencia, se centrando totalmente na identidade mais elevada e poderosa que tinha dentro de si. À medida que fazia-o, a acumulación de repetições que, com seus mesmos rasgos, representava a imagem de seus medos, de seus insuficiencias, de seus remordimientos, de seus complexos, de seus ressentimentos ocultos e da soma de sua própria negatividad na imagem daquele monstro, parecia desmoronarse e empequeñecerse. 
Ao final, carente totalmente de atenção, se diluyó, como as sombras de um pesadelo ante o acordar, quando o bardo transpôs com determinação as altas ombreiras subterrâneas sem deixar de pulsar sua lira. 
Ao adentrarse na escuridão da caverna do subconsciente coletivo de sua raça nele, para além de onde chegavam as ondas do mar das emoções agitadas, notou como a música e o canto que saíam de seu ânimo formavam algo bem como uma figura luminosa e alada que ia a sua frente ligada a ele por um fio de luz, lhe guiando e lhe facilitando o passo por entre aqueles antros uterinos em contínuo e empinado descenso. Quanta maior intensidade punha em sua expressão, quanto mais centrava-se no poder de seu Esencia, mais relumbraba sua guia e mais rapidamente apartavam-se os obstáculos. 
Sobre as asas de seu canto foi abrindo-se caminho por entre úmidos e estreitos corredores povoados de morcegos, escalinatas sinuosas e poliformes grutas concatenadas, que conformavam as diversas regiões dos Avernos, sem deixar que interrompessem a força e o fluir de sua música as tristes, crueis ou horríveis cenas que ofereciam as ánimas em pena que pululaban por elas, sombras impalpables sem voz, sem força, sem vontade, sem objetivos nem lembranças, que, mais que falar, emitiam uns apitos ininteligibles e laxos, a cada uma envolvida no tormento de ter que conviver com as formas-pensamento negativas e com os remordimientos, culpas, falhanços, falsidades, vícios, automatismos e complexos, convertidos em Fúrias e Harpías, que durante sua vida criaram com seu comportamento e com suas obras, e que agora os rodeavam, chupando sua energia, flagelándolos e os picando sem piedade. 
Por onde Orfeo passava, seu canto valoroso e vital, reforçado pelas invocações, conjuros e fórmulas sagradas que aprendiam os iniciados de Samotracia e Eleusis para navegar firmemente pelo laberinto do Mundo Escuro sobre a lembrança do próprio Ser, intercaladas, ao fim da cada estrofa, com o triplo repetição da cada um dos nomes masculinos ou femininos da Divinidad que lhe vinham da inspiração, interrompia por um momento as obsedes automatizadas daqueles desgraçados espectros e proporcionava , com a luz emanada daquele verbo, uma trégua, um alimento e um alívio ao sofrimento de suas escuras mentes, recargándolas com as energias de uma esperança que quase tinham totalmente esquecida. 
Seu canto abria rechinantes portas enmohecidas, apartava barreiras mentais, armadilhas, redes, grades, monstros, demônios e morcegos, despejaba teias de aranha de rutinas e trevas de covardias, e alumiava os longos corredores laberínticos, salas capitulares, naos, pronaos, claustros neblinosos de vegetación seca, poços sem fundo dos que emanaban os gases nauseantes do corrupto ou os resplendores de lava das baixas paixões. Não se deteve nas alucinantes câmeras de tortura do reconcomerse, cheias de grúas e correntes, nem nas masmorras siniestras dos vícios e vícios, nem ante os palácios e templos postos do revés dos objetivos frustrados. 
Atravessou as dependências ruinosas coroadas de goteantes estalatictas dos projetos nunca arrematados, os pátios monumentales povoados por fileiras de armaduras de rigideces e corazas de resistências, as câmeras de congelación onde se esqueceram em um dia as momias dos bons propósitos, das promessas não cumpridas, dos autocompromisos não trabalhados, ou aquelas enormes galerías, as mais amplas e elevadas, cheias de pedestales soportadores de titánicas estátuas que se destacavam siniestras na penumbra da altura, atadas ou envolvidas por lienzos polvorientos, que faziam pensar em armazenes de heróis, deuses, amores e modelos do passado, relegados para sempre ao esquecimento por falta de fiéis que lhes rendessem culto. 
Seu canto, convertido em guia e concentrado totalmente na lembrança do essencial e eterno do próprio Ser, para não conceder a menor fuga de energia de atenção a todas as autoconmiseraciones que povoam a mente profunda, lhe levou, sem saber como, até o mesmo coração do abismo, uma sala circular e imensa arrematada, sobre oito enormes colunas, por uma cúpula esférica na que se encontravam inscritos os cento dez glifos que representavam os arcanos do Caminho Evolutivo da Vida e da Morte. Baixo seu centro, encontravam-se, rodeados de um grande corte e no alto de um estrado, os tronos de dois majestuosas e graves figuras que não podiam ser outros que Hades e Perséfone, imperadores do Inframundo. 

Ao chegar ante eles pelo corredor que a multidão de sombrios cortesanos foi lhe deixando franco, impressionados por sua luz, o bardo despregou seu saúdo mais gentil e agradeceu sinceramente que lhe tivessem permitido entrar até lá, para lhes rogar a devolução à vida de Eurídice, demasiado cedo arrancada do mundo, sem a qual a sua própria não era senão média vida. Depois esperou uma resposta ou um gesto, ou ao menos uma expressão, por parte de seus interlocutores. 
Mas não os teve. Tanto os monarcas como seus cortesanos continuavam olhando ao bardo impávidos, silentes, imóveis e sem que nada em seus rostos permitisse perceber o efeito, positivo ou negativo, que tinha produzido seu saúdo e sua petição. 
O silêncio fez-se chumbo, depresivo, quase insultante, mas Orfeo sentiu que aquilo seguia sendo uma prova para as ilusões de sua mente. Nada do que percebia era real e tudo passaria, salvo a obstinada coragem de expressar vivencialmente a própria criatividade, plantando cara à indiferença do cosmos ante nossa insignificancia, mal pela beleza do amor validada. A coragem e o amor são as colunas que mantêm equilibrado e em pé o edifício da existência manifestada do Ser, no âmbito do universo que Ele mesmo criou sobre o seio de seu próprio vazio. 
Dantes de que a aparente surdez ou o calculado repto daqueles siniestros personagens lhe fizessem se sentir desasosegado e pequeno, pediu licença para cantar em sua honra e ainda que seguiram sem soltar palavra nem gesto algum, deu a licença por outorgada e, em pé no centro do salão, acomodou ante sim sua lira e imaginou que o instrumento se convertia em um sol cálido e irradiante. 

Sobre a melodia já amplamente desenvolvida de sua Canção Ocidental, com a maior acalma, Orfeo começou a improvisar estrofas portadoras de rimas alternas de forma refinada, original e virtuosa, sem que deixassem de ser claras e singelas em sua expressão, que descreviam a majestade impressionante do Reino Infernal e de seu soberano, bem como seu poder absoluto e irresistible, já que em suas mãos se encontravam os fios da existência de todos os seres, bem como a faculdade de julgar suas ações na vida e de lhes aplicar sua inapelable justiça durante ciclos só medibles pela intensidade do sofrimento. 
Mas, no meio daquela soberania omniabarcante, no meio daquele imponente domínio e suficiencia, o vate desenhou para seu público, tomando-o do mais frágil de seus próprios sentimentos, a insondable solidão do Ser em seu individualidad, o imperativo anseio de projetar-se, de espejearse, comunicar-se, contrastar-se, a fim de enriquecer o conhecido com a experiência do desconhecido, a fim de complementar a própria percepción sensível com a percepción sensível do “Outro” que também somos, sem o qual seu infinitud eterna se converteria no estático e unidimensional aburrimiento infinito e eterno do Único, em Si Mesmo encerrado. 
Descreveu com intensos e dinâmicos movimentos sonoros o surdo reconcomerse do deus Hades em outra época, dando voltas e voltas, a cada vez mais agrias, insatisfechas e impacientes ao redor de si mesmo, como um oceano de candente magma que remolinea no interior profundo da terra... até que as tensões e as pressões chegam a um ponto em que a autoobsesión estalla, despedaça as amplas abóbadas acorazadas e erupciona na superfície como um vulcão furioso e detonante. 
Em ondas de versos curtos e graves arrojados ágilmente a rodo rítmicos, Orfeo expressou uma saída, uma torrente incontenible, como rios desbordándose em ondas ardentes, como uma galopada selvagem de negros cavalos encabritados que arrastassem uma carroça de fogo, mostrando a abrupta ascensión dos sentimentos contidos do Dono do Abismo pelos ásperos e escuros túneis da pesada matéria subconsciente, para a superfície aérea e luminosa. 
Em um explosivo crescendo, fez estallar no ar escala-las acumuladas e libertadas, torbellino ascendente para uma oitava superior, e forçou a que o som e o gesto ficassem vibrando e expandiéndose na altura, até que aquelas serpentes de lava, desde tão profundo expandidas, se converteram em uma águia sonora de amplas asas, que se alçou ao zénit do firmamento livre e passeou agudamente seu olho poderoso pelas quatro direções do horizonte enquanto planejava muito alta, buscando um objeto no qual se fundir, remoldelarse e se completar. 

Orfeo mudou de tempo, esgrimiu sua flauta e descreveu ante sua muda mas atenta audiência um novo palco de ares pastoriles. Sua música mais alegre e doce, pondo um contrapunto à gravidade imponente, restallante e viril do movimento anterior, descreveu agora uma paisagem exuberante e feminino ao pé do vulcão, enmarcado nas margens triangulares de uma bela ilha pletórica de vida, bullente de ribeiros que brilhavam baixo o sol, plena de sons de insetos, pássaros, sonrientes brisas e leves chuvas fecundantes; fértil, florida e bucólica. 
Concentrando-se na Emperatriz do Inferno, a quem dedicou uma gentil inclinação de cabeça enquanto tocava, colocou ante ela a imagem passada de uma rapariga feliz, mal coberta a sensualidad emergente e pura de sua adolescencia por uma curta túnica laranja, que corria espalhando nuvens de pétalos de flores sobre os campos, seguida de borboletas, avecillas e antílopes, sendo recebida com o maior amor, à medida que avançava, pela natureza toda, da qual era a filha mais amada, o sorriso do mundo, a expressão da vida mesma em seu aspecto mais formoso. 
Quando teve enfeitado suficientemente o belo quadro, lhe dando uma amplitude aberta e panorámica, Orfeo voltou a mudar rapidamente a flauta pela lira e, com um par de toques de sensata graves e expectantes, colocou a bela cena no ponto de vista da águia que espreita a plena atenção desde o alto e que acaba de descobrir a presa almejada. 

Depois fez que um vendaval aleteante de notas rasgueadas se lançasse incontenible desde a altura, que se fizesse todo ele seta e garra, que soasse em toda a sala a excitação da caçada e que, de repente, um zarpazo seco e sonoro a ras de terra se convertesse em um movimento novamente ascendente, que se levou consigo a sensual pureza para o cráter do vulcão e o escuro túnel, que afundaria no interior profundo da terra a juventude, os risos, as flores, a primavera radiante e os restos despedaçados de asas de borboletas que aquela força arrasou a seu passo. 
Não deixou de perceber Orfeo o efeito produzido por seu canto no casal de reis infernais, que trocaram durante um segundo uma intensa mirada de reconhecimento (ou quiçá de gelado desafio), justo um instante após o que marcava, na música, o rapto violento de Perséfone por Hades. 

Tendo conseguido que se reconhecessem emocionalmente dentro de sua pessoal história, o bardo precisava agora que também se identificassem com ele e com a desolação na que se encontrava sem Eurídice; de modo que, para que melhor a sentissem, passou a descrever a angústia e o desconsuelo de Démeter, a amorosa mãe de Perséfone, quando percebeu que alguém lha tinha arrebatado sendo mal uma menina e como, igual que o mesmo Orfeo, a Deusa da Natureza Fértil empreendeu uma caminata de meses, buscando sua pista pela Terra e pelos Céus, perguntando continuamente aos deuses e aos homens por ela. 
E enquanto, descuidadas suas funções, os campos voltavam-se estéreis e a fome e a miséria apoderavam-se do mundo, de tal maneira que o mesmo Zeus teve que fazer de intermediário para chegar a um acordo que satisfizesse minimamente tanto a Démeter como a Hades. E foi por isso que o Rei dos Infernos teve de aceitar que seu apasionado amor, a bela Perséfone, força regeneradora da vida, lhe abandonasse a cada seis curtos e longos meses, se levando seu contrapunto de luz longe das sombras, para ir despregar a Primavera à superfície do mundo, de tal modo que a vida seguisse e também os deuses pudessem existir porque os homens, agradecidos pelo necessário alimento ou temerosos do perder, recordassem a conveniencia de lhes render culto. 

-... Em nome da mesma legítima añoranza de amor que te faz esperar a cada médio ano a que teu ánima amada volte a encher de luz e de alegria teus vazios aposentos e tua alma, poderoso Hades –concluiu Orfeo-, eu te suplico que compreendas os sentimentos de meu pequeñez e que consentas em que a presença viva de Eurídice volte a trazer a primavera ao inferno de minha alma. Ou se não, senhor da morte, apiádate de ambos e tomada também minha vida para que possamos reencontrarnos por fim nas sombras de teu reino. 

Quando a música cessou, Hades pareceu sair um momento de seu abismal impenetrabilidad e olhou para sua esposa Perséfone. Esta esboçou um sorriso que, apesar de ser muito leve, trouxe brilho de lua à imensa sala do trono do Mundo Escuro. Depois pôs seus blanquísimas mãos em posição de aplaudir. 
O imperador infernal aplaudiu então e, concedido a real permissão, toda sua pálida corte aplaudiu com ele abertamente. Foi a maior ovación que Orfeo tivesse escutado em sua longa carreira de artista e a que mais acendeu sua alma. Inclinou-se repetidas vezes, agradecido, para todo seu público enquanto durou, depois pôs sua lira aos pés de Perséfone em forma de brindis ou de oferenda, ficando ajoelhado e com a cabeça baixa ante Hades, como quem espera um veredicto. 

Hades tendeu para ele sua mão e lhe fez levantar com um gesto. Depois disse: 
-Se atendêssemos as lamentaciones de todas as pessoas que amam e perdem a um ser querido, este reino estaria vazio de súbditos e na superfície da Terra não ficaria lugar nem oportunidade para que as gerações jovens renovassem a vida e a fizessem evoluir para formas superiores, para o Corpo Mental-intuitivo, à fusão da personalidade espiritualizada com a Alma e a desta com a Mónada, pois não é outra a missão de tua Subraza. 
-A Lei Fundamental da Vida do Ser que É em seu universo –continuou-, é a da imparable, eterna transformação de suas manifestações, já o sabes. Ante ela, tão grande ilusão é a de que qualquer delas possa resistir à mudança, como a de que sua esencia vital possa desaparecer. Só desaparece o que, em realidade, nunca teve uma autêntica existência, porque só aparência era, como a personalidade humana, construída a base de lhe pôr caprichosos limites ao ser que somos, referidos sempre a um passado que já não existe, a um presente que só se usa para sonhar no futuro, e a um futuro que não se sabe se poderá se viver. 
Hades guardou silêncio e ficou olhando desde seu poder. O bardo sentiu que era o momento da verdade: o que fora, seria já. 

-A Eurídice que recordas já não existe, Orfeo, seu corpo se perdeu para sempre -disse. Um leve gesto de suas mãos deu a entender que não tinha nada que fazer. 

E, de repente, as luzes apagaram-se e tudo ao redor reinou um silêncio negro. 

Um silêncio total, frio, aplastante. 

O mundo parecia ter desaparecido. 

Silêncio, 

frio, 

solidão, 

vazio, 

Nada, 

nada, 

nada. 


Orfeo ficou também calado longo tempo, se sentindo muito pequeno, olhando adentro de si. 

Pronto, final, nada mais que fazer, nada mais que esperar. Estranhou-se de que não lhe doesse, se sentia sereno, até aliviado, ainda perdido nas trevas vazias e intermináveis do Inferno. Então deu-se conta por que. 

-Eurídice e eu somos um -disse com singeleza para si mesmo–. Ela não é algo que se me possa arrebatar. Viverá em mim enquanto eu viva, morrerá comigo quando eu morra. Ainda então, seremos uma mesma alma imortal por sempre, como já o éramos dantes de nascer e dantes de conhecer em nossos corpos. Realmente não era necessário ter vindo até esta sombra a por ela. Sempre esteve comigo, até dantes da conhecer ela é A Deusa e a Luz dentro de mim. 


Então acenderam-se de novo todas as luzes, aqui e ali. 

Finalmente ficou todo o salão como dantes, ou mais alumiado que dantes, toda a corte tinha feito um círculo expectante ao redor de Orfeo e do trono. 

Perséfone levanto a vista dele e tocou suavemente com sua mão a de seu marido, este a olhou um momento aos olhos, com uma ternura insospechada em seu grave aspecto, e continuou se dirigindo ao bardo: 
-Agora sim que tens chegado a onde tinha que chegar, filho meu. –disse sorrindo docemente-. Perséfone e eu nos alegramos muito. 

Hades pôs-se em pié e falou firmemente como pára que toda o corte intraterrena reunida lhe escutasse: - Se os mortais chegassem a inteirar-se de que fazemos exceções à Lei Fundamental para satisfazer seus vãos apegos e suas efêmeras sensações e emoções, ninguém aproveitaria seu tempo de vida para evoluir, confiados em poder regressar a ela. Nós não seríamos justos se fizéssemos exceções às leis criadas pelo Único para um nível de consciência específico, mas sabemos utilizar leis superiores às que regem as vibraciones mais densas para elevar seu nível uma oitava. Também somos bons músicos, Orfeo, ainda que não precisamos lira. 

. O passo pela escola do plano físico da superfície do Balão Terra (onde se aprende a amar e perdoar e a ser amado e perdoado), é mal uma ínfima parte de vossa existência de Mónadas. As Trevas, Orfeo, são a única realidade verdadeira e permanente, da que se vem e a onde se volta. A Escuridão do Grande Vazio é o útero virgen da Grande Mãe Inmaterial, o lar do Espírito Puro, origem, base e raiz da expressão material de Seu Amor chamada Luz, sem o que nem esta nem nada poderia existir. 

Novamente Perséfone moveu suas mãos, juntando por um momento seus palmas, de uma maneira quase imperceptible. Depois olhou para o vate com um sorriso. Nesse momento, seu rosto mudou e converteu-se no de Thais, a Soma Sacerdotisa do Templo do Amor. 

Hades também tinha mudado sua aparência, que era agora a do “Homem Do Roble,” o ermitaño oficiante do Ara Solar. Alçou então sua voz outra vez, para que, além de Orfeo, toda seu corte escutasse sua decisão e seu mandato: 


-Por teu profundo amor e determinação, por tua fé e teu valor, que te fizeram chegar até aqui, Orfeo, por teu entendimento final e tua aceitação, além do prazer que nos causou tua arte, podes regressar ao mundo da luz e te levar o que aqui tenha de Eurídice, se ela também o desejasse após que te tenha reconhecido. 

Só duas condições deves cumprir… 

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