domingo, 11 de setembro de 2011

32- ITÁLIA CENTRAL

ITÁLIA CENTRAL     

O arborizado território ao norte da praia de Mirmix e do cabo de Cajeta estava em poder de povos selvagens muito agressivos: Samnitas, Volscos e Latinos, que viviam brigando entre si ou assaltando o comércio grego com o norte; de modo que por precaução, ao sair de Phitecusa, preferiram cruzar em frente ao litoral de Traquina e o promontório de Circe de noite e resguardarse de dia para além, entre as Marismas Pontinas, para evitar que as embarcações de possíveis piratas avistasen à flotilla e decidissem echáseles em cima, como uma manada de lobos.
Por fim superaram aquela zona de perigo, ao divisar no horizonte o Monte Argentario, o Parnaso itálico, que parecia uma ilha, de onde os Tirsenos tinham expulsado à antiga guarnicião fenicia para estabelecer seu primeiro fortín protetor. Depois dele, começava a Etruria, com a desembocadura do rio Umbro em seu centro. De cara a Occidente, enquanto avançavam, destacavam-se as ilhas Calidnas, coroando o horizonte como uma diadema.
Assim, chegaram por fim à tão mentada Tirsenes, uma cidade em construção, talvez uma futura nação de gentes prósperas e livres, onde as três naves desembarcaram aos numerosos emigrantes lidios que traziam, junto com seus pertences.


Durante os dias seguintes dedicaram-se a avituallar o “Tursha”, pois tão só ele partiria, com Arron comandando uma tripulação de focenses, em tenta da descoberta de novas possíveis colônias, ao mesmo tempo em que tentava o intercâmbio de manufacturas orientais baratas pelo ouro e as peles de animais selvagens dos nativos. Enquanto, os outros dois barcos regressariam à Anatolia, a levar mercadorias etruscas aos lidios e trazer mais emigrantes.
Tirsenes tratava de ir parecendo uma verdadeira cidade civilizada cheia de atividade, como as da Grécia, ordenada, limpa e com todos seus serviços funcionando perfeitamente. Notava-se, apesar de sua juventude, que tinha riqueza nela, porque não faltavam bons templos nem palácios, nem monumentos escultóricos nos pontos emblemáticos. Mantinha um intenso tráfico com a ilha de Cerdenha, que era o primeiro lugar onde se tinham estabelecido os Tirsenos, antes de fundar sua cidade na península itálica. O porto estava muito bem defendido e todo o conjunto se encontrava rodeado de uma empalizada de troncos, enquanto se construíam as imprescindibles muralhas de pedra.
Seus habitantes eram jonios asiáticos de toda classe que se sentiam agradecidos aos deuses por ter podido estabelecer em um mundo novo onde havia paz (ainda que sempre tinha-se que ter cuidado com os nativos) e onde cada um deles já não era “mais um ”, como na populosa Lidia, senão “a civilização” no meio de um continente de selvagens.

Estavam todos convencidos, incluídos os recém chegados, de que algum dia chegariam a ser ricos ou dirigentes de uma sociedade diferente, onde quase tudo estava por fazer e no que qualquer pessoa com algum especial talento teria igualdade de oportunidades onde o demonstrar e destacar. Tinham seguido o modelo fenicio da cidade-estado que se regia por médio de assembléias comunitárias nas que não sempre eram escutados e seguidos os mais comprobadamente capazes e serviciales; nem sequer os fundadores que não permaneciam ali o tempo todo, como Arron, que se via um pouco resentido pela falta de agradecimiento de Tirsenes para uma pessoa que tinha feito tanto pela colônia como ele.
-Eu fui quem tem ido criando esta cidade na cada um de minhas viagens –disse o marinho, amargurado, a Orfeu, ao regressar de uma assembléia-. E a cada novato que trago de Lidia, parece que porta baixo o braço um projeto revolucionário de cidade ideal e de república perfeita, propondo o reformar tudo desde os alicerces assim que lhe concedam voz e voto. Seria melhor que a tivesse povoado com bárbaros e depois lhes ensinasse a se organizar, em lugar de tanto jonio archisabido.
-Por que estás tão enfadado, Arron? -perguntou o trácio.
-Dois tipos a quem tive a desgraça de trazer de Mileto, que se chamam a si mesmos “filósofos”, propuseram à assembléia criar uma escola, presidida por eles, claro está, onde se pudesse formar iniciaticamente ao mais selecto dos filhos dos emigrantes gregos na Itália para converter em uma classe sacerdotal dirigente da nova sociedade. “Reis-filósofos”, dizem eles. Eu contestei que para classes sacerdotais dirigentes da sociedade já tínhamos tido bastante com as sacerdotisas da Deusa primeiro e com os reis-sacerdotes dos Olímpicos depois, e que se queríamos criar uma nova sociedade para valer, a fizéssemos com a voz e o voto dos mortais livres, não nos deixando manipular de novo por uma pirámide jerárquica em cuja cimeira estão os supostos intérpretes dos deuses, que sempre acabam por dividir à comunidade em castas, das quais, a mais alta (a sua, naturalmente), se perpetua a si mesma no poder.


           Orfeu preferiu não fazer comentário algum sobre “modelos teóricos de política para uma sociedade ideal”, que lhe parecia um tema tedioso, de baixa vibração, separatista e irresolúvel.

          Ele sabía muito bem por experiencia familiar, que monarquía ou república apenas são fachadas de cara ao povo e que, a pesar do voto popular,  quem realmente decide o rumo de um estado “normal” são os grupos de poder que apoiam e financiam, bem a um Monarca supostamente soberano, e a sua cúpula de sacerdotes ou nobres, ou bem a um Conselho de supostos Representantes dos cidadões.
Assim que pegou sua lira para tentar acalmar ao tirseno com sua música, o que não demorou muito em conseguir.



Quando por fim zarparon de ali, cruzando o mar para o oeste, Orfeu cantou um hino em honra de Poseidón, pai da linhagem Tirreno, tão emotivo e tão belo que o deus do mar teve a bem lhes conceder a melhor das travesías possíveis e, graças ao vento adequado para suas velas, não demoraram em divisar aquela enorme “montanha no mar”, Corsica.

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