domingo, 11 de setembro de 2011

24- ALCINOO DOS FEÁCIOS

ALCINOO DOS FEÁCIOS       


Navegaram depois com a “Astarté” para o Norte, até Corcyra, na ilha dos Feacios, Drepane, a da forma de foice, situada enfrente do país de Tesprotia, no Epiro, que foi o primeiro lugar onde os antigos aqueus se assentaram, depois de vir de Occidente. Corcyra é o melhor porto para cruzar navegando o estreito de Otranto, a fim de chegar ao sul da Itália, terra de promisião, que se estava enchendo de ricas colônias gregas.
Orfeu despediu-se afetuosamente de Beleazar e dos tripulantes da “Astarté” e, seguido, subiu ao palácio do rei local, Alcínoo, para apresentar-lhe a mensagem do rei Laertes de Ítaca, pedindo-lhe que lhe recomendasse ao comandante dos três navios tirsenos.


Alcínoo era um homem ainda jovem e determinado, culto e distinto, de origem cretense, também parente de Sísifo, que, tendo tido que emigrar de sua ocupada Éfyra por causa da opresião dos aqueus, se tinha convertido em rei da fértil Feacia mediante seu casal com a rainha pelasga, Arete, e fundou depois a cidade de Corcyra ou Kerkira.

Os feacios eram tão magníficos marinhos, que até se dizia que foi a própria Atenea quem lhes tinha ensinado a construir naves rápidas e a navegar com elas. O casal de dirigentes conseguiu pôr-se de acordo em uma eficaz administração e diplomacia, abrindo-se aos novos tempos sem renunciar aos antigos, com o que se fizeram amigos de todos e o contínuo intercâmbio da nova Grécia com Itália enriqueceu ao pequeno reino insular.

No entanto, Arete era uma rainha da Velha Ordem, Alta Sacerdotisa-Abeja da Grande Mãe em sua ilha. A tradição matriarcal exigia que seu marido chegasse a se converter em rei consorte e chefe de guerra por um período limitado, sendo sacrificado à Deusa antes de três anos, igual que seus filhos varões o eram antes de ter cumprido um, para que a rainha pudesse escolher marido novo, mais jovem para ter filhos e mais potente e temerario como chefe de guerra para o país. Dessa maneira não tinha perigo de que um varão retivesse por muito tempo o poder que correspondia legitimamente às matriarcas e que estas legavam a suas filhas.
Se o rei resistia-se a obedecer a Lei, qualquer príncipe ou campeão que se atrevesse a lhe desafiar e a lhe matar poderia aspirar a ser escolhido como rei consorte pela Abeja Rainha em seu lugar. No entanto, no mundo pelasgo podia-se negociar até com a Deusa, e Arete estava encantada com seu marido, o caballeroso, sábio, elegante, firme e gentil Alcínoo, um homem dos para valer, dos de dantes, um dos últimos representantes vivos da antiga aristocracia cretense que ficavam em toda a Pelasgia, alguém que até sentado no trono de um reino pequeno parecia um imperador, em nada semelhante àqueles burdos helenos prepotentes e machistas, recém baixados das montanhas do norte com um ferro na mão, ainda cheirando a carnero.

De modo que, para cumprir a lei, Arete fazia que seu marido abdicasse, a cada três anos, em um menino que era sacrificado em lugar do rei. Depois, a rainha voltava a escolher a Alcínoo por outro período, com o que a Sagrada Tradição, por mulheres criada, se adaptava ao que a conveniencia das mulheres demandaba dela, sem necessidade da reformar.
Orfeu recordava que, durante o regresso dos argonautas a Yolkos depois de roubar o Vellocino, uma escuadra colquídea de oito galeras de guerra os tinha finalmente localizado e bloqueado nestas águas, com ordem de aprisionarlos e os devolver à Cólquide para ser julgados.

Mas Alcínoo tomou-se muito em sério seu papel de juiz sobre o que ocorria em seu território e Arete lhas arranjou para casar essa mesma noite a Jasão com Medea, com o qual, segundo a lei patriarcal imperante na Grécia, onde se encontravam, a princesa se independizaba de seu pai e não tinha por que voltar ao reino caucasiano, ao suposto reclamo de sua família.
Ademais, segundo a lei matriarcal imperante na Cólquide, como ela era a Sacerdotisa de Hécate guardiã do Vellocino depois do desaparecimento de sua irmã maior, Llilith, era livre de depositar em um templo de sua eleição onde estivesse seguro, pensasse o que pensasse seu pai que por muito rei que fosse, só era um varão ante a Deusa, sem autoridade em assuntos de sua Religião. Realmente foi a sagaz intervenção e interpretação legal dos reis de Feacia o que conseguiu que a aventura dos argonautas acabasse em um final feliz e triunfante.
Agora, almoçando com eles em seu espléndido palácio ajardinado, Orfeu, rodeado de elegantes pinturas murais de temas marítimos e mapas, recordava aqueles fatos, se inteirava da evolução de seus antigos colegas e lhes agradecia aos monarcas seu inestimável ajuda, lhes desejando muita felicidade e lhes alabando pelo patente esplendor de seu reino.

-Nossa prosperidade deve-se a nossa neutralidade –respondeu Alcínoo-. Somos uma ponte entre um montão de reinos que estão inimizados entre si, por tanto nos precisam como mediadores de seus inevitáveis intercâmbios. Não somente o porto de Corcyra é o melhor lugar de passagem entre Grécia e Itália, senão também entre ambos e os dorios e molosos do Adriático, que estão na rota obrigada para o centro do continente europeu, de onde trazemos ámbar, lana e trigo.
-Não sei quase nada do que passa no Adriático –disse Orfeu-. Eu sou um homem do Egeu E quem são esses dorios de Dalmacia, majestade? O capitão do navio fenicio que me trouxe desde Creta a Corcyra me disse que ia levar aos dorios da costa dálmata a maior parte de suas mercadorias.
-Ao norte da Grécia, a Occidente, há um extenso país coberto de montanhas escarpadas e cortado por grandes torrentes de água que se chama a Iliria; seu litoral, cheio de ilhas e formosas praias, a Dalmacia. Os helenos passaram ali desde Itália -disse o rei dos feacios, assinalando um mapa pintado em uma das paredes da sala-. Conta-se que os aqueus dominaram esse território antes de seguir conquistando o que hoje é a Grécia.
Os dorios são os descendentes dos helenos que ficaram em Dalmacia e Iliria, misturados com os molosos e outro povo piores, mais ao norte, que só são uns selvagens que não têm começado sequer a desenvolver o mental concreto. Estes dorios –observou com preocupação Alcínoo- são mais fortes e numerosos a cada ano, e pode ser que em um dia decidam seguir para o sul, ou que outros bárbaros irracionais os empurrem, e nos darão a todos um grande susto.-
Orfeu ficou olhando um momento o mapa e estranhou-lhe ver repetidos pelo sul e o este da Itália muitos nomes similares aos das regiões e cidades que ele conhecia na Grécia.

-Também não sabia que os aqueus tinham conquistado parte da Itália, meu senhor... A quem...? ...Quem estava na Itália antes que os aqueus? -perguntou.
-...Os sábios cretenses contavam, amigo meu –a História era o tema favorito de Alcínoo-, que os pobladores mais antigos da Europa Ocidental, incluída a península Itálica, que naquele momento não estava separada do que hoje chamamos a Grega, porque a conformação das terras e mares era bem diferente, eram chamados Ligures, seguramente descendentes dos Acadianos da Raça Anterior à Ariana, cuja origem deveu estar nas ilhas de Córcega e Cerdenha e o litoral da Etruria itálica. Mas estes povos foram invadidos pelos Atlantes, netos dos titanes lunares, que vinham do Oceano.

-Titanes lunares?
-Sim, diz-se que Febe e Atlas eram titanes da Lua, porque foi na Lua, que era parte da Terra durante um ciclo anterior, que seus mónadas encarnadas se individualizaron os primeiros e se converteram em gérmenes de espíritos humanos, quando a maior parte do que hoje é a Humanidade ainda se encontravam vivendo uma evolução animal. O mito simboliza essa transição da consciência animal à humana dizendo que os primeiros homens Sulgiram dos dentes da serpente Ofião.

-Agora me lembro, mo contaram em certa escola…-disse Orfeu discretamente- …O mito pelasgo da criação dizia algo bem como que que ao princípio, Eurínome, Deusa de Todas as Coisas, Sulgiu do Caos e se pôs ao ordenar a base de danças sobre as águas primordiais, sobre a matriz placentaria do planeta, para nos entender: seu dança criava ventos; o vento do norte, o Bóreas, transformou-se na serpente Ofião, que fecundó à Deusa. Ela tomou então a forma de uma pomba, anidó entre as ondas e pôs o Ovo Universal, a serpente se enroscó em torno e o incubó, e dele saíram todas as coisas do mundo, tal como as conhecemos. Mas aí estalló a primeira disputa entre os sexos: Ofião dizia que o criador tinha sido ele. Então, Eurínome arrancou-lhe os dentes de um puntapié, dos que saíram os primeiros homens, e desterrou à Serpente Primigenia aos Infernos.

 

-Isso é, também eu fui iniciado em Samotracia, querido irmão –retomou sua narração o rei sorrindo com complicidad e fazendo com a mão o signo secreto- A casca do Ovo Primigenio foi separada da Terra, e é a Lua atual, um planeta morrido que ainda influi sobre o que fica de animal em nós. Depois, a Deusa criou as sete potências do novo planeta, e pôs a cada um baixo o controle de uma titánide e de um titán, aqueles que então eram as consciências humanas mais adiantadas da Lua, os filhos dos dentes da serpente, os Dragões de Sabedoria que começaram a encarnar na Terra . Este Atlas, ou Atlante (encarnado como filho de Poseidón e neto do titán Crono), encabeçou a dinastía de Reis Divinos que durante milhares de anos reinou sobre um archipiélago de sete grandes ilhas que tinha por então no Oceano em lugar dos atuais continentes, Ali se desenvolveu a Quarta Raça, a dos Atlantes, que teve como a nossa, a Aria, sete subrazas, a mais gloriosa foi A Tolteca, que criou um império mundial, mais tarde declinaron e foram sustituídos no poder pelas duas subrazas atlantes dos Semitas Originais, primeiro, e dos Acadianos, depois.


 

 

A frota imperial dos Atlantes Acadianos, no mais esplendoroso de seu poder, lançou-se a conquistar as pequenas nações ou tribos que eles tinham ao Leste, acadianos como eles, mas independentes, que eram as que povoavam a Iberia, a Itália e a grande Ilha Argelina que se destacava do mar que cobria então o Sahara. Também conquistaram as ilhas do Mediterráneo Ocidental onde se tinha originado seu subraza de navegantes e estabeleceram uma base em onde hoje está a ilha de Creta que, naquele tempo, estava em grande parte unida ao continente. Levaram ali a magia dos ferreiros Telquines, grandes construtores de armas e de navios de guerra e, desde aquela plataforma, dominaram a Síria, Canaán e o Delta do Nilo, com o que Egito, cujos reis eram de estirpe atlante, ainda que independentes, teve que começar a negociar seu possível sometimiento, porque não tinha uma frota que lhes opor. Mas então os imperiais começaram a ser hostilizados pelas pequenas embarcações dos únicos povos de navegantes mediterráneos que ainda se lhes resistiam, os descendentes de Prometeo que viviam na Itália e na Grécia, ainda que esses nomes nem existiam por então. Os Atlantes chamavam-nos Ligures ou Lugures porque tinham ao lobo, Lug, como tótem, igual que os caucasianos, já que o lobo aúlla à Lua, que era sua Deusa principal.
Este Prometeo era outro titán, dizem que hermanastro do imperador Atlas, mas estava desterrado de Atlantis por não querer aceitar os cultos egolátricos que ali se tinham adotado oficialmente, quando os Magos Negros varreram ao Colégio de Iniciados que tinha regido o primeiro desenvolvimento da Civilização Oceánica.


Tempo atrás, Prometeo, que considerava que sua própria raça já estava sofrendo uma degeneração irreversible e se sentiu chamado a preparar aos pioneiros de uma Raça Nova, tinha explorado as terras de Anatolia e, encontrando formosa à filha de um chefe caucasiano, Helen, sacerdotisa da Grande Deusa, teve filhos com ela, que foram os antepassados remotos dos depois chamados pelasgos. Prometeo, que tinha verdadeira vocação de maestro, os iniciou no que de melhor tinha a avançada cultura atlante; por isso seus descendentes, que tinham construído, dentro de patrões civilizados, a primeira Atenas, a cidade olívica, estavam mentalmente preparados para se opor aos imperiais, apesar de seu imenso poder e conhecimento.
-Prometeo é veneradísimo em Trácia -assombrou-se Orfeu- ali dizem que, apiadado do salvajismo e a pobreza dos primeiros homens, roubou aos Deuses o Fogo do Céu para que eles pudessem ter uso de razão.

-Olha como se fazem os mitos- respondeu Alcínoo- O “Fogo do Céu” era o avançado conhecimento da Civilização Titánica da Quarta Raça, a Atlante, que Prometeo passou ao povo de sua esposa estrangeira, uma representante da jovem Quinta Raça, a de “os homens” tal como os entendemos agora, e por isso, quando finalmente o apanharam prisioneiro os titanes oceánicos, o encadearam às rochas do Cáucaso, lar original de seus inimigos, os Arianos Pelasgos. Teve uma guerra longa e durísima na que os pelasgos obtiveram suas primeiras vitórias em nome de Zeus.

Rabioso, porque os atlantes eram uma raça extremamente pasional, o imperador atacou-os em um momento em que não podia dispor mais que da metade de sua frota, porque a outra metade estava intimidando a Egito, Os ventos a acorralaron e dividiram contra a recortada costa e os barcos dos pelasgos, muito menores, mas, pelo mesmo mais maniobrables, se lançaram ao abordaje, os venceram e lhes arrebataram seus grandes navios.
Sobre eles, e aliados aos ligures de Iberia que tinham sido deslocados pelos imperiais, os pelasgos tomaram Creta e a converteram em sua principal base de operações,, lançando desde lá uma expedição por Sulpresa à Fenicia, na que afundaram ou capturaram uma boa parte da frota dos atlantes. O imperador atlante sobreviveu, mas teve que sofrer uma longa e angustiosa fuga até que conseguiu retornar a sua capital. Quis formar outra frota e outro exército para vingar-se, mas então rebelaram-se-lhe várias regiões de sua própria ilha, e já nunca mais pôde se ocupar de aventuras exteriores.

Os pelasgo-ligures, enquanto, conseguiram expulsar aos oceánicos de Canaán e depois do litoral do Egito, onde ajudaram a fundar o porto de Faros e a cidade de Sais, na que entronizaron o culto de Atenea, a quem os egípcios chamaram depois Neith ou Nit. Com o mesmo impulso, seguiram empurrando aos atlantes até suas antigas fronteiras. A partir de suas vitórias, seus barcos predominaron tanto no que então era o mar Mediterráneo-Sahara, que passou a se chamar o Mar Ligur.
Muito tempo mais tarde, atreveram-se a sair a comerciar ao mesmo Oceano, a despecho do monopólio Atlante, e até fizeram planos para invadir o império de Poseidonis, que a cada dia estava mais corrompido e envolvido em guerras civis, nas que se hostigaban uns a outros com suas terríveis armas mágicas, algumas das quais jogavam com energias telúricas e climáticas impossíveis de controlar completamente, das que as Escolas de Mistérios não querem dar detalhes, nem a nível das Câmeras Superiores de Iniciados.

Por causa dessas manipulações do equilíbrio tectónico do planeta e de seu clima produziu-se um terrível terremoto. O Mar Negro, que era um lago, se derramou sobre o que hoje é o Egeu e teve maremotos e inundações terríveis que mudaram a configuração do mundo, afundando as ilhas dos Titanes e a todos aqueles antigos países de seus inimigos, junto com quem os habitavam. O Norte da África elevou-se e depois voltou a descer, as águas do Mar do Sahara esvaziaram-se torrencialmente no Mar Ligur pelo desfiladeiro Líbico e o antigo cauce marinho converteu-se até hoje em um grande deserto de areia. Só os navegantes e quem conseguiram refúgio nas mais altas montanhas se salvaram, ficando elas convertidas em ilhas, como ficaram Samotracia, Rodas, a Anatolia Alta, Abisinia e Creta. Creta era uma das poucas onde tinha deixado fundas impressões a cultura dos titanes Telquines: as mais importantes, a ganadería, a metalurgia, a arte de construir navios e navegar e o alfabeto, que os marinhos cretenses introduziram depois no Egito, Fenicia e Pelasgia.

Dos sobreviventes dos pelasgo-ligures que tinham ficado nas montanhas de Iberia e as da ex-Ilha Argelina, telefonema hoje Maciço de Atlas, saiu o curtido tronco dos Íberos, que se estenderam pela costa do Novo Mar Mediterráneo recém formado, ocuparam todas suas ilhas e a peninsula itálica (há até quem diz que de uma de suas tribos saíram também os Gregos Jonios, que fundaram uma segunda Atenas no golfo de Tarento e que mais tarde, navegando para o Egeu, conquistariam o Ática e fundariam a terça).
Após que as águas se estabilizaram e de que a linha de costa que hoje conhecemos ficasse definitivamente conformada, a antiga Liguria, incluída Itália, com Córcega e Cerdenha, o mesmo que a Iliria, a Península Balcánica e as ilhas do mar Egeu, Do Cáucaso voltaram a sair emigrantes e os novos litorais foram ocupados por uma série de povos nómadas e pastoriles de variado origem, procedentes do norte e da Ásia Menor, os atuais Pelasgos –seguiu Alcínoo-. Os caucásicos que se estabeleceram à beira do mar Egeu não sabiam nada de navegação, de maneira que os sobreviventes dos íbero-ligures que tinham tomado Creta aos atlantes, em primeiro lugar, mais alguns egípcios e os acadianos fenicios, começaram a estabelecer fábricas comerciais e colônias e a civilizarlos, pouco a pouco, acabando por se integrar todos na cultura matriarcal da Antiga Deusa Lunar, que agora era a deusa do Mar, Pontia. Até que todo o Mediterráneo Oriental se converteu em um mar cretense.

Por então foi quando apareceram os Aqueus por Itália, procedentes dos Balcanes... Em qualquer caso, não temos outros documentos dessa época e da origem dos aqueus que as lendas de transmissão oral cantadas pelos bardos, que podem estar falando de algo que ocorreu em um lugar que, talvez, tem o mesmo nome na Itália que na Grécia e que não se sabe se se recolheu de um bardo da geração anterior ou se prove de faz cinco gerações... Algumas dessas lendas e canções de bardos dizem que os helenos aqueus chegaram de Iberia.-

 

-De Iberia? -estranhou-se Orfeu- Essa raça tão guerreira veio do País dos Mortos?
-Não falam os aedos exatamente do mítico País dos Mortos, nem sequer de Iberia, que é um nome que só muito recentemente lhe demos a essa exótica península do Extremo Occidente, mas sim de umas ilhas mediterráneas que sobreviveram em frente a sua costa oriental (cujos habitantes eram os antepassados dos íberos), às que os fenicios chamam Baleares e Pitiusas,, onde se construíram grandes monumentos megalíticos e se adorava à Grande Deusa.
               Em qualquer caso há um poema de antigas gestas, repetido por uma sociedade inicial de bardos cretenses, um dos quais, por verdadeiro, era antepassado meu, que conta que várias fraternidades de guerreiros de raça... digamos ibérica, da tribo dos Mirmidones (muito agressiva e expansiva, como costumam o ser a maioria dos povos islenhos), hartos de levar uma vida mediocre de simples pastores de ovelhas no seio da civilização matriarcal que dominava completamente sua archipiélago, onde sua honroso papel de caçadores já não podia se exercer por falta de caça, se lançaram à aventura de buscar novas terras que conquistar em uma frota de muitas pequenas naves, costeando o litoral norte para oriente...
... E acabaram-se unindo nas bocas do Ródano, a orlas do Mediterráneo, com centos de varões que tinham migrado desde os territórios de outra tribo da mesma família ibérica, talvez proveniente de Córcega e Cerdenha, a dos Helenos, buscando caça e pesca naquelas selvas, para os quais construíram mais naves com a abundante madeira do lugar, porque eles também eles desejavam conquistar com a espada novas terras e muitas mulheres das que eles pudessem ser os amos.

Ambos contingentes juntos, mirmidones e helenos, formaram a primeira “Coalizão Aquiya-Wasa”, ou “dos Povos do Mar”, nome que se reduziu a “Coalizão Aquiya, ou Aquea”, a qual arrebatou, primeiro, o domínio de Córcega e Cerdenha aos descendentes dos ligures -seguiu o rei, assinalando pontos no mapa-. E sobretudo em Cerdenha, que é uma ilha muito grande, quase tanto como Sicília, criaram um reino muito forte que esteve durante muito tempo pirateando todo o Mediterráneo.
Os guerreiros aqueus de Cerdenha, que tinham um aspecto como este –o sábio soberano mostrou ao bardo uma estatueta arcaica de bronze na que se via uma figura armada de coraza, escudo, lança e capacete com grandes olhos e duas longas antenas, como de hormiga-, se lançaram desde ali sobre Itália, conquistando a região em frente a Cerdenha; e após eliminar aos varões e misturar com as mulheres capturadas entre as tribos nativas, começaram a sentar as bases de uma sociedade patriarcal. Sem dormir-se nos laureles, cruzaram os Apeninos e seguiram exterminando aos varões pelasgos e repartindo-se suas mulheres no este da península itálica...
Desde o Sudeste seus primos, os jonios, enquanto, vendo-os vir, também, matança por trás de matança, a por seu rico porto –Alcínoo assinalou agora no mapa o centro do golfo de Tarento-, saltaram por mar, bordeando o Peloponeso, até o Ática, a melhor plataforma sobre o centro do Egeu. Enquanto os aqueus saquearam quanto puderam e depois cruzaram ao outro lado do Adriático, ao País dos Tesprotes do Epiro.E também dominaram, seguramente em colaboração com seus primos eolios e dorios, o noroeste deste mar, onde fundaram Helos, na lagoa de mil ilhas do país dos vénetos. Desde aquela magnífica base nórdica invadiram a Iliria e a Dalmacia.

Até aí, amigo Orfeu –disse o rei voltando-se-, o que cantaram os bardos antigos e o que me contaram minhas avós sobre a origem de minha própria linhagem... já que desde o Ática, os jonios tiveram intensas relações de guerra e de amor com Creta e, por fim, um de seus ramos chegou a emparentarse com uma princesa-sacerdotisa da dinastía Minos, recebendo sua filha, da qual desço, o governo de Éfyra.
Quanto aos outros gregos, já postos no arranque norte da Península Balcánica, irromperam no que hoje se chama Epiro, Macedonia e trácia, primeiro os eolios e mais modernamente, os próprios aqueus mirmidones e helenos. E acabaram dominando a toda a Pelasgia Egea, à que chamaram Helas, como tu sabes, lhe transferindo os nomes, costumes e religião de seus antigos territórios itálicos.-


Terminou aí seu erudita explicação o rei Alcínoo, já que sua esposa estava demandando sua atenção fazia um momento. Orfeu estava impressionado: muitas vezes tinha admirado aquele impulso determinado, temerario e expansivo dos orgulhosos aqueus, ao mesmo tempo em que prevenia-se contra seu agresividad, mas nunca tivesse suposto que tivessem vindo, de conquista em conquista, desde um lugar tão longínquo como o outro extremo do Mediterráneo.
Ainda que sabia que aquele distinto soberano não podia nem falar dos segredos que lhes teriam sido revelados em seu iniciação nos Mistérios Kabíricos de Samotracia, de um grau claramente mais alto que aquela sua, a reservada aos jovens príncipes reais trácios, Orfeu recordava uma versão esotérica da História Evolutiva das Quatro Raças que tinham precedido à Aria, o que fazia bem mais comprensible, ainda que não menos misterioso, todo o que fenicios, cretenses e gregos tinham registrado nos fragmentarios e parciais mitos exotéricos de suas culturas.

Como bardo, também não se fiava demasiado da historicidad dos poemas mitológicos e heróicos cantados, repetidos, adaptados, arranjados, exagerados, emparentados e transformados, com maior ou menor fortuna, por seus colegas durante muitas gerações, segundo o que desejasse ouvir o público que lhes dava de comer, formado, geralmente, pelos vencedores que sobreviveram. -“...Mas assim é como se registra a história e como se criam as tradições e o orgulho dos povos”- pensou, se encolhendo de ombros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário