domingo, 11 de setembro de 2011

28- SICÍLIA

SICÍLIA     


Aos poucos dias, preparavam-se já as três naves para cruzar outro estreito bem mais perigoso, o que separa a ponta da Itália da fértil Sicília, em cuja entrada se alça o vulcão Etna, como dividindo o Mediterráneo em duas partes: o Mundo Civilizado e a Terra Incógnita.

-Não deves te fiar de nada do que te quis contar um fenicio -assegurou categórico o comandante quando Orfeu, aproveitando que o bom vento fazia innecesario remar, lhe fez comentários discretos, neutros e conteúdos sobre as viagens de Beleazar pelo Oceano para sondear até que ponto os gregos tinham conhecimento deles-. Esses tirios, sidonios e biblitas estão mais cerca do pirata que do comerciante. Acostumados a ser sempre deshonestos, até chegam a se engolir as próprias mentiras que em um dia inventaram. Eles presumen de ter sido os primeiros em chegar a Tartessós, ou dizem que foram os cretenses, mas na jonia Samos se sabe muito bem que o primeiro que chegou foi Nidácrito, quem, arrojado ali por uma tempestade, vendeu tão bem sua cargamento aos íberos, a mudança de prata, estanho e ouro, que voltou rico a sua ilha e não teve necessidade de navegar, senão por prazer, no resto de sua vida.
-Mas... É certo que existem países no remoto Oceano, para além de Tartessós? -perguntou Orfeu.
-Claro que sim, eu tenho navegado pessoalmente: desde Tartessós até ali. O periplo dura, com bom vento, uns vinte ou vinte e dois dias viajando sem parar. Depois do cabo dos Conios se costea a costa ocidental de Iberia, que os indígenas chamavam Oestrymnis e nós Ophiusa, ou Terra das Serpentes, porque esse é o tótem mais freqüente entre suas tribos. Aí pode-se obter estanho e chumbo dos galaicos, a mudança de cérámicas decoradas, sal e objetos de cobre. Depois dobra-se para o este e se segue a costa norte de Iberia até o interior do Golfo Galático e até o cabo de Afrodita. Depois, navegando ao longo da costa ocidental da Galia, chega-se à Armórica, o país dos Oestrymnios do Norte (que seguramente se chamará assim porque foi colonizado em algum dia pelos do sul), quem são navegantes audazes de raça acadiana-ligur. O seu é o primeiro país onde há mercados costeros nos que passa bem abundante e barato o estanho. Eu estive ali quando era mais jovem. E mais ao norte, parece ser que há outras ilhas estanhíferas. E também a terra do ámbar.

-E esse longínquo norte é um bom país para colonizar?
-Mais ao norte da Galia está bem para comerciar, para obter produtos a pouco preço mas de jeito nenhum para viver ali...! Após ter percorrido uma boa parte do Oceano, tanto para o Norte como para o Sul, a mim me parece que o litoral do Mediterráneo é o único lugar bom para viver do mundo... para o norte é demasiado lluvioso e frio, e para o sul demasiado seco e desértico. Serão sempre países tristes e selvagens, não lhes vejo muito futuro... Os habitarão os ignorantes e os covardes, os que se conformam com o único que conhecem ou os que não se conformam, mas não têm agallas para agarrar uma espada, como fizeram meus antepassados gregos, ou os teus, trácios, ou como estamos querendo fazer nós agora, para ir conquistar um lugar agradável e próspeiro ao sol e sair do frio e da pobreza, ou da angústia e o hacinamiento... Queres saber, Orfeu, se um país é bom para viver nele? É muito fácil: onde se dão suficientemente bem as uvas como pára que se possa fazer um bom vinho, sempre é um bom país para viver o homem. Os demais países só são bons para os ursos ou para os camelos.

E como é Iberia, o país dos mortos?

-É um país muito grande, cálido, arborizado, montanhoso, abundante em bons metais, ouro, prata, chumbo, ferro, cobre e também esparto, lino, lana, peles, mel... Em Tartessós vende-se estanho, que trazem por terra do Noroeste, mas como sai realmente barato é indo diretamente ao buscar ao porto dos Galaicos Ártabros... e há toda classe de povos em Iberia, mas nenhum deles, que eu conheça, tem nada que ver com os mortos... são, mais bem, muito vitais, orgulhosos, hospitalarios, generosos, comunicativos, alegres, mais quanto mais ao sul, que é bem soleado e bem mais civilizado que o resto da península. Em Tartessós vive-se muito bem, é uma verdadeira cidade, com todos os serviços. Ademais há ali umas mulheres formosas e quentes, que dançam melhor que as egípcias e as cretenses, e bons templos de prostitutas sagradas, que saem baratísimas para nós.
-De que maneira conseguistes permissão dos nativos para fundar ali uma fábrica?
-Finque-a para fazer-se rico ali é ir falar discretamente e em privado com algum chefe local, um influente, que controle os excedentes da produção de sua gente, e lhe oferecer o papel de agente intermediário entre nossas mercadorias e suas paisanos…E lhe dar muito a crédito, muito, endeudarlo, hipotecarlo, o atar durante vinte anos a nós, enviciarlo a ele e a sua mulher e a seus filhos, no uso e desfrute de nossos produtos melhores, começando pelo vinho. Pela conta que lhes tem, cuidarão de nossos interesses, que serão os seus, se civilizarán e em pouco tempo desejarão viver como vivemos nós e tremerão ante a sozinha ideia de que sua status peligre, com o que sempre nos serão fiéis. Eles serão o escaparate, invejado por todos, de nossas mercadurías, e convencerão com sua sozinha aparência e modelo a seu povo de que precisam comprar todas as coisas que nós vendemos, para ascender desde a condição das bestas a uma existência digna.

-Mas isso mudará totalmente os valores de suas próprias culturas... -arguyó Orfeu.

-Boh! Fora de Tartessós, não se pode chamar cultura ao que esses bárbaros tão elementares têm. Há que lhes ensinar a viver decentemente e a que pensem e vistam como nós, a que abandonem o bandidismo tribal e se organizem como nações, a que aprendam a trabalhar de uma maneira pontual, eficaz e constante, a que respeitem seus compromissos comerciais... É todo um labor civilizadora ingrata e lenta, desde a pura base, igual que se ensina aos meninos. Ao princípio levávamos coisas luxuosas, como manufacturas em marfil, mas não sabiam as apreciar. No entanto, ficavam deslumbrados, sobretudo as mulheres, ante simples contas brilhantes e coloridas de vidro...
Após
o deslumbramiento, que é a introdução, há que começar lhes oferecendo vinho, depois sal, azeite de oliva e frutas, se dispões delas. E, por suposto, convidándoles a provar as mais simples receitas civilizadas para comer com gosto e para que nos comprem nossos produtos, já que eles só sabem comer e beber como bestas os alimentos selvagens e gratuítos que lhes dá a natureza circundante, e são tão terra-terra que só pagam bem por satisfazer a barriga, o sexo e a vaidade.
... E na mesma venda podes-lhes oferecer cacharros de cozinha e os objetos mais comuns e vulgares que deve ter em toda casa. Mas, como tarde ou cedo seus artesãos os imitarão, é fundamental estar atentos a mudar o desenho na cada temporada e a renovar, pondo de moda cada vez  uma chuchería diferente, sobretudo perifollos femininos, dizendo que são “O que se leva agora mesmo na Grécia ou no Egito”. E todos desejarão o comprar a bom preço, para não ser menos que seu vizinho... O vinho ajuda muito a convencer-lhes. O vinho cretense, que antes foi egípcio, prendeu muito bem em nossas fábricas naquelas terras.-


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