segunda-feira, 12 de setembro de 2011

40 (1)- SOBRE OS MITOS

SOBRE OS MITOS

Capítulo abierto a la creatividad


Jacín encheu as copas de madeira e brindou: -Estimular a fé no próprio valor e amor de nossos oyentes é a esencia e a ética de nosso oficio, Orfeo... e já que tu és um pelasgo de Tracia com cultura grega, gostaria de saber o que pensas de vossos próprios mitos, tão variados e fantasiosos... Eu os ouço quando vou pelos portos ou aos festivais, agradam-me e os canto para outros, a minha maneira e desde minha própria mentalidade, naturalmente, mas não posso acreditar neles. Nem espero que meu público acredite.
-Tampouco os gregos acreditam neles - Bons são eles para crer! -ironizó o tracio-. a não ser que sejam meninos ou pessoas muito simplonas. A gente minimamente aguda percebe que são formas metafóricas para se aproximar a realidades bem difíceis de definir, mas que se sentem se um é sensível. Nossa cultura é uma barquilla sobre um oceano de mistério. Os mitos são uma maneira em que os povos, ao longo de muitas gerações, dão nome às diferentes caras do desconhecido, a fim de poder jogar com isso. As histórias de Afrodita, por exemplo, servem param fazer-nos reflexionar sobre como se comportam nossos desejos e sentimentos... a de Crono descreve como o tempo vai devorando a seus filhos e como ele mesmo é destronado por uma nova era, quando já tem passado sua época...
-E a devoción aos deuses, a quem os mitos dão personalidade? -perguntou Jacín.
-Isso não faz mau –respondeu Orfeo-. Para meu sentir está claro, ainda que não o posso explicar com a razão, que existe uma Inteligência Cósmica que sustenta harmonicamente a complejidade da Vida Universal e, dentro dela, minha insignificante vida pessoal. Então chamo-lhe a essa inteligência vital “A Grande Deusa” ou o “Pai-Mãe Universal”
e agradeço-lhe quando posso comer, ou quando desfruto de um bom vinho e de uma companhia amável e interessante, como agora. E sento-me menos sozinho quando subo ao alto de uma montanha e posso felicitar à Deusa, em meu interior, pela beleza e a grandeza do mundo que essa inteligência criou e sustenta.

-Bem -disse o pirenaico-. Isso é fácil de entender, a consciência humana capta a divinidad indefinible da vida e lhe dá um nome de Deusa ou Deus para comunicar em seu interior com o Todo do que faz parte.
-...Com o qual se sente ligada e comunicada com todo –seguiu Orfeo-. A devoção, com minúscula, é uma atenção amorosa a algo, o estado necessário de abertura para gozar dos benefícios do amor, já seja para o projetar ou para permitir que nos chegue.

Agora bem, a Devoção, com maiúscula, parece-me que é a demanda continua da nossa Alma para que nossa personalidade humana se ligue e se renda a algo superiora ela, to é, á própria Alma, ao Mestre externo ou interno, a Deus, que é a Real Origem da demanda, para poder evoluir além dos tres corpos inferiores, o físico, o emocional e o mental –concreto, ese intelecto curioso que só quer saber por saber, mas que não aplica a se aperfeiçoar as muitas teorías que já conhece sobre auto-aperfeiçoamento.



-Muito bem –respondeu Jacín-. Mas como é que uns chegam a se fazer tão devotos de Hermes ou Atenea ou Apolo ou Hécate, que até podem se esquecer da Divinidad Mãe em si, que é a origem de todas essas forças?
-A mim parece-me que dizer Mãe é uma forma mais entrañable do dizer, ou Pai, já que a Divinidad não tem sexo e tem, ao mesmo tempo, todos os sexos e caras que ela mesma imagina (suponho que através de nós) e que converte em realidades vivas sobre o plano de sua própria manifestação ao as imaginar... Não acho que ninguém um pouco sensível chegue a se esquecer completamente dessa Totalidade Divina à que chamamos A Mãe ou O Pai... Quanto aos aspectos específicos da divinidad, ainda que eu saiba sempre que só são as caras parciais do Conjunto, é fácil de entender que quando estou no meio de uma tempestade sobre um navio, ou ante um seísmo, me dá mais força o rezar ao aspecto da divinidad telefonema Poseidón, rei específico do mar ou dos terremotos, que à Deusa ou a Zeus.
-...O mesmo que invocar às Musas quando vamos cantar? –apontou Jacín.

-Isso é, ou a Hermes no meio de um negócio ou de uma viagem... em realidade estamos dirigindo às potências específicas de nosso interior ou do cosmos para que nos ajudem em um lance específico. E não cabe dúvida que algum de nós, à hora de confiar a suas potências, sabe que pode confiar mais em sua Ares, o impulso, que em seu Hermes, a diplomacia, porque o maneja melhor, dado seu caráter natal... ou o inverso.
-Orfeo, eu não quisesse para nada te ofender –se atreveu a dizer o íbero com circunspeção- mas me dá a impressão de que os deuses gregos estão tão cheios de pulsiones emocionais como os homens, inclusive pulsiones negativas, como a falsidade, a lujuria, a inveja, o cólera, a crueldade, a prepotencia... e que podem ser muito inmisericordes e destructivos.

-Não me ofendes, amigo, é verdade o que dizes –contestou o tracio-. Nossos deuses do Egeo, tal como normalmente os concebemos, não são senão nós mesmos em um plano de maior liberdade, conhecimento e poder, mas ainda em um plano de dualidade e concorrência, que se acentua quando se relacionam deuses e deusas, ou quando se agrupam em bandos contrapostos, se servindo dos mortais, ademais, como peones de seus jogos de ego.
-Eu gosto de ter como modelo e centrar minha confiança em um deus que está acima de todos esses jogos de ego e de dualidade –disse Jacín.
-Já o vi... quando relataste a história de Pyrene a introduzias com a cosmogonía dos atlantes contada por seu avô, a partir de um Ser Eterno que se manifesta neste plano como um deus andrógino do qual saem todos os deuses duais que normalmente se conhecem... –observou Orfeo-... Jacín, isso não é novo para mim, mas no mundo do que venho, esse conhecimento profundo sobre o caráter impessoal da Divindade se reserva para os iniciados que o buscam com o máximo interesse e que tem cabeça para entendé-lo . Dar-lho gratuitamente sem ser pedido a quem são incapazes do compreender, é como xogar pérolas aos porcos. A imensa maioria da gente não pode se relacionar com um Deus origem de tudo, único e perfeito... mas tão elevado, distante e abstracto que, ante ele, somos mal como uma gota de água mais para o peixe que vai pelo mar.

Teu relato esteve muito bem, mas teus ouvintes só te começaram a atender com entendimento e identificação quando começaste a falar dos conflitos de poder e sentimentos entre a Deusa e seus casais sucessivos ou entre pais titánicos e filhos olímpicos. Isso lhes soa conhecido e real, tem imagem e matéria, é comparable ao que encontram em sua casa e em sua comunidade. O anterior deixa-lhes frios.

-Mas o mundo seguirá como está enquanto não nos preocupemos de elevar a mentalidade da maioria... Nós somos comunicadores –disse Jacín com paixão-, temos um dever, um compromisso connosco mesmos ante nossa própria capacidade, devemos dar o melhor da verdade que temos recebido e compreendido.
-Meu pai dizia que o vinho do conhecimento pode ampliar a mente –recordou Orfeo- mas que igualmente pode a encerrar e fanatizarla. Não se pode dar vinho aos meninos. Não é prudente entregar conhecimento a quem não está preparado para o aproveitar como é devido. Ademais, também não deves preocupar-te tanto por teu compromisso ante o mundo, creio eu: quando um está preparado, o conhecimento, simplesmente, aparece. Assim tem sido sempre comigo.
-Perdoa, mas acho que isso é uma maneira aristocrática do ver –se empenhou o íbero-. Vê-se em seguida que tu tens sido finamente educado desde teu nascimento, que és um privilegiado. Sabes o que me custou a mim compreender o que agora canto? O conhecimento deveria estar a disposição de todos. Claro que os reis e sacerdotes sabem que o conhecimento é liberdade e é poder. E reservam-lho para eles e preferem que seus povos sigam sem pensar, porque assim são mais manejables.
-Também há verdade em isso que dizes. Mas, no que a mim se refere, eu só tenho podido aprender o mais importante com dor, esforço de busca e sacrifício, igual que tu. Não mo ensinaram meus pais nem meus professores, senão a vida. Por isso estou seguro de que não serve de nada contar à gente coisas que não têm interesse em buscar, porque nunca as viveram. Isso não é missão nossa. O conhecimento não está oculto, está em todas partes –e percorreu o meio com um gesto circular-. É pessoal e intransferible e à cada indivíduo lho porá a vida em seu caminho e em seu próprio sentir quando chegue o momento.

-Então, segundo tu –suspirou Jacín-, aparte de entretener, divertir e estimular as emoções da gente como fazem os bufões Que é o que fazemos os vates quando contamos um mito ante uma fogueira?
-Pois o que fazemos é mostrar, por médio de metáforas, algo que tem um ensino prático em frente à vida, como os contos que as mães contam a seus meninos, mostrando como em tal situação, usar nosso Hermes em lugar de nosso Ares pode conduzir a este ou aquele desenlace, sobretudo se anda Afrodita pelo médio, por exemplo. Ou, pelo contrário, se é Hades o que anda. Esse ensino, essa lição, é o que conta e o que se grava na memória... essa lição que sai do conto nos educa e nos treina mentalmente para baralhar possibilidades e tomar decisões a cada vez que chega o momento em que há que o fazer... a verosimilitud ou inverosimilitud do mito não me parece tão importante como esse ensino que contém.

-Inclusive quando o mito se refere às histórias tribales ou nacionais?
-Inclusive então- contestou Orfeo –. Afinal de contas, o que chamamos História não é senão um conto mais que se pode contar de muitas maneiras, como bem o sabem esses cuentistas oportunistas que são os políticos... eu sou um artista e não um historiador ou um político e quando alabo aos íberos em casa dos íberos, que me trataram como um amigo, contando uma história na que os íberos podem sonreir orgulhosos e ficar muito contentes, ninguém me pode chamar traidor ou mentiroso porque depois tenha a contar uma história parecida aos aqueos em sua própria casa, na que quem ficam como heróis enfrente dos íberos são eles...

-É claro, os mitos, mitos são –concordou Jacín-. E quem queira convertê-los em dogma de fé ou usá-los para desprezar aos demais, não é culpa do mito nem do bardo, senão de sua própria cerrazón mental.
-Eu sou um construtor de mundos mentais e sensíveis e posso criar e me tomar todas as licenças criativas que me pareçam adequadas para edificar uma história mais brilhante. Agora bem, eugosto, se é de possível, me documentar e compor histórias o mais verosímiles, imparciais e convincentes que possa, ainda que às vezes tenha que falar de dois heróis que viveram em duas épocas diferentes, por exemplo... mas não me importo, se não estão disparatadamente afastadas no tempo.
-Concordo –disse Jacín sorrindo-. Quem queira dados históricos “verazes”, que lhe pergunte aos idosos da tribo... quando eu o faço, a cada um me conta a mesma batalha de uma maneira diferente...

- O que para mim importa, como aedo, ou bardo, ou artista –arrematou o tracio-, é o gosto da história mesma e a reflexão, a mensagem interna que o mito produz nos oyentes. E concedo-lhe maior valor se a reflexão é dignificadora, liberadora ou um estímulo ao crescimento evolutivo. Mas sempre calibrando o nível de interesse e entendimento de quem me escuta e pondo a esse nível, não pretendendo que eles acedam ao meu.

-Eu penso que isso é o positivamente essencial da arte e da vida, -disse Jacín- e o único que, em verdade, nos vamos levar na memória da alma quando saiamos por fim dela.

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