domingo, 11 de setembro de 2011

34- “MASSALIA”, BOCAS DO RÓDANO

“MASSALIA”, BOCAS DO RÓDANO     

Ao chegar ante a costa de Camargo, cerca das bocas do rio Ródano, que se estendiam em um grande leque de canais que discurrían entre selvas tupidas de um intenso verdor escuro cobrindo todo o horizonte, viram como lhes faziam sinais de fumaça desde a costa. Acercaram-se, e uma pequena embarcação saiu a seu encontro desde um dos canhos entre as árvores, com gestos claros de que queriam comerciar. Os da barca eram focenses que fazia pouco que tinham criado um pequeno emporio ali, ao que chamavam “Massalia” e ficaram encantados ao descobrir que a tripulação da galera estava formada, em sua maioria, por compatriotas seus. Convidaram-lhes a que se acercassem a seu lar, que era mal uma cabanha fortificada em um alto, que separava do imenso pantanal a uma aldehuela de pescadores situada sobre uma língua de areia, assomada ao lodo da boca mais oriental do delta múltiplo.
 

-Como deu-vos por vos estabelecer precisamente aqui? -perguntou Arron enquanto baixava a terra, chapinando entre o espesso varro enquanto tratava de apartar de seu rosto uma pesada e persistente nuvem de mosquitos.
-Temos apostado porque no futuro, dada sua situação, este lugar acabará por converter-se em um importante porto de intercâmbio comercial -respondeu um dos anfitriões-. Em algum dia, quando tenhamos atraído suficientes colonos, fundaremos aqui mesmo uma cidade que leve o nome de nossa empresa.
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“Isso é muita pretensão”, pensou Orfeu, ao ver a primária austeridad de seu assentamento e a situação de verdadeira miséria e sujeira na que se encontravam os nativos daquela costa palúdica. Se esta era a terra de caça e pesca onde se concentraram no passado os aqueus helenos, se era verdade o que lhe tinha contado o rei Alcínoo, não lhe estranhava que o tivessem deixado todo para lançar à aventura da descoberta e da conquista do desconhecido, junto com os mirmidones baleáricos,
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Desde o incipiente emporio, no entanto, se viam bandadas de centos de flamencos rosados, que pululaban nas lagoas interiores do delta, acompanhadas por milhares de outras aves mais pequenas que se alimentam sobre o limo: zarapitos, agulhas, correlimos, ostreros, chorlitos e chorlitejos. De vez em quando uma bandada jogava a voar cobrindo o céu tudo.
Compartilhando o vinho cretense com o que lhes obsequiou Arron, a mudança dos rústicos produtos do país, os focenses contaram que cerca de ali tinha uma planície totalmente semeada de grandes pedras que era território tabu para os indígenas. A proibição sagrada de percorrê-la devia-se a que, quando Hércules tinha passado por ela, trazendo consigo os rebanhos roubados em Iberia ao rei Gerião, os ligures lhe atacaram em grande númeiro para lhos arrebatar. Esgotadas suas setas, caíram em cima dele em tropel, como plaga de langosta, lhe tiraram a finca e só pôde se defender a punhetazos. Ele invocou então a ajuda de Zeus E llovieron de repente milhares de pedras que os esmagaram ou dispersaram sem danhar ao coloso nem ao ganhado! Desde então, quando se lhes pergunta por seus medos aos naturais da região respondem que só uma coisa temem: “que o céu se desplome sobre suas cabeças”.
Depois falaram da corrente de montanhas que corre ao norte do grande rio dos Íberos e de como essa costa segue baixando até o Sul, onde se contava que o mesmo Hércules, em sua seguinte viagem a Iberia, tinha alçado umas colunas entre Europa e África, nas duas margens do estreito que se abre ao Oceano e ao outro lado do qual, para o norte, se encontra Tartessós, para avisar de que se entrava em águas perigosas.
-E a onde se chegaria se, em lugar de torcer para Tartessós um seguisse reto para Occidente? -perguntou o bardo.
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-Não chegarias a nenhuma parte -contestou o chefe da fatoría-, só te encontrarias durante dias intermináveis e com tuas provisões se esgotando, ante um mar imenso e deserto, com ondas cada vez  maiores e bravas, agitadas por tempestades pavorosas. Um oceano habitado por monstros gigantescos, que provavelmente acaba se derramando em cascata sobre a lagoa Estigia que rodeia os infernos de Hades. Não há nada para além das colunas de Hércules. O único que se pode fazer é costear para Tartessós pelo norte ou para o deserto mauritano pelo sul.
Orfeu confirmou sua decisão de seguir a pé a rota terrestre que o mesmo Hércules lhe recomendasse por experiência direta, abandonando o navio assim que chegassem à tão mentada Iberia.

Zarparon cedo de ali, após ter-lhes cedido aos focenses um ônus de vinho e azeite (com a qual eles esperavam fascinar aos nativos, e algumas parras e mudas de oliveira, por se conseguiam as fazer crescer em terras algo mais secas que aquele insano humedal), a mudança do compromisso de poder contar com sua base para futuros intercâmbios. Remaram durante o que ficava de dia, pois não soprava o menor vento para as velas. Essa noite, ancoraron em uma ensenada tranqüila e felizmente livre de mosquitos, que penetrava a terra entre dois leves promontórios, para além das zonas pantanosas daquela ampla desembocadura fluvial. 

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