domingo, 11 de setembro de 2011

19- O LABIRINTO CRETENSE

O LABIRINTO CRETENSE

Capítulo aberto à criatividade  plástica

ARGUMENTO INICIAL:

    
Assim conversando, foram baixando até uma pequena praia solitária onde Hércules tinha estado modelando sobre a areia seu próprio labirinto pessoal, o que representava os ciclos já vividos e ainda não vividos de sua vida, seguindo a mesma planta do plano minoico, mas elevando ou descendo em três dimensões os caminhos, segundo a intensidade com que tinha vivido a cada parte da cada ciclo.
-Estás feito um artista, Hércules -felicitou-lhe sinceramente o trácio, que não lhe conhecia sua faceta construtiva. A maioria da gente achava que não se tratava mais que de um forzudo sem seso e a respeito de sua força e de seus inumeráveis filhos versavam suas lendas. Mas Orfeu sabia que Hércules tinha tido uma esmeradísima educação, tanto em Tebas como, sobretudo, no monte Pelião, junto àquele maestro de maestros que o centauro Quirão fosse.
O labirinto tinha-lhe ficado muito atraente, parecia um jardim de areia em diferentes alturas. Media uns vinte e quatro passos de longo por doze de largo.
-Ésto é só um exemplo mais de como um rudo grego pode aprender da antiga sabedoria cretense... -disse ele sorrindo-. Tive que reconstruirlo, porque os rapazs da vecindad mo arrasaram aos três dias de terminar sua estrutura. Isso me obrigou a chamar a seus pais, pôr cara de aqueu invasor e lhes ameaçar com que eu também poderia arrasar algumas de suas coisas se não continham um pouco a seus filhos e lhes ensinavam respeito. Agora ninguém vem por aqui e me deixam em paz.
Orfeu sorriu. Podia imaginar-se o terror dos pobres vizinhos quando viram chegar ao coloso enfadado. Hércules não precisava falar demasiado forte para meter medo a qualquer.
-Vês? -disse a Orfeu- A este tamanho posso vê-lo perfeitamente em sua totalidade e em três dimensões, muito melhor que ter que mo imaginar sobre as ruínas, a partir da planitud do mosaico, como estive fazendo durante o primeiro mês.
Aqui começa o caminho, abaixo do tudo, e depois vai subindo à medida que vou tomando consciência do mundo ao que acabava de chegar, primeira infância; e depois há todos esses altibajos... adolescencia... Esta subida tão grande é a escola do centauro Quirão, na que tu e eu nos conhecemos, e também a Jasão, e a tanta gente de primeira...... E esta outra subida é quando conheci a minha primeira esposa, Megara, e essas outras quando tive a meus pobres filhos... Se tivessem podido viver, seus próprios labirintos pessoais poderiam estar desenvolvendo ao lado do meu, como crescem os robles jovens ao lado do velho...-
Orfeu fez-se cargo, com pena, do sentimento de seu amigo. A vingativa deusa Hera tinha-o enloquecido e sua loucura causou a morte de seus filhos. Para apurar-se, o Oráculo de Delfos deu-lhe o conselho a ele, ao mais forte e livre dos homens, que se pusesse ao serviço do despreciável tiranuelo Euristeo de Tirinto durante doze terríveis anos.
-Esta outra alta subida foi minha oportunidade de participar na gloriosa expedição dos argonautas e essa tremenda baixada quando minha oportunidade se frustró mal chegar à Ásia... Vês desde aqui? -seguiu Hércules dando uma volta ao redor da espira-. Esta sierra são os doze trabalhos que me ordenou realizar Euristeo, para me perder... As baixadas e subidas maiores de minha vida!
-Em verdade é uma sierra, mas das de cortar madeira –observou Orfeu, admirado-. És uma pessoa de totais extremos, Hércules, não há termos médios nem suaves subidas ou baixadas, nem planos nos caminhos de teu labirinto vital, tudo é um puro balanço violento de um pólo ao pólo contrário. Poucos, menos fortes que tu, poderiam resistir uma vida assim por mais de trinta anos.
O coloso suspirou: –Pois para isso é este labirinto da Deusa Mãe Pontia... para que um possa tomar consciência do ritmo ao que vai pelos ciclos de sua vida... Eu nunca tinha percebido antes como se repetem e repetem as mesmas voltas a cada determinado tempo, como se desaprovechan, uma e outra vez, as mesmas oportunidades na cada giro preciso de nosso caminhar... mas agora...

-Agora... que?
-Agora já não vou caminhar mais às cegas pela vida, me deixando levar passivamente pela pura reação à ação, Orfeu, dando bandazos e rebotes sem rumo, como a pelota de um menino pequeno contra as paredes... agora queiro tomar em minhas mãos, dentro do possível, as riendas de meu próprio destino e calcular a jogada seguinte antes de jogar.
-E como a vais calcular? –respondeu o bardo tristemente- O futuro é imprevisible, somos brinquedos em mãos de deuses caprichosos ou irresponsables... olha o que ocorreu com o refinado império da linhagem de Minos de Creta, olha o que a mim me ocorreu com Eurídice... quando mais triunfantes nos sentíamos, quantos mais belos planos de futuro tínhamos, chega um cego cataclismo natural, ou chega uma maldita cobra vingativa e destrói nossos planos e nos converte em um deserto seco...
-Não, meu amigo -disse Hércules-, não é isso o que eu tenho aprendido aqui... observa as sierras desse labirinto, a tal ação, tal reação. E do mesmo grau e intensidade. Os deuses não são tão caprichosos, há umas leis que têm de respeitar, o mesmo que nós: a do balanço, a da compensação e a da regeneracião... Somos os arquitetos de nosso próprio futuro... se queremos recolher frutos no verão, temos de semear antes com esperança, no pudrideiro do outono, passando com serenidad pelos aparentemente estéreis tempos do inverno, nos que se gesta a primavera, que ao final sempre chega...
-E como pensas semear o futuro que desejas cosechar, Hércules? -perguntou Orfeu, nada convencido.
-Antes de poder semeá-lo e depois gestarlo e parirlo, acho que o primeiro é saber exatamente o que um quer conseguir no próximo e talvez último ciclo de sua vida... e isso é o que mais estou meditando nestes últimos dias sobre este labirinto, Orfeu. A maior parte do que constituem os objetivos habituais da humanidade comum , já me escorregam. Sim, sim, escorregam-me, deixam-me indiferente... Acho que o único ao que vale a pena aspirar, colocando no asador para o conseguir, por suposto, toda a própria carne, atenção mental constante, emoções, conexão espiritual e atuações, é... a imortalidade.
-A imortalidade? –assombrou-se o trácio- Conseguir livrar da morte? Ou... estás falando de conseguir fama duradoura?

-Fama duradoura, acho que já consegui bastante já a vi converter nos contos mais abSuldos e chega, não me satisfaz mais viver ou trabalhar para dar brilho a uma personagem ficticio. Morrer nunca me assustou e tenho exposto minha vida à morte em tantas ocasiões que minha relação com ela já se converteu em um jogo!... jogo que em algum dia ela ganhará, naturalmente –sorriu o forzudo-. O que significa Imortalidade para mim é atingir nesta vida, ou ao traspassar a porta da morte... isso que poderia se chamar o estado divino.
-Quero dizer -continuou explicando-se, ao ver como o assombro de Orfeu aumentava-, me libertar, de uma vez por todas, das limitações às que está sujeita a ligação de nossa consciência a este corpo, seus compulsiones e suas necessidades, a estas emoções tão reaccionarias e a esta mente tão quadrada, em fim a todos estes corpos materiais que temos , tão efêmeros, tão vulgares, tão superficiais e tão encadeados à vida a ras de terra e à eterna repetição dos mesmos mesquinhos desejos e comportamentos egocéntricos.


-Picas muito alto, amigo Hércules –respondeu o bardo com admiração-... Eu não aspiro a tanto, me conformaria com a imortalidade física, e não para mim, senão para Eurídice, e nem sequer por demasiado tempo: o justo para que pudéssemos acabar de viver juntos o que nos ficasse de juventude com vigor... E depois, postos a pedir, pediria que morrêssemos, também, juntos.
-Não sê quem pica mais alto em suas aspirações, Orfeu, se tu ou eu. Desejo que consigas o que queres e acho que se existe alguma chave que abra todas as portas do Universo, essa deve ser a chave do amor... ainda que pressinto que amor deve ter dimensões mais sublimes que a da colega, os amigos, os filhos, inclusive que a da própria pátria ou raça. Eu tenho vivido minha vida a plena intensidade, camarada, não lhe temo a nenhum deus, confio em que sempre terá outros deuses, menos temíveis e mais amorosos, que me ajudarão e acho que o homem, qualquer homem, leva também dentro a semente de um deus.
-Isso é o que contavam em Samotracia, Monte Pelião, Eleusis e Sais, irmão Hércules. Iniciaciones não faltaram…. mas uma coisa é a teoria inicial e outra viver a teoria sobre este mundo tão pouco divino –disse amargamente o bardo.

-É que me está parecendo -seguiu Hércules- que o único sentido desta vida nossa neste mundo tão pouco divino, como tu o chamas, é só proporcionar a nosso anseio de divinidad estímulos e oportunidades para que se desenvolva, camarada... E todo guerreiro sabe que lhe chegarão maiores oportunidades quanto mais altas e aparentemente impossíveis sejam suas aspirações suas dificuldades, porque converter em um deus significa deixar de amilanarse ante o aparentemente impossível, ou ante o que parece demasiado alto... “A maior campeão, maior desafio”, dizia-nos Quirão, lembras-te?,,, Pois claro que essas pretensões significam, também, ter que enfrentar maiores provas, maiores trabalhos...

Eu tenho feito, em verdade, quase todo o que tenho querido, aceitei e cumpri os reptos e missões mais arduas e escabrosas... e também tenho pago muito caro por isso -continuou melancolicamente o coloso-. Este mundo está bem sujeito à lei da compensação. Não, não me sentiria muito triste nem jogaria nada de menos se tivesse que morrer agora mesmo, porque já tenho vivido muito do que este plano pode oferecer a um homem. O que me molestaria é que todo o que tenho vivido não servisse para ajudar a construir um mundo melhor nem para me ajudar a aceder a outro plano superior da existência.
…Mas jamais duvido de que se o pai Zeus, a quem consideiro meu Eu Superior, é algo, esse algo é a Justiça Divina, e o resto dos deuses são mal os primeiros ramalazos das ondas de suas linhas de pensamento, nas que essa justiça, feita de amor, firmeza e equilíbrio, se manifesta através de todos os fios do tapiz mental do Ser no cosmos. Acho que tu e eu, e toda a gente e o mundo que conhecemos, somos mal pontos de um desses fios que se agitam ao se agitar o tapiz tudo com a pulsação da mais ligeira expressão da vida maior.

...E ante a magnitude dessa Alta Justiça Impersonal –terminou Hércules-, acho que o ato mais inteligente e valoroso que pode realizar um guerreiro é se render a Ela, aceitar que todo quanto ocorre em sua vida é o resultado e a colheita de quanto sua concentrada atenção semeou anteriormente para si mesmo. Por tanto, renunciar a seguir semeando para um mesmo e a qualquer plano e projeto pessoal e entregar ao Plano Divino, lhe rogando a seu Ideador que nos permita entender como devemos lhe servir.


Nenhum comentário:

Postar um comentário