domingo, 11 de setembro de 2011

27- COLONOS GREGOS EM IBÉRIA

COLONOS GREGOS EM IBÉRIA     


-Conta, conta agora, faz favor, -pediu Orfeu ao Comandante  Arron- queiro saber todo o possível sobre esse tenebroso País dos Mortos, a onde me dirijo.

-De tenebroso nada, homem, Ibéria é uma terra bem luminosa, sobretudo o levante e o sul, onde está Tartesós, seu mais importante reino... No passado, a dinastía Minos tinha ajudado aos carios, nossos posteriores vizinhos em Lidia, a quem respeitavam muito, a estabelecer em uma ilha situada na dupla desembocadura do rio Betis, onde estava o porto mais rico em intercâmbios do Sul de Iberia. De modo que, na época de meu pai, os tirsenos também no-las arranjamos para conseguir, por intermedio deles, que os reis ibéricos nos cedessem terrenos para construir um depósito seguro para nossas mercadorias. Nossa primeira fábrica, um simples almacén fortificado, chamava-se Mainake e estava bem longe de melhore-los mercados, mas para a segunda conseguimos que nos cedessem terrenos justo enfrente de sua capital, situada na ilha interior da desembocadura do rio Tinto ou Híbero, Erytia (à que os gregos chamávamos Erytheia). Nosso novo emporio chamava-se Tursha e encontrava-se em uma longa língua de areia exterior, cerca da ilha do León, Gádir, onde os fenicios também tinham construído sua própria fábrica.

Do modesto emporio Tursha, quando se agrandó, saiu o novo nome de Tarssit. E depois, já que poucos navegantes eram capazes de pronunciar a denominação indígena, se estendeu a Tartessós para toda a cidade, que se foi popularizando à medida que fomos assentando ali a mais e mais jonios-eolios-tirsenos procedentes da desgraçada Lidia.


-Desgraçada por que? -perguntou Orfeu.

-...Porque se os emigrantes-invasores que chegaram a Ásia e Egito quando meu pai era jovem, só eram uns deslocados que mal buscavam um lugar no mundo, os atuais saqueadores da Ásia Menor são puros piratas, comandados na sombra pelos voraces aqueus, a quem ainda não lhes interessa aparecer diretamente como invasores ante os troyanos. Já te deu o rei Laertes notícia das devastaciones causadas em Frigia pelo micénico Atreo. Não é assim? Pois fui eu quem lhe informou, através do rei Alcínoo. Tenho visto as cidades mais cultas e refinadas do litoral de Anatolia expoliadas e incendiadas por esses brutos e aos prisioneiros sobreviventes, gente que valia bem mais que eles, convertidos em escravos... ou em cidadãos de segunda categoria, se seus conhecimentos eram imprescindibles.

...E acabarão tratando de apoderar-se também da rica Troia, já o verás , como tentou Hércules na destructiva razzia que fez…ainda que teve que se ir quando os troyanos do interior reagiram e contraatacaron em bom número. E temo-me que por trás dos aqueus, quando já se tenham acomodado à civilização, chegarão em algum dia ao Egeu seus parentes de Iliria, os dorios, bastante mais bárbaros que eles, ou surgirá em Mesopotamia um novo império conquistador que tente dominar a Ásia Menor... Quem antecipa o futuro, como Tmolo foi capaz de fazer, já está vendo que grande, muito grande, vai ser a próxima desbandada de refugiados nessa antiga e sofrida Anatolia , mãe ou anfitriã amorosa de tantos povos, igual que a Grande Deusa que cultúa, e será cedo. De modo que muitas dessas pessoas confiam no bom sucesso de nossa missão.


-E posso saber que missão é essa, comandante? -perguntou o bardo.

-Eu represento a um grupo de cultas famílias de toda a Jonia Lidia que me encarregaram explorar a costa de Occidente, com o objetivo de buscar alguns lugares adequados onde poder viver em paz e prosperidade, sem ter que agüentar a superpoblação e as sucessivas invasões de bárbaros que se estão preparando para cair sobre o centro do mundo civilizado. Nossa missão é encontrá-las ao longo do litoral de Iberia, criar algumas pequenas fábricas de intercâmbio com os nativos e mandar-lhes depois aviso para que possam se estabelecer nelas.
-Não gostam De Itália? Ou a tal Tartessós?

-Claro que gostam, mas Tartessós já está suficientemente colonizada. Sobram tirsenos ali... E ainda há tanta gente em Lidia que deseja sair daquele pressiono, que os da Etruria itálica, antes de sobrecargarse de refugiados e conseguir, com isso, que seus vizinhos nativos, os perigosos Latinos, se sentam invadidos por estrangeiros e reajam na contramão, prefeririam ir crescendo com discrecião e os mandar a levar o fogo sagrado do templo de Atenea a terras vírgenes, com o que se converterão nos heróis de seus futuros povos... Iberia será o lugar ideal para isso durante os próximos cem anos. Só vivem ali, a exceção dos tartesios, tribos muito atrasadas que estão em perpétua guerra entre si. Precisam a alguém que lhes faça o favor de pacificarlos e civilizarlos.

 

-Conheço essas palavras -disse Orfeu-, são as que têm justificado todas as invasões, desde o princípio da história.


-Boh, nós não pretendemos invadir a ninguém, só negociar a fundação de algumas fábricas protegidas nas que comerciar com os nativos e nas que possamos ir estabelecendo aos pobres lidios... O problema é que os fenicios também andam por trás do mesmo, já que sua terra é lugar de passagem e campo de batalha inevitável para todos os invasores e querem fundar uma Nova Canaán no Mediterráneo Ocidental... De modo que o futuro será deles ou nosso.

Após que Arron expusesse seus planos, Orfeu, vendo que se encontrava ante um homem de honra, sério e determinado, ainda que demasiado convencido da superioridad cultural de sua pátria, lhe confiou os seus e lhe rogou que lhe levasse como ritmador das cantinelas dos remeros de seu barco.
Ainda que pareceu-lhe que só perseguia uma quimera, o comandante jonio ficou bem impressionado por aquele fino e culto trácio com tão boas referências e recomendações, evidentemente um nobre, que tão só se diferenciaba do mais civilizado dos gregos naquele pequeno tatuaje de três círculos concéntricos no meio de seu frente, o qual delatava, sobre seus claros olhos nórdicos, seu pertence a um país ainda semibárbaro.

De modo que aceitou-o e deu-lhe as boas-vindas a sua nave de cinquenta remos, com mascarón de proa em forma de cavalo alado, que se chamava “Tursha”, como era de esperar. Ao amanhecer do dia seguinte, a flotilla zarpó de Corcyra e atravessou o estreito de Otranto, costeando depois o calcanhar da bota itálica até o espléndido porto natural de Tarento, onde carregaram teias de luxo tenhidas com uma boa imitação daquelas tinturas púrpura que deram seu nome aos fenicios, já que fenicio significa, precisamente, "vermelho" ou "púrpura".


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