terça-feira, 13 de setembro de 2011

62 (8)- PAIXÃO E MAGIA

PAIXÃO E MAGIA


Anónimo Anónimo

Aglaonice esejava poder contar tudo a Metis, mas tanto ela como Hebe achavam-se profundamente adormecidas em suas camas. Um grosso ronquido vinha, de vez em vez, da estância contígua, onde encontravam-se três efebos deitados, compartilhando um único camastro grande de palha. 




Despiu-se, deitando na cama que tinham-lhe reservado, mas foi impossível dormir. A luz da lua filtrada, a excitação, os ronquidos. Deu mil voltas, lembrou muitas vezes quanto acontecido aquela noite, chorou, riu, imaginou outras possibilidades, tentou acalmar sua excitação se acariciando, como se fosse Orfeo quem a acariciasse, mas só conseguiu mais se excitar.



Pulou da cama, quis beber mas, no último momento, deixou o jarro. Finalmente, abriu sua mochila e tirou dele o contendor da Divina Ambrosía, que tinha sido devidamente preparada, filtrada e consagrada por ela mesma durante a última bacanal.




Traçou mentalmente a seu  redor um círculo ritual de proteção, encomendou-se a Dionísio e tomou uma dose suficiênte como para poder fazer seu trabalho mágico.

Sentada na cabeceira da cama, mantendo-se em contato com seus inseparaveis amuletos e talismâs, esperou à força subir, enquanto desenhava uma cena animada na sua imaginação. 




Visualizou-se erguida enfrente da sua árvore de poder, e à árvore convertida em Orfeu. Ampliou até ele seu círculo para englobá-lo. Orfeu olhava-a agora, como acordando de um mau sonho, nu e atado à árvore com mil nós.
Ele olhava-a como se fosse a primeira vez e reconhecia nela todas as qualidades e formas que amava em sua esposa morta. Ela não sabia como eram, mas a Lua sim, a Lua todo o sabe. Os raios da Deusa desciam sobre ela e a enfeitavam com a aparência de Eurídice. Banhada em resplendores lunares, imaginou-se a Orfeu vendo a Eurídice nela. 


Consciente do seu poder, abraçou-se mentalmente à sua árvore, como tantas outras vezes, fundindo-se com ela.
Viu-se a si mesma envolvida em uma ligeira túnica, transfigurada entre veus de prata, cruzando, ligeira como um vagalume, o caminho ascendente que separava a casa de hóspedes da caverna de Orfeu, chegando à porta, a transpondo, rebasando com cuidado o cuartinho que havia junto à cozinha, para não acordar ao pobre mudo.


 imaginou-se se aproximandolentamente ao fundo da grota, onde estava o leito do músico. visualizou-lho durmindo, talvez sonhando com sua esposa morta, nu baixo o lençol. 





Observou-se chegando ante o leito, despojando-se da túnica em pé, devagar, baixo os raios lunares que filtravam-se do alto do muro. Justo então Orfeu acordava, olhava-a e dizia “Eurídice!”... O que seguia depois era demassiado formoso para ser contado. 


Seguiu sonhando desperta enquanto o trance ia-elevando-a aos poucos, libertando-a do encorrentamento às habituais percepções humanas.

Chegou por fim a náusea e a baixada angustiosa aos níveis instintivos animais e vegetales, aos inconscientes mundos minerais, ao plano da pura energia viva despregando-se ou replegándose de maneira automática, em ritmos alucinantes sobre um espaço sem limites, a velocidades que causavam vertigem.
Mas ela era uma psiconauta avançada. Inspirou profundamente, pronunciou a Palavra e visualizou sobre o caos de geometrías inconexas o Emblema que a ligava com o mais poderoso de si mesma. Imediatamente, a vibración descendente fez-se ascendente, ao mesmo tempo em que as geometrías começavam a organizar-se em espirales ao redor do centro sólido fixado no vazio.

Quando começou a poder controlar seu ritmo interno, seguiu repetindo as mesmas cenas preparadas muitas vezes, lhes dando forma nítida no astral, reforçando mais e mais o encantamento. Fazendo de sua vontade um princípio de manifestação, gestando a realização passo a passo.





Por fim sentiu que seu desejo já era plenamente um com o desejo da Deusa, como quando, a um só gesto seu, o coro de ménades sujeitas a ela pelo cordão umbilical de prata, arrancava a dançar nas asas do delírio ou ficavabam quietas, inertes e concentradas como estatuas, até que seu grito punha-as a dançar de novo “Não por mim, Senhora, não por mim nem para mim, mas para que seja feita tua obra e tua glória.” Então levantou da cama,  vestiu a túnica e saiu à trilha, segura do seu poder, baixo a mirada branca da lua imperatriz.





Quando chegou, silenciosa, atenta e ilusionada, ante o camastro de Orfeo, se deu conta, de repente, de que não dormia só. Baixo o lençol, seu peito e seu ventre estavam colados às costas de outro corpo que seus braços mantinham abraçado. Ficou de pedra ao ver-lhe a cara. Era um efebo. O garotinho mudo. 


Saiu da gruta de puntilhas, como um fantasma. Caminhou sem inteirar-se por onde caminhava até que encontrou o caminho que baixava à casa de hóspedes. Então xogou-se a correr cegamente montanha abaixo; seu túnica, médio desprendida, ondeaba depois dela baixo o claro de lua como umas asas. Correu e correu enloquecida, sem olhar onde calcava, até que tropeçou, deu várias voltas rodando, se feriu, foi parar a um matojo de espinos, quase nua, ensanguentada. 





Só então abriu a boca e soltou um longo, longo, doído e penoso lamento.

Aos lobos do Rhodope quase pareceu-lhes um aullido mais de uma loba em cío

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