segunda-feira, 12 de setembro de 2011

42- INTENSIDADE ELEVADA

INTENSIDADE ELEVADA

Antónimo Anónimo

Capítulo abierto a la creatividad



-Já vejo por onde tu vas -disse Jacín-. Penso que si queremos elevar a intensidade de nuestra existencia por acima dos níveis comúns, podemos recorrer ao sexo, ou o atletismo, ou os negócios, ou a política... ou mesmo a guerra, para conseguir intensidade plena.
-Isso é, mas há níveis maiores, tu já o verás. Por ser filho de quem era, desde muito jovem conheci a elevação da chama da atenção que produz o sexo pelo sexo e o poder de vida ou morte sobre as pessoas… que é uma intensidade que não se diferença muito do puramente animal de caçar a outro ser mais fracol ou menos hábil ou atento, ou mais ingênuo que tu, e comé-lo. As facilidades que me dava minha privilegiada posição social para aqueles jogos fizeram que, com o tempo, eles se tornassem tão rotineiros, elementares e pouco intensos como o de conseguir alimento a cada dia.

Assim que eu tive que buscar outras motivações para minha atenção. Meu pai aconselhou-me o gimnásio e a caça, mas nunca pude passar de um desenvolvimento físico medíocre e o mesmo como caçador. Meu falção e meus monteiros faziam a maior parte do trabalho e, mesmo assim, com os mesmos recursos, a maioria dos que me rodeavam eram sempre em aquilo melhores que eu …E eu não me conformava com marcas medíocres. Sempre queria chegar ao máximo; não pelos louvores dos demais, porque bajulação era o que sobrava a meu ao redor, senão por meu próprio sentimento de estar atingindo minha melhor altura.

Eu tinha um primo, filho de una Sacerdotisa- Musa de Apolo, Urania, muito versada en Astrología, que desde criança já era um músico genial, único com o ritmo e a melodia. Minha mãe , sua madrinha, adorava-o como a um filho,  de maneira que o tomou baixo sua proteção e ensinou-lhe quanto sabia. Chamava-se meu primo Lino e mal sendo um garotinho já compunha hinos a Dionísio e aos antigos heróis e até fez toda uma Epopéia da Criação.

Ele foi meu ídolo e meu mestre de música desde que ambos éramos crianças. Ainda que só me dava aulas uma vez por semana, já que estaba claro que eu não estaba destinado a ser músico, senão a suceder a meu pai nas tarefas do governo.  

Mas por desgraça, Lino foi também chamado para professor de Hércules, quem, não pudendo sofrer ser corrigido, fez um movimento brusco com a lira que desequilibrou a seu mestre do seu asento, caindo para atrás e quebrando-se o cránio contra a parede. Evidentemente não houve má intenção por parte do colosso, ele era ainda um adolescente, só foi um acidente, mas isso causou-lhe tantos remorsos que lhe fez deixar a música para sempre.


     Minha mãe, desconsolada pela morte do seu melhor discípulo, virou em mim toda a afetividade  e ensinamentos que antes dedicava a ele, além dos que me correspondiam, e passava muitíssimo tempo comigo, libertando seus sentimentos por médio do canto e da música, e aquilo que ela cantava e tocava era tão autêntico e tão sentido, que sua vibração prendeu em minha própria alma como em terra fértil.

       Assim eu descobri que não era na política, mas na Arte onde me encontrava ante possibilidades sem fim de ascensão na intensidade. E eran possibilidades  para as que eu estava bem dotado!



Tu sabes como é, Jacín, cada vez que a gente se põe a compor uma obra, nossa atenção concentrada atinge altas luminosidades, e isso já é fantástico. Mas quando passamos a dar expresividad ao composto, o brilho sobe e sobe e quando, por fim, podes executar ante um público, se tu consegues chegar ao coração, tua chama pessoal converte-se  em uma grande fogueira que tem uma enorme vantagem sobre a que te dá a caça da comida, o sexo pelo sexo e o poder sobre os demais, que é a seguinte: não só tu te encheste de luz... senão que não lhe tiras a ninguém a sua.-

-É algo maravilhoso –concordou o músico pirenaico-, se a coisa estiver bem, todo mundo sai acendido em sua emoção ou seu entendimento. Ver essa luz que se desprende deles eleva a minha luz ao infinito.
-A arte, se é arte para valer –disse Orfeo-, descobre-te o mundo do sublime dentro de tí, por causa do estímulo que exerce sobre a sensibilidade, que sempre está exigindo algo mais perfeito, mais grandioso, mais sábio e mais sutil. Isso te faz ensaiar, ensaiar e estudar, fazer-te perguntas e fazer-lhas a outros, procurar e pesquisar. Em meu caso, busquei mestres: primeiro de música, após de vida.

E tive a sorte, também por minha posição social, de ser admitido nas melhores escolas de conhecimento. A mais intensa, a primeira, no monte Pelión de Tesalia, na Hermandad dos Filhos de Crono, dirigida pelo homem-centauro Quirón, todo um maestro da Arte da Vida que criava obras imortais, não as pintando sobre um lienzo, ou com sons, nem modelándolas sobre mármol, senão puliendo a pedra bruta do ânimo dos jovens a quem instruía, para os converter em homens realizados e em modelos dignos de ser imitados pelas gerações seguintes.

Do mesmo modo que na música descobri uma motivação para o desenvolvimento da intensidade que só dependia de mim mesmo e de meu esforço e não de ser filho de meus pais, assim foi também na Escola de Quirón, que tinha educado ao mais selecto da juventude pelasga e depois grega, já que o centauro viveu uma larguísima vida, séculos, diziam (a não ser que os maestros anteriores de seu fraternidad se chamassem igual que ele)... Ali eu era um mais, entre príncipes de países bem mais cultos, fortes e importantes que meu país e campeões que me superavam em quase tudo.-

-E que vos ensinava Quirón? -perguntou Jacín.
-Ensinava-nos Caça, Hípica, Luta, Medicina, Cirurgia, Ervas, Astrología, Música... mas isso era o de afora, a roupagem. Por dentro, todo seu ensinamentom realmente, ia encaminhado a nos converter em heróis.

-Heróis? Mas isso não é para qualquer um, Orfeu, isso é coisa do destino.
-Coisa do destino pode ser, apenas,  que um herói chegue a ser um herói famoso, Jacín. Porém, Quirón não preocupava-se pela fama nem pelas coisas que só são produzidas pelo destino ou pela sorte, Quirón ocupava-se do heroísmo em si, da vontade e a dignidade de sé-lo e dos assuntos que têm a ver com o esforço pessoal...
-Com o esforço pessoal?
-Isso é. Ele dizia, exatamente, que a sorte de um homem, mais sua disposição para enfrentar com sucesso seu destino, só dependem de seu atenta auto-observação pessoal para se conhecer a si mesmo, de seu esforço pessoal para controlar e desenvolver ao máximo aquilo que já conhece de si mesmo e de sua fé em seu próprio poder e no poder da vida em si.

-Se ser um herói não depende de ser filho de uma divinidade e um mortal, nem de chegar a ter fama por causa de grandes façanhas realizadas –perguntou Jacín-... O que é um herói?
-Eu vivia me perguntando isso mesmo –respondeu Orfeo- O que poderia eu aspirar a conseguir em uma escola onde qualquer um era mais destro, mais forte, mais resistente, mais osado, mais aposto e mais corajoso que eu? Mas o que dizia meu maestro era o seguinte: “Um herói é qualquer pessoa que propõe-se conhecer e atingir o mais elevado de si mesmo e que se concentra com toda intensidade na tarefa do tentá-lo”.
E quando Quirão descobriu cuaiss eram meus pessoais talentos, me disse que podia faltar às lições de caça, de hípica e de luta, se nesse tempo eu enssaiava música como se tivesse de ganhar uma batalha, utilizando ela como arma. E ao ver que eu realmente tentava-o, iniciou-me em aspectos do seu conhecimento, além dos puramente musicais, nos que ele não iniciava a aqueles que iam para guerreiros ou para reis...

        …Quando saí de ali ainda estive em Samotracia, em Eleusis e no Egito, em outras Altas Escolas, mas só para confirmar que o que Quirão tinha-me ensinado podia expresar-se também de outras maneiras, com outros estilos e em outras línguas.


     O que ensinou-me  Quirão, por exemplo, me deu a confiança necessária em mim mesmo para ir em procura daquilo que nesse momento mais me interessava: eu estava louco por uma jovem que pertencia à Irmandad das Dríades. Um Colégio de Sacerdotisas que preparava futuras Ninfas para que tivessem filhos para a Grande Deusa, a fim de formar quadros jerárquicos de total confiança para a casta dominante matriarcal.

-Aconteceu –seguiu contando Orfeo- uma manhã na que eu acompanhava aos meus pais, junto com um grande séquito, em uma cerimônia oficial da antiga religião no Templo das Ninfas, encravado em um Bosque Sagrado. Estávamos ali porque tinha-mos que estar, por política, sem nenhuma vontade. Nem às Sacerdotisas do Templo gostavam da minha família, nem a minha família gostava muito delas. Era um ato oficial de tantos que tínhamos a obrigação de presidir.
       Então eu vi-a, bela, radiante, portando uma grinalda de flores para minha mãe, entre outras jovens Dríades. E isso foi tudo; não lhe disse nada, ela não pareceu reparar demassiado em mim, mas fiquei olhando-a durante toda a cerimônia.  

        Fui embora dali e eu seguia recordando seu rosto que tinha ficado gravado na minha mente... e assim durante dias. Ao final colei-me no Bosque Sagrado, onde era proibida a entrada sem permissão aos varões, fossem da classe que fossem, sob duríssimas penas. Espiei-na muitas vezes, escondido entre as árvores.
             Apaixonei-me perdidamente e a retratei em mil canções cheias de sospiros. Eu, que era um cínico fastiado de sexo vazio, eu que falava do amor como se fosse um simples instinto da parte mais animal do homem ao que há de se satisfazer de vez em quando, igual que quando xoga-se comida aos cães, entendia agora que o mais importante do amor não é recebé-lo, senão projetá-lo e que ele possa se projetar a tudo. Aprendi que essa projeção, se for consciente, intensifica ao máximo a chama da nossa vida... Passaram meses em que eu só pensava nela, sem ela saber nada de mim.

          Porque aquilo era como se apaixonar de um impossível, por muito alta que fosse a minha linhagem. As Dríades convertiam-se em Ninfas assim que chegava a Festa da Sementeira, à qual assistiam os melhores campeões da cada clã da Trácia, sempre que eles pertencessem ao clã que correspondia à cada tipo de fertilização, para evitar a cossanguinidade: elas elegiam livremente um, jaziam com ele e, de resultar uma menina, essa menina era educada para Dríade; se era um menino, sacrificavam-no à Deusa.
Assim que uma Dríade deixava de ser virgem, chegava á categoría de Ninfa e cada primavera havia uma Festa da Fertilidade na que, de novo, podía escolher um campeão que semeasse meninos para a Deusa nelas. Ao cabo de um número de partos e de sacrifícios de meninos varões, quando conseguíam chegar a  ter um máximo de três filhas, as Ninfas consagravan-se enteiramente á Divindade fazendo varios votos, entre eles o de celibato e castidade integral, e era assim que podiam ascender à Sacerdotisas. As Altas Sacerdotisas dos varios clâes formavam o Conselho de Anciãs da Trácia, a Suma Sacerdotisa que elas elegiam era a legítima Mãe e Rainha do país.

Durante muitos milênios, para as castas de Altas Sacerdotisas que tinham acaparado o poder político das tribos trácias e as de toda a Pelasgia, os homens eram mal um luxo biológico que se podiam permitir para seu prazer (como os zangões em uma colméia) os verdadeiros seres humanos completos, que eram as mulheres, imprescindíveis para dar nascimento, criança, manutenção e continuidade à espécie.
...Sobretudo após as terríveis carestías, produzidas ao esgotar-se a caça, o que deixava em desemprego forçado à tradicional utilidade masculina, e da salvadora descoberta e extensão da agricultura por parte das recoleitoras, além do especial talento feminino para a relação e organização comunitária... a mais de outros fatores práticos de sobrevivência, civilização, e inclusive sabedoria que desenvolveram, através da ingestião secreta de plantas de poder, descobertas por elas e vedadas por preceito iniciático aos varões.

As mulheres tinham inventado a religião e as leis, e com elas mantinham controlados e submetidos aos machos por méio dos sacrifícios humanos, da administração a seu livre alvedrío do sexo, da comida e... dos venenos. E, sobretudo, da educação dos meninos no temor da Deusa e no terror à Magia das matriarcas.

            Cada ano, a Suma Sacerdotisa, cargo no obrigado a ser célibe,  elegia um Chefe de Guerra como Rei Consorte ao qual manejava a seu capricho enquanto não surgisse a oportunidade do substituí-lo por outro mais conveniente para a nação. Até faz umas poucas gerações, ele era sacrificado ritualmente ao terminar no ano, no mês número treze, o fatídico, ou desafiado a morte por outro aspirante ao seu cargo.

      Após a chegada dos primeiros gregos a Pelasgia (que tiraram aos homens de sua condição de “sexo inferior ou prescindível”), foram-se fazendo componendas à lei: mudou-se o ano lunar de mandato pelo Grande Ano, de cem lunações, e mais tarde pelo Ano Maior, de trezentas vinte e cinco lunações, ou seja, dezenove anos, que se equiparabam com o ano solar, e no dia do sacrifício substituia-se  ao rei por um menino.


Meu pai já era o quarto rei que tinha conseguido manter sua coroa na contramão da tradição. A base de um férreo controle do interior e de uma boa relação com vizinhos tão poderosos como os aqueus, que propuseram-se acabar com a velha ordem de uma em seus territórios conquistados e que estavam dispostos a invadir os matriarcados circundantes.
Por isso, ele foi o primeiro rei que se atreveu a mudar o sacrifício periódico de um menino pelo de um touro no seu lugar. Mas o verdadeiramente revolucionário foi ele  se decidir a tomar como nova esposa (quando morreu a velha rainha de quem era consorte), não a uma Suma Sacerdotisa da Deusa, senão de Apolo, que era um deus olímpico, grego, patriarcal, oposto ao matriarcado.

O Conselho de Anciâs comoveu-se: isso significava perder a direção do país, pois desde sempre, a rainha tinha saído dentre elas. Pleitearam em vão ante as mais altas instituições nacionais de justiça, porque meu avô Cárope, sabiamente, ao conceder liberdade religiosa para acolher a Dionisio, já tinha conseguido equiparar de forma legal o Colégio das Musas de Apolo com o Colégio das Ninfas da Deusa; por tanto, qualquer um dos dois podia representar a propriedade das mulheres da Trácia sobre as terras do país.

As Sacerdotisas da Deusa intrigaram para fomentar uma revolta, mas não puderam pôr ao povo contra meu pai, porque lho ganhou favorecendo ainda mais os cultos e celebrações do deus do vinho, a quem, sendo o mais moderno dos Olímpicos, o povo tracio considerava, estranhamente, como um deus antigo e popular, já que trazia de volta consigo o mais gozoso do passado: as festas orgiásticas e a alegria da Deusa. Por opor-se a ele perdeu o trono o antecessor de meu avô.

Ademais, a casta sacerdotal das Ninfas e Dríades tinha-se ido fazendo tão soberbia e excluyente, por hereditaria, que a maioria das mulheres que não pertenciam a ela tinham perdido a combatividad e o interesse pela política que caracterizava às gerações anteriores.-


-Então, se entendi-te, apaixonar-te da Dríade foi como apaixonar do inimigo- disse Jacín.
-Assim foi, mas eu vinha tão fortalecido em meu autoestima pela Escola de Quirón, que me atrevi a apresentar à eleição de campeões de meu clã dos centauros na Festa das Virgens dedicada à Semeia de Cereais, confiando em que as sacerdotisas, por política, não mo iam a impedir e em que a força de meu amor por aquela mulher, que era tão grande, a faria se fixar em mim. Eu não podia competir com os guerreiros, nem com os atletas, de modo que o fiz com música e poesia, declamando um canto às Dríades que era um retrato inconfundível da mulher que amava e lho dirigindo exclusivamente a ela durante o concerto, com meus mais sinceras miradas e com todo o calor de meu coração, tal como se estivesse apontando ao seu com o arco de Eros.


-E acertaram as setas? –perguntou Jacín, com um grande sorriso.
-Acertaram. E ela me elegeu, com grande enojo inicial por parte de alguns membros do Conselho de Idosas. Mas, após reunir-se, seguramente decidiram que poderia ser a oportunidade para voltar a ter influência sobre um futuro rei ou sua filha e deram seu visto bom a nossa relação. Ainda que não permiti a meu corpo que resultassem filhos dela para a Deusa.

-Como o conseguiste?- estranhou-se o íbero.
-Não é algo demasiado difícil se tu treinar nisso, tal como treinas com o canto ou com a lira. Trata-se de alternar atividade, quando teu casal está pasiva, com pasividad, quando está ativa; e de controlar teus movimentos e tua excitação a base de respiração serena, de maneira que te possas relajar a cada vez que chegas à beira da catarata, sem te deixar precipitar por ela.
-Onde fica teu prazer, então, se não derramas tua semente?
-Em prolongar e modular a vontade o contato sensual o tempo todo que tua colega ainda o deseje, em considerar o caminho mais importante que a meta, em gozar com o gozo de teu casal, mas sem chegar nunca ao derramamiento da semente, que também é o final do prazer. É como te deleitar tranqüilamente com três copas de vinho a pequenos sorbos durante toda a noite, enquanto conversas de uma forma solta, inspirada, alegre e sempre inteligente, em lugar das esvaziar de três tragos seguidos e te ficar depois completamente inconsciente, depois de um momento explosivo de brutal exaltación descontrolada.

-Controlar os instintos e as emoções não significará desnaturalizarlas e desvirtuarlas? –arguyó criticamente o pirenaico.
-Para mim –respondeu Orfeo-, não há coisas mais innaturales e desvirtuadas que a ilusão e a inconsciencia; controlar a excitação e a emoção sãmente é controlar a ilusão e a inconsciencia. E não é tão complicado... consegue-se respirando lenta e profundamente e mantendo em acalma tua consciência enquanto observas, sem deixar de participar nem de estar completamente concentrado no momento e na experiência que vives.

-Muito sofisticado parece-me isso –disse Jacín- Não ficas inflamado e morto de vontade durante todo o resto do dia, após ter gerado tanta energia à que não lhe dás sua saída natural?

-Ficaria, se meu maestro Quirón não me tivesse ensinado a elevar essa energia desde meu sexo até minha cabeça.

-Como é que isso se faz?
-Por médio de rápidas e profundas inspirações pelo nariz, mantendo reta a coluna, e mediante visualizaciones nas que vais a impulsionando (e ao tempo a refinando e sublimándola), do centro energético do ventre ao do plexo solar, deste ao do coração, deste ao da garganta e deste ao do centro da frente... é como ir subindo a escala das notas musicais de oitava em oitava...
-E quando chega essa energia ferrvente à cabeça...

-...Converte-se no mais elevado combustível para a inspiração de um artista, Jacín: a potência generatriz que ia destinada a engendrar a um filho de teu espírito e do de tua colega dentro de um efêmero corpo de carne e osso, engendra, se te pões a compor com ela e à moldar, o mesmo filho de ambos no corpo subtil de uma obra de arte imortal... tu sabes que nossas melhores canções são pura energia sexual sublimada.

-Já estou entendendo... talvez me decida a experimentar com esse original método de criação alguma vez... –disse sorrindo- Mas que lhe pareceu à Dríade que não derramasses tua semente material nela?
-Não gostou nada. Durante um tempo esteve envergonhada. Sentia que estava traindo a seu Fraternidad, a seus princípios e à Deusa, inclusive temia um castigo divino. Eu tratava da compensar lhe demonstrando tanto amor que, na seguinte primavera, quando foi a Festa da Semeia das Ninfas, me voltei a apresentar entre os campeões centauros, com novas setas musicais no arco de minha lira... e voltou-me a eleger.
-E o dos filhos para a Deusa?- perguntou o pirenaico.
-Continuei sem dar-lhos, mas, ao mesmo tempo, dava-lhe razões. Razões e amores, todo o amor. Dizia-lhe que também eu tinha que enfrentar a oposição de meu pai a um amor com um membro da principal instituição inicial de seus inimigos políticos interiores. O qual era verdade, meu pai me considerava um indigno sucessor seu, sem interesse pelas armas nem pela administração, sem ambições políticas, um príncipe decadente que só se interessava por música, filosofia, viagens, interesse pela cultura grega (enquanto ele era totalmente pró-troyano) e por mulheres totalmente inconvenientes.
-Posso imaginá-lo –disse Jacín– uma boa empronta!
-Dizia-lhe que por suposto eu desejava ter filhos com ela, mas que não queria que nossos filhos fossem manipulados e usados pelo matriarcado. Falava-lhe de uma Nova Era de homens e mulheres livres (que nós duas poderíamos iniciar), na que ambos sexos viveriam em harmonia, em um pacto de igualdade real e de equilíbrio que se saísse, tanto do extremo da caduca sociedade matriarcal da Idade de Pedra, como do outro extremo trazido pela Idade do Ferro e pelo intransigente patriarcalismo a ultranza dos aqueos. Falava-lhe de conseguir um equilíbrio entre A Grande Mãe e Zeus, entre Apolo e Dionisio, entre gregos e asiáticos, entre a velha Tracia e a nova Hélade e entre o lado ocidental e o oriental do Egeo e dizia-lhe que só tinha uma maneira de chegar a conseguir esse equilíbrio entre tantos aparentes opostos.

-E qual era?
-O amor, um amor para valer, como o nosso, que fizesse complementares dos opostos, igual que quando um músico joga com os graves e com os agudos até os pôr em harmonia. E a maior tensão, a maior contraste, a maior compromisso, força, doçura e intensidade, maior expresividad e beleza resultante, se a harmonia que os equilibrasse fosse real.

-Como respondeu tua amada ao que lhe dizias?
-Acreditou em mim, Jacín, confiou em mim, entendeu minhas razões porque seu coração lhe dava razões que sua mente não era capaz de lhe dar. Vivemos em um ano de amor a tal intensidade que, ao ano seguinte, eu me atrevi ao pôr a prova.
-Uma prova? Que fizeste?
-Simplesmente, quando chegou a seguinte primavera, lhe disse que me ia a Samotracia e Eleusis e que não me voltaria a apresentar à eleição de campeões para a Festa das Ninfas. Disse-lhe que a amava com loucura e que ela era livre para fazer o que quisesse, mas que não me ia prestar mais ao jogo das sacerdotisas.
-E daí, o que aconteceu?
-Pois que me fui a Samotracia e a Eleusis e chegou no dia da festa das Ninfas e desfilaram os melhores campeões de Tracia despregando seus encantos viriles. E a cada uma de suas colegas elegeu a um.
-E ela?
-Ela participou na eleição, mas não elegeu a ninguém.
-Não a forçaram a eleger?
-Não podiam. A sociedade matriarcal também tinha suas coisas boas: quem já tinha passado duas vezes pela eleição, podia se abster de eleger se não lhe agradava nenhum novo candidato ou se já tinha um favorito de seu coração.
-Regressaste em seguida, suponho –disse Jacín.
-Não, estive muitos meses fora, em Samotracia e no Ática, lhe quis dar tempo a que lho pensasse com acalma; e também mo quis dar a mim. Eu queria um grande amor, um amor que fosse para além das muitas circunstâncias externas que pareciam envolver nossa relação.
-Como quais?
-Eu precisava estar totalmente seguro de que se meu amor me queria, me quisesse por mim mesmo, não por ser um príncipe herdeiro, nem por influência dos cálculos e previsões políticas das sacerdotisas. Também almejava que alguém me elegesse para sempre e não ter que competir pela mulher amada a cada ano, como tinha sido o tormento das gerações de apaixonados precedentes. E desejava muito ter filhos com meu amor, mas para que fossem também meus filhos, não só os filhos de sua mãe. E repugnava-me que lhos ficassem as sacerdotisas, bem convertendo em Dríade a uma menina ou em cadáver glorioso a um menino... Agora bem, para o conseguir, minha amada tinha que abandonar sua Fraternidad, a fim de escapar a sua lei. E casar-se comigo ao modo grego.
-

Puseste-lho bem difícil à garota -disse o vate pirenaico admirado.
-Era muito difícil para ela -reconheceu Orfeo-. O mais difícil, quase uma indignidad entre as Ninfas Dríades, a decisão de abandonar sua Fraternidad para entregar ao casal, uma instituição estrangeira e advenediza, criada pelo patriarcado invasor para converter às orgulhosas mulheres tracias em seres dependentes, na qual renunciavam a sua liberdade de eleição de amantes e a ser as únicas legítimas proprietárias de suas terras e de seus filhos. Claro que eu estava disposto a pactuar umas condições matrimoniales mais igualitarias que as que continha o compromisso aqueo e a potenciar sua ratificação como lei e sua aplicação, para que se pudessem acolher a ela todos os casais que o desejassem, em todo o reino de Tracia.
-O que aconteceu quando regressaste?
-Acolheu-me com o mesmo contente e com o mesmo cariño que se nos tivéssemos separado a noite anterior e vivemos outro tempo de intensísimo amor e paixão, ainda que não quis nem abandonar sua Fraternidad nem visitar minha casa. Seguia vivendo no Bosque das Ninfas e víamos-nos e passávamos com freqüência as noites juntos, mas sempre em lugares neutras e discretos.
Ao ano seguinte disse-lhe que me marchava a Egito. Fui-me, de novo teve Festa das Ninfas e de novo absteve-se de eleger. E regressei do Egito e tudo voltou a ser paixão e harmonia, mas de casal, nada. Enquanto, tinha a cada vez mais problemas com meu pai.
-Por que?
-Por tudo: porque ia receber-me instrução inicial a países estrangeiros durante longo tempo, porque, pelo caminho, fazia boas relações com os gregos e muito poucas com os troyanos, porque não prestava a atenção que ele demandaba a minhas classes de administração ou a meus deveres militares, porque não gostava como me vestia ou peinaba ou no que gastava de meu orçamento; porque não gostava de minhas opiniões sobre nada, porque contestava às suas, porque organizei vários concertos de lira ante público, porque escapava de palácio a cada vez que podia e, sobretudo... porque já estava em idade de casar com alguma princesa troiana cuja aliança lhe convinha e eu não queria nem saber disso.

-Olha aí, a vida principesca!
-Eu via-me metido em uma roda que girava vertiginosamente em todas direções e não sabia como a fazer se deter, para me descer e me marchar a fazer minha própria vida, a que eu queria. Ou, pelo menos, não ter que fazer a que não queria. Então apareceram em um dia os heraldos de Tesalia, proclamando que ficava aberta a seleção de candidatos para a expedição dos Argonautas à Cólquide. Senti-me chamado, aí estava minha oportunidade de fazer-me respeitar por meu próprio nome e não pelo de meu pai; e também a aventura livre, com toda a intensidade vivencial que supunha; e a companhia de muitos dos valentes aprendices de heróis que tinha conhecido junto a Quirón. De modo que em um impulso, sem saber o difícil que ia ser que me admitissem, me considerei admitido e lhe fui dizer, tanto a meu pai como a minha amada, que ia embora.

-E daí, o que aconteceu?
-Pois que meu pai me deu a eleger entre renunciar à expedição ou abdicar de meus direitos à coroa em meu irmão. E decidi abdicar. E que minha amada me disse que não se importava que tivesse abdicado, que me queria por mim mesmo, que sempre me esperaria e que se conseguia regressar da Cólquide, ainda que fosse lisiado, abandonaria sua Fraternidad, se casaria comigo ao modo grego e teríamos filhos... Ademais disse que se me matavam, me iria buscar ao mesmo País dos Mortos.
-Voto a todos os Deuses!!- exclamou Jacín com a boca aberta.
-Assim mesmo jurei eu, por dentro, quando ela mo disse Mas sentindo que ficava louco de alegria e de amor! E essa alegria e amor deu-me ânimos durante a longa e perigosa aventura, manteve alta meu lume vivencial nela e consegui vencer muitas difíceis provas, colaborar muito bem com meus colegas ainda que era o mais enclenque do grupo e, por fim, regressar vivo, inteiro e triunfante a meu país.
-Um herói! -disse Jacín- Estou falando com um herói!
-Pois a verdade é que assim me sentia eu naquele momento maravilhoso de minha vida... Ela me tinha estado esperando o tempo todo e seguia igual de apaixonada... E até meu pai estava orgullosísimo de mim! Aceitou o casamento com minha amada após que ela anunciou oficialmente que abandonava a Fraternidad das Ninfas e se encarregou de redigir e de fazer sancionar um novo pacto matrimonial bem mais igualitario que o dos aqueos, bem como de organizar uma cerimônia nupcial por todo o alto...
-E casásteis, é claro! Final feliz!- Jacín estava entusiasmado.
-Casamos, mas no mesmo dia do casamento picou-a uma cobra em um pé e a matou. –disse Orfeo sombriamente.

Foi como um banho de água fria para o vate pirenaico após se ter exaltado de alegria no calor da narração. Ficaram os dois homens em silêncio um longo momento, contemplando como o sol final da tarde ensangrentaba o contraluz depois das cumes nevadas das cimeiras, cimeiras que se iam fazendo mais solenes e grandiosas segundo avançavam para o mistério do Extremo Ocidente.


Começou a anoitecer e ainda encontravam-se ali sentados sem dizer nada. Finalmente, Jacín pôs-se em pié, apertou com sua mão o ombro de Orfeo e disse:
-Repito minha primeira pergunta, se queres contestá-la de novo brevemente, camarada: que é o mais importante que tens aprendido com todas essas experiências?
-Aprendi que o Amor é um deus que todo o consegue, Jacín -respondeu Orfeo com determinação-. Por isso estou indo ao Fim do Mundo para lhe pedir a Hades que me devolva a minha alma amada.

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