domingo, 11 de setembro de 2011

26- OS INMIGRANTES DA ÁSIA MENOR

OS IMIGRANTES DA ÁSIA MENOR     

 Ante um panorama de tal dureza, o rei jonio Tmolo, um homem sábio que podia prever o futuro, preparou a seu povo para o desapego do conhecido e a coragem para fundar uma nova sociedade e se antecipou prudentemente a emigrar a Lidia, com aqueles de suas súbditos que aceitaram suas profecias. Sua frota cruzou à Ásia Menor, ao outro lado do Egeu. Ali começou a crescer, a partir de zero, a Jonia Lidia. É mais fácil edificar algo novo que tentar reformar o que porta consigo todos os hábitos do obsoleto. 

Enquanto, na península grega, os reis-sacerdotes que se tinham ficado, consortes das rainhas-sacerdotisas, como Tántalo, filho de Tmolo, e os netos de Éolo, Salmoneo, Eetes e Sísifo, tentaram uma última resistência contra o maremoto patriarcal, mas os aqueus os arrollaron, venceram, humilharam e mataram... Unicamente salvou-se o famoso Eetes, porque conseguiu fugir, no último momento, à Cólquide. Em poucos anos, Eetes conseguiu, graças a sua imensa valia como estadista, se converter em dirigente daquele remoto pié do Cáucaso onde se tinha iniciado a expansão européia da Raça Ariana, , até que vocês os argonautas, impulsionados por Pélias, que o odiava por motivos pessoais bem mesquinhos, fuísteis a lhe arrancar o Vellocino, que era o emblema ancestral, bem merecido por aquele país, daquela expansão, e com ele, a seus desgraçados filhos. -

Orfeu suspirou, percebendo de repente a verdadeira e vingativa razão pela que Jasão tinha sido enviado por sua manipulador tio ao extremo do Mar Negro. Não era agradável escutar a versão de sua gloriosa aventura juvenil contada pelo bando que tinha resultado prejudicado por ela.

-Os que tinham emigrado a tempo com o previsor Tmolo a Lidia -seguiu contando Arron sem ressentimento-, fizeram uma cidade magnífica e depois criaram uma federação de cidades jonias e eolias independentes em todo o litoral da Ásia Menor, que se converteram, sobretudo as jonias, em verdadeiros centros culturais, como Mileto, Éfeso e Focea, na costa, de onde temos partido nós, e Chío e Samos nas ilhas.

-E os tirsenos, comandante? -perguntou Orfeu, um pouco cansado de tantos antecessores e querendo chegar a ele- De onde saíram?
-Pois o mito conta que Tiro, filha de Alcídide e do resistente eolio Salmoneo, fecundada por Poseidón, foi a mãe de dois povos de grandes navegantes: o dos que se estabeleceram no litoral semita de Canaán e fundaram a cidade de Tiro, a quem também se lhes chama fenicios, que agora são nossos principais competidores, e o dos Tirrenos ou Tirsenos, que emigraram à costa ocidental da Ásia Menor, que fundaram as cidades de Tyrrha e Thyrsa, e que se misturaram e integraram muito bem com os jonios e com todos os povos que tinha por ali.
-E como é Lidia e os nativos desse país que tão bem acolheram aos jonios e eolios exilados?
- Acolheram... tu sabes como são essas coisas, Orfeu: os comerciantes hábeis começam por estabelecer um emporio comercial na costa de um país e depois, pouco a pouco, acabam por dominar sua economia e por impor seus costumes... isso foi o que ocorreu connosco em Lidia. Os nativos lidios do interior são médio semitas ou acadianos ao sul, como seus vizinhos carios e fenicios e, ao norte, médio frigios, isto é, arios, como os outros vizinhos, meonios e troyanos.
Lidia está situada na melhor confluencia para o comércio mundial. Tem enfrente o golfo de Esmirna, de onde se sai para a florida Samos, Mileto, Icaria e as Cícladas, um rosario de ilhas que formam uma ponte para os portos peninsulares: Atenas, Áulide, Micenas e Tirinto... ou para o cabo Malea, Creta e as rotas que vão para o longínquo Occidente.
-Para Occidente? -perguntou Orfeu, interessado.
-Para Occidente –confirmou o comandante-.Os jonios de Calcis, emigrados faz muito desde Eubea, e estabelecidos cerca de teu país, Trácia –continuou, traçando no ar um mapa imaginario-, contrataram aos excelentes marinhos da ilha de Samos, e foram os primeiros gregos que, em tempos mais modernos, voltaram a navegar para a Itália e Iberia, recuperando as antigas rotas cretenses. E mais tarde, outra vez aliados com suas primos de Samos e os focenses.
-Eu tive um colega argonauta samio, o pequeno Anceo- recordou o bardo-. E também tinha um focense... o grande nadador Eufemo de Tenaro, que nos salvou um par de vezes da perseguição das naves colquídeas.
-Os focenses são filhos da dificuldade e isso os fará em algum dia um grande povoo fundador de colônias até no remoto Oceano -assegurou o tirseno-. Seu lar europeu era a montanhosa e improductiva Fócide, onde está o Santuário de Delfos, cujos primeiros habitantes eram os lélegos, que foram empurrados pelas invasões ao centro da Grécia. Ali integraram-se tão bem com os jonios que depois se vieram com nossos pais à Ásia Menor. Agora sua colônia asiática principal cresce e cresce, com o nome de Focea, na península que está mais ao norte da Jonia Lidia. São magníficos marinhos... e dizem as más línguas que também famosos piratas... os quais, por verdadeiro, conformam a metade de minha tripulação atual. Mas não tenhas medo, porque eu sê lhes dirigir como gostam e os manter em disciplina, e assim consigo que saia para afora o melhor que há em de eles.
Os jonios de Calcis e Samos chegaram, pois, a Itália –seguiu-, modernizaron os assentamentos que fundaram os cretenses no sul e foram os primeiros em controlar com emporios os mercados de Etruria, se fazendo amigos dos belicosos sardos, que dominavam a região. Eles permitiram e facilitaram aos outros jonios e eolios o passo pelo estreito de Scylla, em Sicília, que é por onde nós iremos agora, para não ter que nos aventurar através de zonas controladas pelas galeras de guerra fenicias, procedentes de ilhas que fortificaram, Ortygia, Mozia e Malta... ou de um enclave que têm situado na ponta do litoral africano, Útica. Desde tais bases piratean toda nave pelasga ou grega que encontram, já que esses buitres marinhos tratam de ir convertendo o Mediterráneo Ocidental em um mar reservado ao trânsito exclusivo de seus próprios navios.
-Há, pois, perigo de ser atacados pelos fenicios? -perguntou Orfeu com um deixe de preocupação.
-Sempre o há, por isso vamos em um convoy de três naves bem armadas, para nos proteger mutuamente, este é um oficio para guerreiros -respondeu o tirseno desde seu ecuanimidad-. Os fenicios dominam a antiga rota norteafricana para Iberia e já não nos deixam a usar como dantes. De modo que nós, junto aos demais jonios e eolios, patrulhamos e defendemos a que vai de ilha em ilha pela costa norte do Mediterráneo, para as bocas do Ródano. A concorrência fez-se tão dura que estamos estudando a possibilidade de desenvolver muitas galeras de guerra de vinte e cinco remos à cada lado, como esta e, se é possível, a mais, a fim de conseguir o máximo de velocidade, ainda que o vento não ajude.

-…Mas estava-te contando o que ocorreu quando os meus chegaram a Lidia, fugindo dos aqueus... –retomou o fio de sua narração o comandante-. Naquela caótica época do exílio jonio e eolio à a orla asiática do Egeu, igual que ocorreu muitas vezes antes na história, uns povos deslocados tiveram que se buscar a vida, como desesperados sem pátria, deslocando a outros. Isso é o que tinha sucedido já com a maioria dos pelasgos peninsulares e com a classe dominante cretense, depois da destruição de Knossos. Em verdade, eles contribuíram muito a fazer de Lidia, de Caria e de Licia, países cultos e refinados.

Quando o litoral da Ásia Menor já estava desbordado pela segunda onda de emigrantes, aquela na que chegassem minhas ancestros, apareceu em suas naves a terça, formada pelos jonios, eolios e pelasgos que se tinham ficado na Hélade, por apego ao conhecido e temor à mudança, mas que já não agüentavam mais a tiránica dominação dos aqueus, quem os estavam convertendo em cidadãos de segunda categoria, ao mesmo tempo em que acabavam com a antiga religião da Deusa... O início desta terceira onda foi pacífico e até tiveram uma boa acolhida, dentro do possível, em um país sobrecargado de refugiados. Mas depois só chegava gente queimada pelo sofrimento, muito resentida e violenta, impossível de integrar, que se buscava a vida com a espada na mão. Esses causaram verdadeiras devastaciones e rapinhas sem fim.
Durante um terrível período de carestía que durou dezoito anos, nosso povo teve que decidir se dividir em duas partes, os que ficavam em Lidia, os mais fortes e bem estabelecidos, comandados pelos os que tinham feito caso a Tmolo, , e aqueles que não tinham mais remédio que emigrar de novo. Meus pais, junto com outros muitos marinhos empobrecidos, abandonaram o congestionado, competitivo e vulnerável país, dispostos a fazer com um lugar para viver onde fosse possível. Dirigidos por um príncipe chamado Tirsenos, filho do rei lidio, foram-se a Esmirna, construíram barcos e buscaram onde se estabelecer...E ocorreu-se-lhes aceitar uma aliança com os licios, sardos e outros “Povos do Mar”, que tentaram e conseguiram tomar pela força uma parte do litoral palestino, onde formaram os principados filisteos do sul.

 

Desde eles, atacaram sem sucesso aos fenicios, e depois até se aliaram com os libios e se atreveram a ir contra os egípcios, aproveitando que estavam divididos por lutas religiosas. Os tirsenos, junto com os sardos, conseguimos manter, a costa de muitos sofrimentos, uma cabeça de ponte durante uns meses no delta do Nilo, onde os nativos já nos chamavam “Turuscha,” mas por fim fomos duramente recusados por um faraón bem guerreiro e, os poucos que sobrevivemos, já nem se nos ocorreu voltar à vulnerável Filistea, que aguardava a vingança do faraón triunfante, nem fazer qüestão de que nos admitissem, fracassados como estávamos, na abarrotada Ásia Menor.
Por então eu era mal um rapaz –recordava Arron com um sorriso melancólico-. Os sobreviventes tirsenos e sardos do Egito, colegas de derrota, navegamos para além de Sicília, até a ilha de nossos aliados, Cerdenha. Ali estivemos uma temporada, mas, ainda que nos compadecían e ajudavam, é muito difícil integrar-se com islenhos que sempre o verão a um como estrangeiro e tinha muita malaria, de modo que lhes pedimos que nos deixassem estabelecer uma pequena colônia na porção de península Itálica que eles tinham enfrente, Etruria, no centro-noroeste da Itália, lhes prometendo ser suas sentinelas no continente no contra tentativas de invasão de sua ilha por outros povos.
Foi desse modo que conseguimos pacificamente, por médio de uma negociação, um pedaço de litoral que os sardos tinham ocupado desde muito dantes. Naquele território, regado pelo Umbro, fundámos o emporio chamado Tirsenes (que começa a ser conhecida também como a cidade de Tirrena). Desde aquele centro do Mediterráneo, começamos a comunicar o Oriente com o Occidente. Assim foi nosso assentamento na Itália. Em outro momento, se queres, Orfeu, te poderia contar o que fizemos em Iberia.


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