domingo, 11 de setembro de 2011

4- VIAGEM AO ORIENTE

VIAGEM AO ORIENTE     

Anónimo Anónimo
-Sinto muito, mas a tripulação do “Argo” já está quase completa, tendes chegado muito tarde. Só posso admitir a um dos dois -disse Jasão, se dirigindo a Hércules e a Orfeu.
-E é claro que esse um terá que ser Hércules, Orfeu –acrescentou Argo o ateniense, que era quem tinha construído o barco que levava seu nome-. Tu não és precisamente um guerreiro nem um marinho, o digo sem nemhúm desejo de ofender.
“Disso nada” -pensou Orfeu-. “Tenho renunciado à coroa por vir a esta expedição, eu não vou deixar de ir.”
-Já sois trinta e dois bons guerreiros ou marinhos, Argo, sois suficientes –respondeu o trácio com firmeza-. Mas comenta-se que a Cólquide é o País da Magia e não levais nenhum mago.
-E tu és um mago? -perguntou Argo com escepticismo.
-Eu sou um mago –afirmou Orfeu, levando uma mão a sua lira.
-Já temos um mago, Periclímeno de Pylos, e vários augures, e um sacerdote do Sol... outro de Atenea, e até uma sacerdotisa de Artemis, Atalanta de Calidón... Ademais, a ti se te conhece como músico -disse Argo, com paciência, querendo ser amável- e, ainda que eu não entendo de música, todos dizem que és bastante bom, mas que tem que ver a música com a magia?
-Tudo! –respondeu o trácio com sua maior eloquência- A música é o domínio das vibraciones e de suas mudanças e tudo está vibrando e composto por vibraciones neste mundo: a matéria, a mente e os sentimentos humanos. Minha música é uma música mágica.
Argo ia seguir discutindo, mas a Jasão não gostava enredarse em temas tão subjetivos.
-Chega -disse-. Tereis que competir ambos pelo posto adiante de toda a tripulação, igual que os demais têm tido que competir para ser selecionados. No “Argo” só vão os melhores dos melhores. Ganhará o que consiga lançar o disco mais longe. Estás de acordo, Hércules?
-Por suposto -disse o forzudo com amplo sorriso, entendendo que Jasão tinha estabelecido esse tipo de prova porque preferia lhe levar a ele, que lutava por seis homens, e não a um músico que lhas dava de mago.
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-Estás de acordo, Orfeu?
-Estou de acordo -respondeu ele sem vacilar.
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A bela galera, recém pintada e brilhando ao sol, encontrava-se na água e pronta para partir, pois já se tinham feito os sacrifícios propiciatorios. Estava perfeitamente equipada e com média tripulação a bordo. A outra média, Jasão e Argos, permaneciam na praia para ser testemunhas e juízes da prova de seleção entre Hércules e Orfeu.
Hércules chegou junto à orla, onde a areia molhada fazia limite com a seca e pediu, com um gesto imperioso, que despejaran o terreno que tinha enfrente, paralelo às rompientes. Depois tomou o disco e pôs-se em posição.
-Hércules! Hércules! -vitorearon-lhe, tanto desde o mar como desde a terra, muitos dos Argonautas que admiravam sua planta e seu prestígio. Ele se concentrou, deu uma volta impecável ao redor de si mesmo e seu braço musculoso fez que o disco percorresse uma distância que bem tivesse podido ganhar qualquer das mais importantes competições. De novo foi vitoreado longamente.

Jasão marcou o lugar, fincando sua espada na areia. O trácio recolheu o disco e foi caminhando até o espaço de lançamento, assinalado por uma raya no solo. Ninguém lhe animou, salvo a única mulher que ia na expedição, Atalanta, a caçadora das loiras trenzas, que o fez por fazer uma graça, o que arrancou várias risitas irônicas.
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Orfeu chegou atrás da raia, mas em lugar de tomar posição sobre a areia, como tinha feito o coloso, se meteu no mar até o joelho, apontou e lançou o disco de tal maneira que caísse em plano sobre a água, saltasse aos poucos metros e voltasse a saltar velozmente várias vezes sobre a longa crista da onda rompiente, até que finalmente se afundou, tendo ultrapassado amplamente a distância conseguida por Hércules, provocando uma exclamação de admirada Sulpresa em todos os assistentes e arrancando a seu rival uma sincera gargalhada de admiração por sua astúcia.
Atalanta aplaudiu então e Calais e Zetes, filhos de Bóreas, que eram trácios como ele, e muitos mais se sentiram obrigados, por justiça, a somar ao aplauso. Mas depois estalló a discussão. Uns não estavam de acordo em que se lançasse o disco de uma maneira tão pouco convencional, outros arguían que não podiam prescindir de uma ajuda tão importante como a de Hércules nos possíveis combates...
Jasão, a quem o centauro Quirão tinha-lhe dito que se levavam a Orfeu teriam boa proteção contra as sirenas, limpou em seguida a discussão:
-Embarcam os dois, o guerreiro e o mago! Vamos-nos! A bordo!
Quando todo mundo esteve embarcado e em seus postos, só ficava vazio um lugar para remar na bancada. Jasão indicou-lho a Hércules e ele se sentou e tomou o remo.
-Já verei depois o que tu podes fazer a bordo –lhe disse a Orfeu-. Por agora, te fica por aqui e se vês que faz falta qualquer coisa, ajuda- e se foi à popa, ante Tifis, o timonel, a dar a ordem de saída:
-Remeiros! -alçou sua mão- Atentos! Preparados! Partimos! -baixou-a.
A partida foi um desbarajuste: os remos entraram na água ao mesmo tempo, mas faziam seu giro de uma maneira descompensada. Hércules dava-lhe tanta força ao seu que a proa sempre vencia em direção contrária.
Jasão mandou uma parada e tratou de compensar, pondo aos remeros mais forzudos em batería, do outro lado do coloso; mas mesmo assim a coisa não ia bem coordenada e o avanço da nave se via muito irregular e pouco reto.
Então Orfeu, sem que ninguém lhe dissesse nada, subiu à ponte, se sentou adiante do timonel, cara à bancada, e se pôs a marcar os tempos cantando e tocando uma conhecida canção de remeros com sua lira, com o que conseguiu que todo mundo se fosse afinando ao ritmo de suas curtas estrofas, que se estabelecesse, pouco a pouco, uma ordem e uma cadencia, e até que cantassem alegremente o estribilho ao unísono. Jasão olhou para ele, confirmando em seu posto de utilidade com a mirada. E o “Argo” deslizou-se por fim veloz e brilhante, que isso era o que significavam seu nome e seu destino

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