domingo, 11 de setembro de 2011

30- AS SERÉIAS

AS SERÉIAS     

A mágica maneira de cantar e tocar de Orfeu e a força de seu sentimento não só animou, cautivó e entretuvo aos marinheiros tirsenos, lidios e focenses que iam com ele, todos homens livres, senão que também contribuiu aos salvar de perecer afogados no perigoso estreito que separa a Itália e Sicília, abundante em sirenas, segundo se dizia.

Passava de barco a barco entre os marinhos em Naxos a notícia da morte, fazia anos, de seis homens-centauro, procedentes de Ptía quem, tendo fugido em uma nave da perseguição de Hércules depois de um combate terrível, acabaram sendo devorados pelas rompientes, contra as que se arrojaram, enloquecidos pelos cánticos que ouviam obsessivamente em suas cabeças, segundo relatavam os dois únicos sobreviventes.
Aquelas notícias vinham acompanhadas de uma tristísima nova para o bardo: seu maestro, o centauro Quirão, que era imortal, já não vivia mais. Mas ele sabia que não era verdade, como alguns contavam, que tivesse sido atravessado por uma seta de seu discípulo Hércules, que o amava entranhablemente.
-Como é possível que um imortal como Quirão, filho de Cronos, tenha morrido...? –perguntavam-se todos.
-Só porque ele mesmo escolheu, divinamente, renunciar à vida –contestavam outros.
A verdade era que Hércules lhe tinha rozado, sem querer, com uma seta dirigida a outro arqueiro, quando Quirão se meteu pelo médio tratando de deter uma briga entre o coloso e um grupo de exaltados centauros de seu clã. Era uma ferida muito leve, mas a seta estava envenenada pelo sangue da Hidra de Lerna, e Quirão sofreu tanto durante vários anos, sem que seu enorme conhecimento médico pudesse o aliviar, que fazia em uns dias tinha mudado a Zeus sua imortalidade pela mortalidade de Prometeo, bendito pai dos homens atuais, para se livrar do incesante dor que lhe carcomía. Dizia-se que Hércules, que desencadeou a Prometeo de seu castigo no Cáucaso e que por toda parte buscou e experimentou remédios para seu sábio mentor durante muito tempo sem que nenhum realmente servisse, estava tão desconsolado por seu tremendo erro que pediu morrer em lugar de Quirão. O velho maestro não o aceitou, disse que não estava mau uma viagem por outras dimensões e deixou para sempre sua fructífera manifestação nesta vida, durante a que tantos heróis tinha formado.

Mas Orfeu teve que apartar a um lado sua nostalgia para se concentrar em ajudar a sua gente a passar a parte mais estreita do estreito de Scylla sem se ir a pique. A maneira, como já tinha aprendido durante a navegação com os argonautas, era manter absorta a atenção de sua tripulação para que não se vissem afetados pelos cantos de fascinio das mortais provocadoras de naufrágios.

Os ilhotes apareceram de repente à vista, entre as agitadas ondas, com suas cimeiras penhascosas plagadas de numerosísimas bandadas de brancas aves, que alçaram o vôo sobre eles ao lhes divisar e que encheram o ar, ao redor da nave, de uma horrível algarabía. O bardo sabia que, a pouco que os remeros começassem a se deixar obsedar por ela, começariam a se imaginar que aqueles grandes pajarracos, que por todas partes se colaban, tinham cabeça de mulher e cantavam, e se adormeceriam com a doçura e a sensualidad de uns cánticos que não eram mais que uma ilusão da mente. Qualquer descuido no meio daquele archipiélago semisumergido de arrepiadas rochas lhes faria avariar o capacete contra elas e servir de esmagado pasto aos voraces buitres marinhos e aos peixes.
Como o mais importante era manter a tranqüilidade e a sincronía das bogadas, Orfeu recorreu às mais jocosas e marchosas canções marineras, as que tinham estribilhos divertidos que todos os remeros sabiam corear, nos momentos nos que era preciso um esforço muscular maior para salvar uma linha de escollos. As alternaba com doces cánticos tranquilizantes que só cantava ele, com voz de tenor, nos espaços sem perigo, para que a tripulação se relajase e estivesse atenta ao coro no seguinte momento duro. Os estribilhos coletivos arrematavam em uma estruendosa exclamação que assustava aos buitres e cernícalos e que fazia que, por uns momentos, se separassem do barco, diminuindo seu acosso.

Dessa forma e seguindo esses ritmos, as três naves, com a “Tursha” abrindo e marcando o caminho e o ritmo às demais, conseguiram superar o promontório Pelorus e a plaga de pajarracos marinhos, que foram retornando a suas rochas. Ao cabo de um momento, puderam alçar de novo as velas para aproveitar um cálido vento do sul que lhes ajudou a remontar a costa de Calabria. Orfeu deixou de cantar, os remeros puderam descansar então e o primeiro que fizeram foi uma longa ovação em honra de sua bardo, que lhes tinha sabido manter bem coordenados e atentos durante aquele pesadelo.

A lenda das sirenas vinha de mitologías muito antigas, que as faziam servidoras da Deusa da Morte, quem as enviava a recolher as almas dos náufragos para as levar ao Ultramundo. Os marinhos eram muito supersticiosos e com só ver cerca do barco uma bandada de cernícalos marinhos, lhes parecia um sinal de tão mau agüero, que facilmente entravam em pânico no momento em que mais sangue frio e sincronía se precisava.


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