terça-feira, 13 de setembro de 2011

55- INICIAÇÃO AO LABIRINTO


INICIAÇÃO AO LABIRINTO

 Pouco depois, o caminho desembocou ante um claro e uma moradia totalmente integrada na natureza, que consistia em um longo oco praticado no custado da montanha, o qual se tinha fechado pela frente com um muro de pedras, sem outras aberturas que uma porta e um oco alto por onde passava a luz. 
Orfeo gritou: -Donnon!-, mas ninguém apareceu. Assomando-se, viu que a ampla estância estava vazia. Então deu-se conta de que tinha um cencerro de cobre junto à porta e o fez soar três vezes. 
Alguém deu um par de vozes ao longe e ao cabo de pouco momento, um homem de uns sessenta e tantos anos vestido com toscas peles de cabra apareceu entre as árvores portando um balde de água na cada braço. Deixou-os no solo e vinho a saudar a Orfeo. Assim que trocaram seus nomes, o bardo ficou surpreendido ao comprovar que o tal Donnon falava bastante grego como para manter um verdadeiro nível de conversa. 
-Onde o aprendeste? 
-Na escola do caminho, viajando... -respondeu Donnon com um sorriso enquanto servia a seu visitante um cuenco de água fresca-. Falo mau média dúzia de idiomas e muitos dialetos. 
-Tenho que percorrer o Laberinto - foi Orfeo diretamente ao que lhe interessava-. Um pescador mandou-me a ti. Poderias ajudar-me? 
-Ajudar-te a que? -disse ele com um gesto ambiguo- Qualquer pode percorrer esse laberinto, é só caminhar por seus caminhos, muitos dos viajantes que chegam aqui o fazem, se assomam aos alcantilados, desfrutam da paisagem e depois se vão... pára que queres o percorrer? 
-É uma longa e estranha história... -respondeu Orfeo. 
-Encantam-me as histórias longas e estranhas, ilustre hóspede, põe-te cômodo, sente em tua casa, descansa, permite-me que eu faça um par de trabalhos que tenho que fazer e depois te fica a desayunar comigo e ma contas. 

Após um singelo mas sabroso segundo café da manhã, Orfeo contou ao que vinha ao Fim do Mundo, sua viagem, seu sonho e nele, a contestación que tinham dado os espíritos que entravam ou saíam pelas bocas do Hades a sua petição de que o levassem com eles: “Percorre até o final teu laberinto” 
Quando terminou, Donnon, que tinha escutado a plena atenção, não parecia demasiado estranhado, como se escutasse histórias semelhantes a cada dia. Orfeo, interrogante, olhou-o e esperou. 
-A mim me parece que esse, “teu laberinto” -começou a dizer-, se refere ao laberinto dos caminhos que caminhaste em tua vida. E penso que é claro que não serás admitido, nem tu nem ninguém, no Mundo dos Mortos, até que o tenhas percorrido até o final. A cada um de nós tem marcado seu tempo de vida e de aprendizagem, dantes de que possa mudar de dimensão. Quando tenhas aprendido todo quanto tens vindo a aprender a esta escola que é a vida, quando tenhas feito aquilo que vieste a fazer, se cortará o fio de tua manifestação e poderás te reunir com tua amada onde ela se encontra agora. Isso é o natural. 
-Mas eu não quero esperar tanto... -respondeu Orfeo com paixão- Eu quero me reunir com Eurídice já. 
-Aqui há uns magníficos alcantilados para atirar-se por eles, como já percebeste em teu sonho -disse Donnon com essa ironía incisiva com a que os galaicos, de vez em quando, pareciam avariar os nevoeiros de seu afable macieza-. Mas é muito possível que, igual que nele, teus deuses não te permitam aceder, por causa do suicídio, ao nível no que se encontra tua mulher... senão talvez a outro, muito inferior, onde se te faça considerar durante bastante tempo e através de um verdadeiro sofrimento, que isso de tratar de se adiantar ao próprio destino pela via da autodestrucción só porque tens saudades a tua esposa, é uma falta de respeito ao destino, à vida, a tua esposa e a tí mesmo. 
-Compreendido -reconheceu o bardo, impaciente- Pára que é, então, esse laberinto que há traçado no monte? 
-Isso é um caminho de reflexão e de meditación sobre as oito etapas da vida... -contestou Donnon- Está dividido em cento dez estações que mostram como desenvolver ordenadamente as forças com as que nascemos e como pulir nossas emoções mais baixas, convertendo nossos desejos ignorantes, impossíveis de satisfazer, em desejos de atingir entendimento e sabedoria, os únicos capazes de unificar nossa pequena vontade com a do Cosmos, com o que qualquer pensamento se faz realizable, ao longo de um caminho que vai desde a Potencialidad até a Maestría... 
-E quem o traçou? 
-Uns dizem que tem estado aí desde que se formou o mundo, acompanhando a essa paisagem que a tí te parecem as bocas do Inferno e que quiçá o sejam (ainda que eu acho que o céu e o inferno só residem no interior da cada homem, e que tomam a forma, ante ele, que lhes dá sua própria cultura simbólica e sua imaginación)... Outros contam que o traçou um gigante que vinha de uma grande ilha que se afundou no meio do Oceano, para resumir nesse monumento a sabedoria de sua raça e que não se perdesse... -seguiu o velho levantando-se-... Em qualquer caso, é muito antigo e, várias vezes ao longo de muitos séculos, os tojos do monte cobriram-no até fazê-lo invisível... o que seguro que voltará a suceder em algum dia. Mas sempre acaba chegando por aqui um peregrino visionario que o sonha, o redescubre, limpa de novo de maleza os caminhos, as inscrições e as esculturas e o põe a disposição daqueles a quem lhes dá pelo percorrer. O último que o redescubrió foi meu instructor. 
-Teu instructor? 
-Sim, chamava-se Jaun e tinha nascido em algum lugar dos Pirineos. Entrou desde muito jovem como aprendiz em uma Fraternidad de Construtores Sagrados que operava sobretudo o Caminho das Estrelas. 
-Construtores Sagrados?... Mas eu tinha entendido que os íberos não construíam templos -disse Orfeo. 
-Homem, templos, o que os gregos chamam templos... não se costumam construir em Oestrymnis, ainda que aqui nas Altas Aras há um, que em realidade se levantou por causa do tráfico marítimo com fenicios e gregos, aproveitando o que ficava de uma grande galería dolménica de épocas muito antigas. Mas sim constroem-se em outras partes de Iberia, sobretudo em Levante e o Sur, onde há mais influência mediterránea. No entanto, o que mais lhe interessava a meu instructor não era levantar templos fechados com estátuas, ao estilo oriental, senão algo que em Oestrymnis chamamos “németon”. 
-Németon? E daí é isso? 
-Para a mentalidade dos Gal e de muitos outros povos deste país, toda a terra é sagrada e os seres humanos somos parte dela e de seu sacralidad. No entanto, há espaços naturais a céu aberto e muito amplos, montanhas, bosques, fontes, cascatas, lagos, ilhas, promontórios, praias, que, por sua evidente grandeza ou sua beleza, se convertem em espelhos da grandeza ou beleza que os homens adivinham em seu próprio interior. Comovem nossa sensibilidade e por isso são ideais para meditar, contemplar e se encontrar. Esses espaços de beleza pura, forte ou trascendente, reconhecem-se e consagram-se no sentir de todos como lugares de poder, e as comunidades vizinhas tratam de manter em sua pureza original para desfrute de todos. 
-Também há montes, rios e bosques sagrados em Tracia e na Grécia –disse o bardo, se lembrando de Eurídice-. Costuma-se encomendar seu preservación a fraternidades de sacerdotisas-ninfas. Mas pára que uma fraternidad de construtores em um país onde não se constroem edifícios templarios? 
-Porque, às vezes –explicou o galaico-, esses espaços se delimitan ou se embellecen com o tipo de geometría que tu poderias chamar hermética; ainda que não com estátuas de deuses semelhantes a homens o qual, para nosso gosto, nos resulta demasiado artificial, senão com muito rústicas obras de pedra carregadas de significação simbólica e profunda, sempre evocadora e próxima ao que parece criado pela própria natureza... e isso é o que se chama um némed ou um németon, um parque sagrado, se queres o chamar assim. Para nossos antepassados, que vieram de países muito longínquos, todo o País do Fim do Mundo que hoje chamamos País dos Gal, especialmente seu recortado litoral oeste, era um imenso németon natural. 
-Construía, então, parques sagrados teu instructor? -perguntou Orfeo. 
-Sim, e também muitas outras coisas: ao longo de sua vida Jaun colaborou em edificar muitos parques e instalações sagradas, ou em reformar ou ornar oratorios, aras, dólmenes, menhires e antigos lugares de poder... e foi ascendendo pelos diferentes graus de seu oficio. Mas, para chegar a Arquiteto (e estamos falando de Arquitectura Sagrada)... tinha que passar por um preceito de seu fraternidad, que consistia em peregrinar até o Fim do Mundo, enterrar ali ao homem velho e regressar como um homem novo. 
-Por que esse preceito para ser arquiteto? 
-Por um lado –seguiu explicando Donnon-, o país dos Gal, abundante em granitos da melhor qualidade, é o paraíso sonhado por qualquer construtor que utilize a pedra. Por outro, a rota que vem para aqui é uma rota tradicional e milenaria para adquirir conhecimento. Ademais, os dirigentes daquela fraternidad diziam que ninguém pode edificar ou reformar um autêntico templo exterior como é devido, se dantes não aprendeu a reformar ou reedificar seu próprio tempero interior, a morada habitual de seu espírito... de modo que Jaun empreendeu seu peregrinación pelo caminho por onde tu tens vindo, que é poderoso porque está carregado com os anseios e com as experiências de milhares e milhares de peregrinos durante muitos séculos... e o caminho foi agudizando sua sensibilidade e sua conexão consigo mesmo. 
Quando por fim chegou ao mar –continuou- na villa de Noela ou Noia, que está um pouco mais ao sul de aqui, teve que cumprir com outro rito de seu fraternidad, que consistia em uma morte simbólica. Isto é, tinha que passar uma noite na necrópolis do povo, dentro de um sepulcro de pedra que a cada aspirante a arquiteto lavrava dantes por si mesmo. Jaun meditou muitas coisas durante os dias em que o esteve lavrando e mais ainda a noite que se deitou nele e fechou a tampa. E também teve, como tu, um sonho: um sonho no que se lhe aparecia um laberinto em forma de oito, sobre uma montanha que olhava ao mar. 

Ao dia seguinte saiu do sepulcro e gravou sua marca de cantero na lápida, que era uma espiral perfeita terminada em uma pata de oca. Depois foi entregar-se sua memória do passado à Deusa do Mar, entrando nu nela e deixando que lhe passassem por em cima nove ondas, como os nove meses nos que se gesta um corpo humano, se sentindo um homem novo quando regressou à praia. 

Com aquilo ficavam cumpridos os preceitos rituales de seu hermandad e Jaun já podia regressar, mas ainda não o fez. Dedicou-se a explorar os cabos que olhavam ao mar, buscando o laberinto que tinha visto em sonhos. Não o encontrou nos promontórios e montes que encerravam a baía de Noela, apesar de que estavam cheios de monumentos de pedra realizados em épocas antiquísimas; inclusive contava-se ali a lenda de um sobrevivente do hundimiento da Ilha do Edén que tinha desembarcado no monte e cuja neta fundasse a villa. 
Seguiu então buscando por todos os cabos que tinha mais ao sul e, por fim, em um deles que olhava a umas ilhas que fechavam a ria, descobriu um pequeno laberinto gravado na rocha, quase oculto pelas malezas. Jaun limpou bem a zona e o deixou ao descoberto. Mas não era um laberinto de duplo voluta, como o de seu sonho, senão simples, a base de círculos concéntricos, com um caminho que chegava até o centro... Desenhou-o e ainda esteve buscando mais pela zona, mas nada achou salvo repetições ou antigas cazoletas cuja função não soube se explicar. Finalmente regressou junto a seu Fraternidad, recebeu o grau de Arquiteto e durante vários anos esteve dirigindo a construção de vários nemetones ao longo das zonas orientais da Rota Sagrada. 
Nunca pôde esquecer seu iniciación e passava o tempo livre desenhando e desenhando ambos laberintos, o descoberto e o que tinha visto em sonhos. Seus desenhos acabaram dando-lhe uma série de inspirações e informações preciosas, com as quais enriqueceu seus conhecimentos de arquiteto e sentou um novo estilo que, no entanto, não desentonaba dos estilos templarios anteriores. 

No dia em que cumpriu cinquenta e três anos, tendo justo arrematado as obras de sua última instalação sagrada na cimeira de um monte, Jaun se despediu de seus colegas e peregrinó de novo a pé até Noela. Desta vez buscou a fundo por cabos e montanhas, mas não encontrou nada novo. Seguiu depois mais ao norte e acabou chegando a esta praia. Assim que viu-a, reconheceu-a, apesar de que a montanha estava coberta de matojos espinosos e ninguém lhe prestava a menor atenção. Nem sequer subiam a por forraje ou lenha, que abundaba mais abaixo. 
Eu tinha nascido aqui -seguiu Donnon- e me contratou, junto a outros dois rapazs, para que lhe ajudássemos a limpar de espinos o monte. Quando o fizemos, o Caminho Laberinto, as trinta e quatro esculturas que marcavam suas estações principais e as setenta e seis rochas com petroglifos inscritos, que assinalavam as estações secundárias do Caminho Evolutivo, apareceram claramente ante nós... e também se fizeram visíveis para todo o povo. 

Aí estalló a polêmica: todo mundo falava do laberinto, uns a favor, outros na contramão, por motivos de todo tipo ou por puro capricho; alguns idosos recordavam ter ouvido contar a seus avôs que tinha um tesouro enterrado naquele monte, ainda que nunca pensaram que seria um tesouro de sabedoria. Outros diziam que lhes dava mau agüero ver desde suas casas aquele grande signo, que podia ter que ver com coisas de paganos, superstições e brujerías dos antigos habitantes bárbaros e atrasados do Cabo, vestígios seus que não era conveniente que voltassem à luz, já que para isso os tinham conquistado, civilizado e dirigido para a verdadeira fé nossos antepassados. 
Uns quantos diziam que o tal Jaun, um estrangeiro, tinha construído aquilo por vaidade, por afán de notoriedad, sem lhe pedir sua permissão aos nativos. Quando os outros rapazs e eu assegurávamos que não, que todo isso estava para valer embaixo dos tojos, poucos nos criam e muitos preferiam supor que éramos cúmplices a salário do arquiteto. 

Finalmente o Conselho do povo fez-nos comparecer a todos ante ele e julgou o caso, lhe perguntando a Jaun as razões que lhe tinham movido a construir, reconstruir ou pôr ao descoberto aquela forma tão aparente, que fazia perder à paisagem do povo seu aspecto de “toda a vida”. Quando o forastero falou de que o tinha visto em sonhos e que não pôde deixar de pensar em isso até o descobrir e o expor, ninguém ficou convencido com essa singela explicação da verdade; suspeitavam que baixo ela se ocultavam propósitos inconfesables... Jaun foi expulso da comarca e ordenou-se-lhe que não regressasse mais. A nós nos ordenaram que voltássemos a cobrir o caminho com os tojos que tínhamos cortado e que já estavam secos. 
Assim o fizemos e ninguém nos pagou por nosso trabalho de fazer regressar ao monte a sua imagem acostumada. Mas quando a primeira tempestade, que aqui são freqüentes, se levou os tojos secos e deixou ao descoberto o caminho, nenhum dos que dantes tinham protestado quis se tomar a moléstia de subir ao cobrir, já que confiavam em que o rápido crescimento natural dos tojos nesta terra tão úmida o ocultaria muito cedo. 
No entanto, alguns dos peregrinos que acabavam seu peregrinación no faro, subiram às Aras Altas e descobriram o laberinto desde ali. A partir disso, teve comentários e muitos outros peregrinos começaram a patrulhar seus caminhos, o que impedia que fossem novamente cobertos pelos tojos. Ao cabo de um ano, chegavam os peregrinos ao povoado dos nerios e, dantes de perguntar pelo faro, já estavam querendo saber onde podiam encontrar “o Laberinto do Fim do Mundo”. Um dos rapazs que tinha trabalhado para Jaun e eu mesmo começamos a guiar aos peregrinos ao laberinto, com o qual nos ganhávamos algo e, quando nos perguntavam o que significavam aquelas esculturas e signos, falávamos de serpentes e dragões e inventávamos histórias fantásticas que, repetidas por muitas outras bocas, se convertiam em mais fantásticas e absurdas ainda. 

Por fim, em um dia, eu me decidi a sair de meu povo e a conhecer o mundo, aproveitando a amistosa companhia de alguns peregrinos que regressavam a sua terra. Quando andava com eles pela parte dos Pirineos, fiquei impressionado por um circuito de menhires em forma de laberinto que ornaba o centro de um németon no claro de um tupido e antigo robledal à beira do caminho. Perguntei quem tinha feito aquilo, e me disseram que o maestro Jaun e que representava as estações da aprendizagem profunda do homem em seu caminhar pela vida. Só três anos depois pude encontrar de novo ao arquiteto. 
Estava construindo outra instalação sagrada, composta por galerías cobertas, caminhos e parques, em um ponto onde confluyen os caminhos que vêm de toda parte ao Caminho das Estrelas e onde quase começam as planícies do norte. Cheguei em uma época na que estavam contratando operários, me apresentei, lhe recordei quem era e me aceitou com cariño. Trabalhei com ele mais de três anos e foi meu maestro e quem me recomendou à Fraternidad de Construtores, na que consegui atingir os dois primeiros graus do oficio. 
Jaun introduziu o laberinto em sua instalação quando desenhou os jardins do claustro, que é um lugar de meditación ao ar livre. Naquela parte da obra eu fui seu principal ayudante e assim foi como se converteu em meu instructor, me mostrando o sentido profundo das estações, que não tinha nada que ver com as bobadas que nós lhes tínhamos estado relatando aos peregrinos. Jaun teve um especial cuidado em instruir-me devidamente, pois dizia que em algum dia voltaria ao Extremo Occidente e serviria de guia aos peregrinos. 
Mas quando acabou aquela obra eu segui percorrendo o mundo em um contínuo vagar que minha alma me pedia, chegando inclusive até Grécia e Egito; aprendi um pouco de grego e muitas outras línguas, mas ingenié de mil maneiras diferentes para ganhar-me a vida sem perder minha liberdade, juntei-me a mulheres, separei-me... e interessei-me em toda parte pelas crenças e lendas dos muitos povos que conhecia, me dando conta de que sempre se continham as mesmas forças essenciais por trás das diversas formas com que a cada tribo enfeitava a suas divinidades. 
Em um dia cheguei a uma cidade jonia da Ásia Menor, Éfeso, e surpreendi-me quando me disseram que o monte que a coroava se chamava Pión, como aquele outro de minha terra onde se redescubriera o laberinto. Para então já me tinha inteirado que em grego "Pión" significa, como sabes, "rico". Efetivamente, o de Éfeso era um monte rico porque ali tinha estado, desde épocas remotas, o templo de Hécate, a Antiga Deusa matriarcal que reinava nos Infernos dantes de que a substituísse no trono o patriarcal Hades. Tratábase de um templo importantísimo e recebia inumeráveis oferendas de peregrinos... ainda que já estavam disfarçando à velha Hécate de Artemisa, a Lua, que é unha deusa olímpica mais conveniente para se adaptar aos novos tempos, tu já sabes. 

Nove anos depois voltei a passar pelo németon onde tinha trabalhado. Inteirei-me, com tristeza, que o maestro Jaun tinha morrido e, com mais tristeza ainda, vi que um novo arquiteto, que não pertencia à Fraternidad, tinha destruído o laberinto do claustro, substituindo por uma fonte de pedra adocenada e puramente decorativa, das que começavam a se pôr de moda nos claustros e jardins por influências do país vizinho. 
Ante aquilo, senti de repente que tinha uma missão importante e regressei a minha terra. Médio laberinto estava já tomado pelos tojos de novo, bem como muitas das rochas nas que estavam inscritas petroglifos, mas ainda alguns peregrinos se interessavam por ele de vez em quando e recebiam aquelas estúpidas explicações sobre seu significado, que agora eram, já, completamente ininteligibles. 
Sem pedir-lhe permissão a ninguém, me dediquei a limpar de novo todo o recinto por mim mesmo. Como eu era um nativo desta tribo e como os antigos membros do Conselho tinham morrido e foram substituídos por uma nova geração que sempre teve à vista o caminho de espirales, pelo qual já lhes resultava algo familiar e até emblemático de seu povo, minha iniciativa não só não chocou com as forças vivas, senão que até foi bem acolhida. 
Isso me permitiu construir esta humilde moradia no bosque e cerca do laberinto sem que ninguém se opusesse... e empezé a guiar de novo a quem interessava-se, desta vez iniciando-os na verdadeira ciência do laberinto que Jaun me tinha transmitido e que eu a cada vez compreendia mais, a aplicando inclusive, ao seguimiento de minha própria evolução como pessoa. 
Agora já não tenho que sair ao encontro dos peregrinos, como dantes, senão que vocês mesmos, como tu o fizeste, me vindes a buscar a minha própria casa para que vos oriente. E até posso dar-me o luxo de escolher, instruindo com profundidade às pessoas em quem vejo um verdadeiro interesse, enquanto demissão aos simples curiosos com uma explicação mais superficial, ainda que também é verdadeira... 


-Se, pelo que te entendi -disse Orfeo quando Donnon terminou de contar sua história-, esse caminho de espirales serve para ordenar as experiências vividas e para descobrir o quanto antes o sentido da aprendizagem que a cada um veio a assimilar em sua vida e se isso serve para que os deuses me considerem preparado para mudar de dimensão e chegar a onde está Eurídice, te rogo que me instruas com profundidade no conocimento do laberinto. 
-O laberinto não só supõe um conhecimento –respondeu o galaico-, supõe ademais um treinamento para executar uma ação efetiva. Porque o conhecimento é éstéril se não se aplica a conseguir um objetivo. Teu objetivo, parece-me a mim, deveria consistir em reunir suficiente poder de convicção e méritos como pára que Hades, dentro de ti, escute tua petição clara de que te sejam abertas as portas do Profundo, a fim de reencontrarte com tua alma amada. 
-Assim é também como eu o vejo –disse o bardo. 
-Então o laberinto deveria servir-te para visualizar as etapas anteriores de teu caminho vital nas quais reuniste poder e merecimiento para conseguir um objetivo... e para meditar sobre por que o conseguiste ou não o conseguiste, a fim de que possas ver com clareza quais são as maneiras de proceder, dentro de tua própria forma de actuar, que te conduzem ao sucesso ou ao falhanço... ou, sendo mais concreto, por onde é que se esvazia tua força quando mais a precisas usar. 
Orfeo sentiu um mal-estar interior, algo bem como um vazio mais acima do estômago. 
-Sempre me deu medo analisar as causas de meus falhanços -confessou com verdadeiro esforço-. Acho que dói-me remover feridas, isso joga bastante por terra minha autoestima. 
-Se dói-te, é porque nunca foram bem curadas –respondeu suavemente Donnon-. E não se deve ir livrar o Combate Decisivo enquanto tenha pontos débis na própria estrutura. Se não reforças agora a torre de tua própria fortaleza interna, a verás dentro de muito pouco se derrubar. 
Orfeo deu-se conta então de que, efetivamente, se achava ante o Combate Decisivo. O Caminho até o Fim do Mundo tinha-se acabado, já estava ante as Portas do Inferno e só restava conseguir que lhas abrissem ou se marchar derrotado. 
Bem... Estou disposto a analisar as causas de meus falhanços anteriores –disse-, a averiguar por onde se esvazia minha energia, a tratar de curar completamente essas feridas, ainda que tenha que lhes arrancar a costra que as protege... e a treinar-me e fortificar-me para conseguir o que quero... custe o que custe e durante o tempo que faça falta, já que também não tenho nada mais importante que fazer e sento que minha vida está passando a toda velocidade... quererás ajudar-me? 
-Expressaste-o muito bem, Orfeo -respondeu Donnon -, claro que te ajudarei um pouco... se tu te ajudas a ti mesmo um muito. Descansa e prepara-te, porque amanhã mesmo começaremos a percorrer juntos o Laberinto. 


Efetivamente, a partir do seguinte dia, o tracio foi iniciado no conhecimento do Caminho Evolutivo, conhecimento no que foi progredindo rapidamente, já que os ensinos de seu maestro Quirón, as das Escolas de Mistérios de Samotracia e Eleusis, sua viagem a Egito, o aprendido com Hércules ante o Laberinto de Creta e todas as experiências pelas que passou em seu anterior caminho vital, o tinham preparado perfeitamente para que o Laberinto do Fim do Mundo não tivesse que fazer outro papel que o do reciclado das vivências de uma intensa vida, a fim de extrair seu significado geral e sua aprendizagem. 
-Em verdade, não saberia como iniciar no conhecimento do Laberinto a ninguém que viesse em branco –tinha dito Donnon-, o único que eu posso fazer é reconhecer a um iniciado que já traz um longo caminho feito e lhe facilitar que o conhecimento que extraiu de sua vivência se adecúe a este molde de síntese. 
No primeiro dia tinha-o levado a percorrer tão só as estações da primeira voluta do oito, a mais baixa, e depois tinham regressado ao princípio, repasándolo tudo. 
-Desde que desenvolveu o uso de imaginación e de razão –explicou Donnon-, o ser humano inventou-se todo tipo de deuses para se explicar o mundo, mas o único que segue tendo claro é sua imensa ignorância ante a infinitud do Mistério do Universo, que é o motor que lhe impulsiona a se fazer perguntas, especular, buscar e evoluir. Estamos compostos, em nossa estrutura mental primária, por uma série de elementos básicos, que meu instructor chamava os Perpétuos Essenciais. O mais vasto deles é o Mistério, que ocupa a maior parte de nossa mente. 
Sobre o fundo espacial do Mistério –seguiu instruindo- surgem, como os planetas luminosos mais próximos que o povoam, nossas três primeiras identificações: há em nossa origem um Pai e uma Mãe, e sempre estarão em nós, que somos o Filho. 
Nossos pais deram ao que somos um veículo contenedor formado por quatro elementos: intelecto, emoção, energia vital e estrutura física. Com todo isso temos que fazer o longo Caminho que vai da Potencialidad à Maestría. 
Outros dois arquetipos fundamentais completam a estes oito primeiros: o Guardião da Ombreira, o ego, que sempre está filtrando, traduzindo e interpretando o que nos chega do Mistério à consciência, e A Sombra da Luz, isto é, a limitação, a necessidade, a preocupação, o medo, que é nosso repto. 
Quando começamos a caminhar sobre o Laberinto da Vida descobrimos que não vimos em alvo, senão que a cada um de nós arrasta, de anteriores existências, um montão de importância, as caras do ego, a cada uma possuída por seus próprios desejos ignorantes, que temos de aprender a transmutar, para que o mais autêntico em nós mesmos possa ascender até o alto de nosso céu mental e brilhar ali como brilha o sol quando não há nuvens. 
Essa aprendizagem vai-se fazendo através das etapas e estações do Caminho mesmo, que é uma escola vital com vários cursos, os quais são graus escalados de pulimiento e entendimento. Quando se chega, por fim, ao último, a Maestría de teu amor te converte em um Ayudador. Só então te será possível descer aos Infernos sem morrer, ao resgate de tua alma amada. Só então é possível que teu elevado amor, alumiado por tua sabedoria aprendida e ligado com a fonte de todo poder, seja capaz de alumbrar um segundo nascimento para ti mesmo ou para outros.- 

Já em sua casa, Donnon lhe fez anotar e desenhar o que recordava de seu passeio, lhe encarregando que meditasse sobre isso, sempre referindo às forças que integravam sua personalidade e às experiências da primeira metade de sua vida. 
Depois entregou-lhe um pequeno laberinto que tinha feito em varro, de um tamanho que se podia cobrir com as duas mãos estendidas. 
-Isto é um laberinto genérico -explicou-, mas tu o vais a personalizar, o vais converter em “teu laberinto”. Trata-se de que vás acrescentando ou tirando varro, para criar as alturas e baixadas do caminho de tua vida, ao longo de ciclos de sete anos. As alturas vêm marcadas pela intensidade com que viveste os períodos mais significativos da cada ciclo, já fossem de prazer ou de luta. As baixadas marcam os momentos de rutina, de estancamento, de crise, escuros, tortuosos, aburridos, dormidos, vazios, planos, mas preparatorios das subidas que viriam depois. Esta construção é um exercício de meditación criativa... segundo vais dando forma no varro à cada período de tua vida, deverás reciclar em tua cabeça a cada importante aprendizagem que se extraiu dele. 
Orfeo ficou assombrado: o que lhe estava propondo Donnon era praticamente igual ao que Hércules tinha desenvolvido por si mesmo em Creta, ao outro lado do mundo, para meditar sobre os ciclos de sua vida; só que o coloso construiu um laberinto personalizado bem grande sobre a areia de uma praia e o que ele tinha que fazer era mal uma pequena maqueta em varro. Quando lho contou a seu instructor, sorriu e mal disse: 
-Já vês... Nada há novo baixo o sol! Que deus lho terá inspirado?... Em fim, se serviu-lhe a teu amigo, talvez a ti também te sirva. 

No segundo dia Donnon levantou-lhe dantes da alva. 
-Estás no momento de desenvolver disciplina, que é a finque fundamental para fortificar o corpo, a autoestima e a força da própria vontade. Vai-te a caminhar pelo monte, contempla a saída do sol, faz exercícios gimnásticos e depois regressa aqui. 

Quando regressou, Donnon lhe entregou um longo cayado de madeira e ele tomou outro. 
-Para meus golpes!- gritou-lhe, e em seguida lhe largó um bastonazo ao centro da cabeça do que Orfeo só se pôde salvar gerando de súbito e instintivamente o estado de alerta necessário para se pôr em guarda total e o parar. 
Donnon não lhe deu tempo a se queixar, seguiu largándole golpes a toda velocidade, aos que tinha que responder com a mesma rapidez. Assim que quis pedir-lhe que parasse, perdeu atenção, foi pillado em zancadilla e se veio ao solo. 
Seu instructor deu-lhe a mão para ajudar-lhe a levantá-lo, mas, assim que esteve em pié, voltou ao ônus. Desta vez Orfeo pôs todo seu interesse e toda sua atenção em resistir e resistiu. 
Donnon arrojou seu pau a um lado e jogou-se para atrás, rindo a gargalhadas. Orfeo sentiu-se aliviado e riu também. 
-Não estás mau de reflejos -disse-, mas vamos treinar um pouco de luta todas as manhãs. Só um corpo ágil e seguro é capaz de manter a força de uma mente ágil e segura. 

Fizeram um singelo café da manhã e Donnon voltou a acompanhar-lhe a percorrer a primeira metade do laberinto e volta. Depois deixou-o só todo o dia no bosque, junto ao ribeiro, construindo seu maqueta personalizada e meditando. 
-Se não te parece mau, não vais comer a meio dia –disse Donnon-, para que toda tua energia esteja nestes dias em teu coração e em tua cabeça, e não no estômago, te pesando e te adormecendo. 
-No entanto -acrescentou, entregando-lhe uma fina copa de bronze bruñido, sonora e vibrante como unha campanilla-, vais beber água deste regato, e bastantees vezes ao dia, durante o tempo que passes aqui. Nosso corpo está formado por uma maioria de água, que contém velhas informações. Vais mudá-las todas por uma sozinha: a que constitui teu principal objetivo. Uma vez que tenhas claro o que queres conseguir, o converterás em uma imagem, na que se veja que já o conseguiste, sem que te traia a menor dúvida. A cada vez que bebas, deves colocar dantes, mentalmente, essa imagem no auga de tua copa. Logo as tomadas com muita consciência. Em poucos dias, este ritual informará até à mais escondida de tuas células de teu firme propósito, para que nenhuma delas deixe de colaborar”. 
Orfeo deu-se conta de que Donnon lhe estava dando o mesmo conselho que "O Homem do Roble", e decidiu o seguir. Meditou durante aquela manhã sobre o que realmente queria, e elaborou a imagem de seu desejo: Eurídice e ele abraçados de novo, rodeados de natureza e de música, compartilhando atardeceres, vivendo, amando e morrendo juntos-. Colocava imaginativamente aquela cena na água de sua copa e bebia-a, sentindo como seu propósito lhe inundava por dentro, se fazendo a ele todas suas potências. Manteve-se sem comer todo o dia, mas o que bebeu lhe enchia de força, a que dá a esperança e a autoconfianza. 

Pela tarde, sua instructor foi buscá-lo para que cozinhassem e cenaran juntos e ali escutou todo quanto o bardo tinha para contar ou perguntar, sem permitir, em nenhum momento, que a conversa derivasse para outras qüestões que não supusessem a concentração em compreender a esencia do vivido. Depois o convidó a contemplar o ocaso. 
As horas do amanhecer e do entardecer eram sagradas para Donnon. Levantava cedo a seu hóspede com cordial autoridade e fazia-o caminhar entre as primeiras luzes da alva, até chegar a um ara de pedra que tinha construído no alto do monte, sobre o laberinto, protegida com uma coberta, para poder guarecerse nos dias de chuva ou vento forte, muito correntes na região. Ali acompanhava-lhe a beber sua primeira copa de água visualizada do dia, enquanto recebiam ao sol com uma meditación silenciosa, a cada um a sua maneira. 

Durante o jantar não se tomavam mais que comidas frugales e aquela água carregada de propósito. Fazia-se, também, ayuno de palavras, trocando mal as imprescindibles ou as que tivessem que ver com o processo. Donnon, no entanto, por médio de sorrisos e miradas, não deixava de criar um clima de cálida amabilidad no que seu hóspede se sentia apreciado, atendido e muito a gosto. 
Ao entardecer repetiam a mesma meditación da manhã. Depois do ocaso não se injerían mais alimentos, para que a digestión estivesse feita dantes de se ir a dormir, o que não demoravam, para poder se levantar temporão. O instructor aconselhou-lhe que prestasse muita atenção a todos seus sonhos e inspirações durante aquele período. 

O que melhor ficou gravado em sua memória e na memória de sua pele, foi um sonho erótico: passou toda uma noite fazendo o amor com Eurídice na mesma cabaña alugada, cerca do Bosque das Ninfas, onde se encontravam com freqüência dantes de que Orfeo partisse com os argonautas: 

-Mata-me! mata-me! mata-me! -gritava ela um instante dantes de precipitar pela catarata do gozo para a lagoa do vazio. 
Seu amante detinha então todo movimento sem se sair dela, elevava até a frente a energia gerada e se tumbaba a desfrutar de um relax placentero que acabava também em uma espécie de dimensão de não existência dentro da existência, em um espaço de desconexión e morte, do que só ao cabo de um bom momento ia regressando pouco a pouco, se sentindo renacido. 
Eurídice ainda dormia. Orfeo contemplava aquele corpo, perguntando-se onde estava sua dona, se perguntando que era isso do prazer e do amor, para além do espaço habitual e do tempo, que era isso ao que tende o instinto e o desejo do corpo... 
-“Que é esse estado único de ausência de tensão, de ansiedade, de necessidade, de desejo que almejamos, senão a morte?” –pensou- “Que, senão um estado de incerteza, tensão, ansiedade, necessidade e desejo, é a vida?... Pareceria que é a não-vida o paraíso a que aspiramos”. 
Depois veio no sonho outra imagem muito antiga, uma que sempre tinha acompanhado os pesadelos dos reis pelasgos até a chegada liberadora dos gregos: O inseto hembra chamado mantis religiosa devorando a sua macho após ser fecundada. A mantis converteu-se em uma estátua horrível de Hécate como Deusa da Morte, que tinha visto em um templo da Cólquide: um corpo nu de mulher com colmillos de pantera, que ria enquanto dançava sobre calaveras, alçando um sable curvo amenazante em sua mão direita, ao mesmo tempo em que agitava um atado a mais calaveras com sua esquerda. Também esta imagem começou a difuminarse, e em seu lugar apareceu a de Llilith, a maga-serpente, também entregada à dança, mas de uma forma refinadamente sensual. 
Ainda que desde fora pareça-te horrível a morte, amado tirano meu -disse com uma voz dulcísima, serena e profunda-, quando por fim se experimenta, a alma se encontra ante um estado de paz tão grande que se perde todo desejo de regressar a este mundo-inferno de limitação e ânsia no que por agora te encontras. 

À manhã seguinte, subiu ao ara que tinha no alto do laberinto , acumulou ramitas secas sobre ela e, com sua espada ibérica, voltou a sangrarse sobre a lenha. Depois prendeu-lhe fogo, oferecendo um sacrifício à lembrança de Llilith e ao de todas as pessoas às que tinha feito dano em sua vida, lhes rogando que lhe perdoassem, lhes prometendo que, a partir de agora, renunciava para sempre a qualquer violência, e se perdoando também a si mesmo. Para terminar seu rito, cavou a terra com suas mãos e deixou enterrada a espada nela. 

Nos dias terceiro e quarto, Orfeo esteve só no laberinto tanto tempo como quis, trabalhou o de arcilla, bebeu muitas “copas de desejo cumprido” e também baixou a bañarse na praia, ainda que não devia acercar ao povo, para não distrair sua concentração do que interessava. Passou depois muito tempo assomado aos alcantilados da Unha de Pedra, rogando pára que se lhe abrissem os caminhos que conduziam a Eurídice, a quem sentia próxima como nunca, o mesmo que sua esperança de reencontrarla. Foi a recolher um ramito de flores e arrojou-as pelo barranco, ante a boca da gruta, em oferenda a ela. 
Depois dirigiu-se a Apolo, que se encaminhava sem medo para o abismo, sobre o horizonte de poente: 
-Deus da Luz, obrigado por fazer-me digno dessa mulher. 


Uma daquelas tardes viu passar, a não demasiada distância do cabo, a uma bandada de umas vinte baleias grandes e pequenas que deviam estar migrando para o sul desde mares mais frios. Seus arqueados lombos, subindo e baixando entre as ondas, destacavam-se sobre o fundo do entardecer incipiente. Sem dúvida encontraram-se um banco de sardinas a seu passo, o que lhes fez descrever uma curva e se acercar ainda mais à costa. Dentre elas sobresalían dois que jogavam, talvez se tratasse de um cortejo amoroso. Orfeo pôde vê-las descrever um par de saltos, nos que apreciou as grandes estrías de sua garganta e da parte delantera do peito, bem como a força de suas filas. 

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