domingo, 11 de setembro de 2011

23- LAERTES DE ÍTACA

LAERTES DE ÍTACA     

Desde a arenosa Pylos, contorneando a ponta de Élide e cruzando da uma à outra boca do longo golfo de Corinto que separa, como os cortando, o Peloponeso de Etolia, a nave “Astarté” vinho a atracar à escarpada ilha de Ítaca, separada por um estreito de sua ilha irmã de Cefalonia, que era a pátria de Laertes, filho de Arcisio e Calcomedusa, os monarcas locais. Também Laertes, igual que Néstor, tinha tentado ser parceiro de Orfeu na aventura argonauta, mas não conseguiu passar a estrita seleção, já que Faleiro de Atenas lhe tinha superado na prova de tiro com arco, apesar de seu maestría. 

De novo o trácio convidou a Beleazar a que subissem ao palácio real, bastante mais modesto que o de Pylos, a saudar a um amigo. E encontraram-se com que Laertes fazia pouco que era rei de Ítaca e que estava casado com Anticlea, uma bela mulher de olhos profundos e apasionados que pareciam olhar para dentro. Tinham um filho de uns três ou quatro anos, Laertes tinha assistido ao casamento de Orfeu e Eurídice e por então encontrava-se solteiro ainda. O garoto, que se chamava Odiseo, era robusto e com os mesmos olhos que sua mãe, ainda que virados para fora, muito inteligentes e sagaces, que não perdiam detalhe. 

.

Após a recepção, o capitão Beleazar retirou-se muito satisfeito porque o rei tinha ordenado a seus assistentes que lhe atendessem a ele e a sua tripulação como amigo de sua família enquanto estivesse em Ítaca e também lhe tinha encarregado recados seus para a ilha de Nerito em Dalmacia, que lhe permitiriam estabelecer novas relações comerciais. Foi então quando o rei e Orfeu se retiraram a um jardim e estiveram muito momento conversando sem protocolo, recordando as competições na praia de Pásagas em Ptía, durante a seleção da tripulação para o “Argo”, as aventuras vividas por Orfeu na Cólquide e também a azarada morte de Eurídice, justo após tão belo casamento.
Em determinado momento, o principito fez como que aparecia por ali por acaso, até que o rei lhe pediu que se acercasse. Levava um arco em verdade demasiado grande para um menino tão pequeno e uma seta. Laertes sorriu com os olhos para Orfeu e assinalou uma árvore que se encontrava ao outro lado do jardim. Sulpreendentemente, o menino tensó o arco com uma força inesperada e a seta foi a fincar no centro do tronco. Ambos homens aplaudiram. Laertes arrancou a saeta, entregou-lha com uma inclinação e o garoto marchou-se muito orgulhoso de sua façanha.
-Teu filho é impressionante -disse o bardo com sincera admiração.
-Bom, realmente não é meu filho, Orfeu, senão o do casal anterior de minha mulher; mas como já não tem pai, porque morreu, eu serei o seu e o serei com muito gosto, pois realmente Odiseo é um menino excepcional. Claro que essa excepcionalidad vem, em grande parte, do gênio de seu pai biológico.
-E quem era ele? -perguntou Orfeu.
-Pois chamava-se Sísifo e era o primeiro rei, de origem cretense, de Éfyra, que agora os gregos chamamos Corinto. Foi um homem tão insolente e astuto que se atreveu a desafiar aos deuses, inclusive se conta que conseguiu debochar a Hades e escapar dos Infernos por um tempo.
-Que me dizes! -se esperanzó Orfeu- Conta-me essa história, faz favor.
-Mais que uma história é um mito que sua família e seu povo desenvolveram, para deixar constancia do extraordinariamente astuto, sagaz e retorcido que Sísifo era, ainda que o que há, realmente, por trás do conto, é a lição do que lhe ocorreu a um rei que, como ele, defendeu até o último momento à antiga religião decadente do Triplo Deusa contra Hades e contra a nova ordem que os gregos viemos a instaurar.

Éfyra estava sem água por causa de uma prolongada seca na região e o rei fez todo o possível, já por caminhos direitos ou torcidos, para que sua cidade não passasse sejam. Abordou tenazmente muitas prospecciones, que complementava com sacrifícios e rogativas à Grande Deusa, mas todo foi em vão e a imensa maioria de suas súbditos se preparava para emigrar. Então chegou sua oportunidade: inteirou-se por seus espiões de que Zeus tinha raptado à bela Egina, filha do deus–rio Esopo e se dirigiu ao agoniado pai para lhe dizer que lhe daria o nome do raptor se abastecia com uma fonte a sua cidade.
Esopo acedeu, e acabou recuperando a Egina -seguiu Laertes-, mas Zeus ficou tão ofendido pela delacião, que enviou a Tánatos, a Morte, a que esposara a Sísifo e lho levasse para sempre ao Hades ,e assim o tentou... mas esse rei era tão pronto e tão cheio de malícia e truques, que enganou a Tánatos e conseguiu aprisionarlo com suas próprias esposas e o encerrar. Ao estar preso, não podia cumprir sua função e ninguém se morria no mundo. Hades viu interrompida durante um tempo a chegada de novos súbditos a seu reino intraterreno e queixou-se a Zeus, que enviou imediatamente ao feroz Ares a que libertasse a Tánatos, quem executou então com muita vontade e com dor a Sísifo.
Orfeu deduziu, traduzindo a realidades históricas a simbologia que tinha por trás da narração mítica de Laertes, o seguinte: que os dirigentes patriarcais do prepotente reino vizinho de Micenas teriam enviado a um sacerdote de Hades a Éfyra para impor a substituição da religião da Deusa pela dos Olímpicos; que Sísifo lho teria tratado de impedir, encadeando ao sacerdote, e que o exército aqueu, Ares, Marte, teria atacado ao cretense e acabado com ele, ou coisa pior.
-...Mas o sagaz rei Sísifo previa que, tarde ou cedo, isso acabaria acontecendo, -seguiu contando Laertes- pelo que tinha deixado instruções a sua esposa para que não lhe fizesse, nem ela nem seu povo, nenhum rito funerario, senão pelo contrário, que expusessem seu corpo em uma praça pública. Assim, segundo as leis do Hades, o barqueiro Caronte não podia cruzar a lagoa Estigia com uma alma que ainda não tinha sido devidamente cremada ou enterrada. E o Rei do mundo dos Mortos não teve mais remédio que enviar à alma do morto, vehiculada em seu corpo astral, a Éfyra, para que reprendiera a sua mulher e lhe demandara exequias.
Então Sísifo aproveitou para ficar o tempo todo que pôde com ela e com seu hijito recém nascido, ainda que só fosse como fantasma, e para desfrutar do agradecimiento de sua cidade, que graças a ele tinha agora água. Como ninguém se cuida de um morto, e menos de um fantasma tão discreto, conseguiu que passasse em um ano antes de que Hades se desse conta de que tinha sido debochado de novo e mandasse a Hermes que o trouxesse ao Tártaro definitivamente. A lenda termina contando que, quando chegou ali, sua condenação, por reincidente ,consistiu em passar todo seu ciclo de purgatorio astral subindo a uma colina uma pesadísima pedra redonda que, ao chegar à cume, voltava a rodar para abaixo de novo, para que ele e os demais mortais aprendessem que é tarefa vã tratar de enganar aos deuses.
-Se não se lhes pode enganar –disse Orfeu, se lembrando de que também tinha impedido celebrar ritos funerarios por Eurídice-, se poderá negociar com eles, ou conseguir que se compadezcan...
-Eu não o sei, amigo... com uma história como essa na família de minha esposa, te poderás imaginar que eu ando com muita prudência em todo o que se refere aos deuses -respondeu o soberano sorrindo.


-...E falando de outro assunto, Laertes –disse Orfeu, suspeitando que o que acabava de ouvir era a versão da história de Sísifo que seus inimigos tinham criado para que servisse de escarmiento aos outros vencidos-... Aparte de que conseguimos o Vélado d´Ouro, glória e fama Se pode ver já na Grécia que tivesse alguma outra conseqüência interessante nossa expedição à Cólquide?

-Pois o pobre Jasão não conseguiu que lhe reconhecessem como rei de Ptía, porque aquela maldita feiticeira de Medea com a que se casou, conseguiu enganar às filhas de Pélias e provocar sua morte com tão más e sujas artes, que seu povo não quis ter a tal bruxa despiadada por rainha, de modo que preferiu ceder seus direitos ao filho argonauta de Pélias, Acasto, e revindicar, em seu lugar, os de Medea ao trono de Éfyra, o conseguindo; que foi pelo que eu me trouxe a Anticlea e Odiseo a Ítaca, para que não tivessem que a suportar... A mim não me cabe dúvida que aquela romântica aventura vossa foi um primeiro passo exploratorio dos aqueus em sua natural ambição por tratar de dominar o outro lado do Egeu e o comércio asiático.
…Não sê se sabes, Orfeu, que os micénicos, dirigidos por Atreo, estiveram saqueando e destruindo todo o que os egípcios deixaram do antigo império Hitita ao sul da Ásia Menor, esse foi o segundo passo –lhe seguiu confidenciando Laertes- e que, unidos em forçada aliança com os tirsenos, os licios, os sicelos, os sardos e algumas naves frigias em uma coalizão chamada “dos povos do mar”, deram um grande susto a Troya, com a ajuda de Hércules, e depois tentaram invadir o Egito desembarcando no sul de Palestina, isso foi o terceiro.-
-Atreveram-se com Egito? -Sulpreendeu-se Orfeu.
-Atreveram-se, ainda que Egito ainda é o Egito e seu faraón pôde os conter e confinarlos ao litoral de Canaán, onde criaram vários principados aos que os egípcios chamam “os Filisteos”, os quais trataram de se estender costa acima. Mas como os fenicios se defenderam bem em suas ilhas e cidades fortificadas, se vê que, melhor, se conformaram com os territórios que ficavam ao sul deles.

Não me estranharia nada -seguiu o rei- que dentro de uns anos, Micenas e Esparta, que são os dois reinos aqueus mais fortes e agressivos, formem, com qualquer pretexto, uma coalizão grega para atacar e conquistar Troya, que, evidentemente, é o principal fator contenedor de sua expansão pela rica Ásia Menor, onde foram a se estabelecer tantos pelasgos que eles arrojaram dos antigos domínios de Minos... E esse será, seguro, o quarto passo aqueu para Oriente, após vossa expedição... Mas eu, desde depois, não me unirei a eles com gosto nessa guerra, se posso o evitar.-

-E por que não? -perguntou o trácio, alegrando-se disso, já que Tróia e seu país tinham uma aliança. Ademais, nunca se sabia se, após anular a Troya, os ávidos aqueus se atreveriam a invadir a costa trácia.
-Porque seria um brutal derroche de vidas e meios durante anos, que não podemos nos permitir... Troya, tu o sabes, é fortísima depois de suas tremendas muralhas. Ademais estou seguro de que minha ilha, Ítaca, não tem seu futuro no conflictivo e abarrotado Oriente, senão no vasto Occidente, onde está tudo por fazer... Nós e nossos vizinhos do norte, os Feacios, apesar de nossa modéstia, somos as melhores plataformas naturais da Grécia para o Adriático e, sobretudo, para a Itália e todo o Mediterráneo Ocidental, onde cedo teremos que tratar de formar uma coalizão, e essa sim que nos convém, para expulsar de suas rotas e de suas fábricas aos fenicios, que estão se estendendo demasiado.
Enquanto não chegue esse inevitável momento -arrematou sua audiência o rei Laertes, se pondo em pé e se dispondo a lhe despedir, para atender outras visitas- que seja muito bem-vindo teu amigo, o tirio Beleazar, em atenção a que me proporcionou a alegria de poder te ver de novo... E E já que ele segue para Dalmacia e que tu te empenhas em chegar ao Extremo Occidente (ainda que a mim me parece, francamente, uma empresa inútil), eu já pensei como te jogar uma mão.-
-O que pensaste? -respondeu Orfeu, encantado, pois estava seguro de que Laertes lhe ajudaria.
-Posso mandar que te dêem, se queres, uma mensagem para meu vizinho, o rei Alcínoo de Feacia. Inteirei-me de que em seu porto de Corcyra está avituallándose o comandante de uma flotilla tirsena, procedente da Jonia Lidia, do que dizem que é um verdadeiro pioneiro explorador e um grande marinho, que pretende estabelecer contatos comerciais e fundar sementes de futuras colônias pela costa de Iberia.
-Pois que os deuses to paguem, querido camarada -respondeu Orfeu, lhe abraçando, sinceramente agradecido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário