terça-feira, 13 de setembro de 2011

61 (1)- LOS DISCÍPULOS DE ORFEO, 1

LOS DISCÍPULOS DE ORFEO, 1

Apesar do que pudesse imaginar quem leia essas notas, Orfeo raramente categorizaba nem pregava: mais bem ajudava a seu interlocutor a aprofundar na qüestão, de maneira que fosse ele mesmo o que propusesse com a razão as perguntas e se contestasse com o sentimento as respostas, dentro do possível. Mas se encontrava com um espírito demasiado acorazado, não tinha reparos em lhe empurrar um poquito a assomar a cabeça.

-Por que tentas jogar a outros a culpa de teus infortúnios? -replicou uma vez a um rapaz que se queixava de seus pais, da gente e do mundo- Achas que as vais solucionar se encontras quem aceite responsabilizar por sua origem?... Se é assim, eu mesmo me responsabilizo, em nome de teus pais, de teus semelhantes e dos deuses. Ajoelho-me ante ti. Eu tenho a culpa de quanto te passa. Te suplico, faz favor, que me perdoes. Minhas culpas devem-se a minha ignorância, minha inconsciencia e meu enorme torpeza e egoísmo, além da as circunstâncias. Tu és um ser puro a quem tenho contaminado e traumatizado desconsideradamente. Porei muito cuidado em que jamais volte a ocorrer. Perdoa-me, perdoa-nos, to suplico ...Sentes-te mais livre agora?

-Não -respondeu o jovem-. Sou uma vítima inocente. Ainda o que os demais me fizeram pesa muito dentro de mim.

-E pode ser que continue pesando-te toda atua vida, enquanto lhe sigas concedendo tua atenção sentimental –disse Orfeo-. Eu acho que nos tocou viver aquilo que a cada um de nós tinha alimentado durante  mais tempo em seu sentir e aquilo que com maior atenção cultivó em seu pensamento.
-...E como posso deixar de pensar em isso ou de sentir raiva por isso?
-Só conheço duas maneiras –respondeu Orfeo enquanto recolhia sua lira-: uma, podes ir até o final de tua raiva descargándola sobre um boneco de palha com o que representas à gente que odeias... golpeia-o, grita-lhe, insulta-o, venha-te. Destrói-o, queima-o, arranca de teu interior todo esse ressentimento, exteriorízalo, o esgota até que te libertes dele. O ódio é uma doença do sentimento ferido que, se não ta sacas de em cima, te corromperá e te destruirá; mas que, quando a sacaste de ti por médio da vingança, não te produz outras compensações melhores que um simples desafogo emocional. ...Te bastará com isso?
-Não, não. Eu quero, ademais, outras compensações mais tangibles, quero que me paguem pelo tempo todo que deixei de ser feliz, quero recuperar toda a vida e a riqueza perdida por culpa deles, quero que me dêem o que esperava deles e não obtive -respondeu o garoto apaixonadamente-, quero que quem me fez infeliz, me faça feliz, me resolva a vida.

-Então, não te serve a vingança -disse Orfeo-. Terás que recorrer à segunda maneira.
-E qual é?
-Perdoando e perdoando-te muitas vezes... E depois agradecendo à Vida, muitas vezes mais, com sincera alegria, por ter tido a sorte de viver uma experiência tão formativa como a de poder converter teu ressentimento contra o mundo em generoso entendimento das limitações de todo tipo que fizeram possível teu jogo do viver e que lhe dão todo seu interesse.
-Entendi bem? Estás dizendo que são as limitações as que lhe dão seu interesse a esta vida? -protestou, indignado, o jovem.

-A ti te resulta muito apetecible –contestou o bardo sorrindo, enquanto fazia soar a uma sozinha sensata em um único tom suave, monótono, contínuo e repetido- viver, durante toda a eternidade, em um mundo puro de espíritos puros, onde quanto te rodeia é perfeito, nada é disonante nem contrastante, não existe o risco e jamais ocorre nada inesperado?

Quando chegavam a um ponto no que pouco mais se podia afundar, nem com a razão nem com a imaginación, Orfeo recorria ao sentido do humor para aliviar tensões e depois tomava sua lira e improvisava um poema cantado que recolhia, em forma de símbolos e metáforas, a esencia de quanto se tinha exteriorizado. Essa maneira subtil, ainda que penetrante, de ensinar, fez que muitas pessoas, sobretudo rapazs que estavam angustiados ante a perspectiva de ter que deixar o simples e seguro mundo da infância e adolescencia para assumir as liberdades e as responsabilidades do adulto, viessem a lhe pedir um pouco de movimento mental.
Era um maestro querido pelos jovens, já que não exigia disciplina alguma que não saísse do próprio convencimiento da pessoa nem acordava em ninguém sentimentos de culpa, se referia às insuficiencias humanas como a um material plástico que está aí para que o artista o molde, o transmute ou sublime ou o refine e sutilice, e estimulava a desenvolver o que de melhor tinha na cada um e ofrendarlo aos demais e à Vida. Tolerava todas as bromas e parecia tão a gosto tratando com seriedade profundos temas transcendentes como se juntando mal um momento a quem passavam, após isso, às canções tradicionais, aos chistes e às gargalhadas, ainda que sempre sabia fazer com que todo o grupo se alinease de novo com sua alma e recuperasse o aqui e agora, a qualidade, a altura, a ligazón com Apolo e as Musas e a criatividade construtiva subsiguiente. Não duvidava em absoluto, quando chegava o momento oportuno, em pedir a seus visitantes, com uma autoridade que emanaba de seu sorriso, um silêncio, ou uma oração, ou que fizessem o favor de se retirar porque já queria dormir, ou estar só, ou porque tinha coisas que fazer.


-Religião? –dizia- Isso é uma qüestão individual e não coletiva. Religião significa re-unir-se. Que a cada um busque, segundo seus gustos, a forma que mais lhe motive para se encontrar consigo mesmo em seus planos mais elevados ou profundos e para agradecer à vida seus contínuos dons. A esencia da vida, tal como a sente a cada um, é o deus que contém a todos os deuses.
Era, em soma, um maestro artista e não um santón solene, como tantos eremitas, e isso aumentava sua popularidade e o número de seus visitantes. Tempo mais tarde disse-se que naquela montanha começou a se desenvolver a semente do que depois seria a prestigiosa Escola Inicial Órfica, que renovaria e actualizaria os Mistérios de Eleusis e que faria de perfeito complemento lunar dos solares concepções dos Pitagóricos, preparando o amanhecer de um mundo novo... Ainda que, em realidade, a maioria de suas teóricos explodiram o nome e o prestígio de Orfeo para fundar uma religião e viver dela, sem calar no mais fundo de seu ensino.

Tantos jovens ficavam conversando até a noite, após seus concertos, que, com a ajuda dos melhor dispostos, o vate levantou para eles um cobertizo de troncos, pedras e palha a duzentos metros da gruta, monte abaixo, junto ao ribeiro, para que não tivessem que baixar a saia do Rhodope no meio da escuridão.
Depois disse-lhes: “Esta é a Casa de Hóspedes, vossa é.”

E não voltou a aparecer por ela, nem se lhe ocorreu estabelecer o menor regulamento sobre seu uso, lhes deixando que eles mesmos se organizassem.

O cobertizo acabou convertendo em uma espécie de comunidade juvenil, ocupada por uma população nómada e fluctuante, que passava ali períodos alternos, umas vezes entreteniendo no dia em partidas de caça ou pesca pela região, outras tratando de sacar adiante um huerto que, em algum momento do ano acabava se secando por falta de quem se preocupasse de regarlo. Em alguma ocasião um dos rapazs aparecíó com uma garota, que não pôde permanecer ali demasiado tempo porque, à cada ano que passava, as garotas tracias estavam bem mais controladas por suas famílias que os garotos. Em inverno o local ficava vazio durante longas temporadas, já que os jovens preferiam desfrutar do calor e dos alimentos das casas de seus pais.


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