domingo, 11 de setembro de 2011

18- CRETA

CRETA
CRETA

Orfeu conseguiu ser admitido em um barco que dirigía-se a Creta, quando contou a seu capitão a história dos argonautas e os trabalhos que ele tinha desempenhado na expedição com a magia de sua música.
Após tanto tempo sem fazê-lo, sentiu-se em seu elemento quando subiu à ponte, se sentou e começou a tocar a lira, dando os tempos com sua voz para que os remeros se acompasaran e se afinaran em seu bogar.
Os deuses pareceram saudar a empresa que empreendia quando, a pouco de sair das áreas mais navegadas pelas pequenas embarcações, uma bandada de delfines se pôs a brincar desde a proa à popa da nave e viciversa, lhes seguindo um longo trecho, como se estivessem encantados pela música que o bardo lhes dedicava.



Hércules recebeu com campechana cordialidad a seu antigo camarada de expedição em uma loja de guerreiro que tinha levantado entre as devastadas ruínas do famoso palácio real do Labirinto, o lugar onde dizia a lenda que, uns três séculos atrás, o herói Teseo de Atenas tinha matado ao Minotauro com a complicidad da filha do rei Minos de Creta, Ariadna, quem, igual que Medea na Cólquide, tinha traído a sua linhagem e a sua pátria, louca de amor por um estrangeiro inimigo.
E efetivamente, após escutar com interesse os infortúnios e as angustiosas buscas de Orfeu ante umas canecas de bom vinho cretense, relatou-lhe partes soltas de seu recente assalto a Tróia e de suas aventuras no Remoto Occidente, em busca dos bois de Gerião e das maçãs das Hespérides, bem como, com mais detalhe, a de seu descenso ao Mundo Escuro com a ajuda de Hermes e Atenea, lugar a onde o tirano Euristeo de Tirinto lhe tinha enviado, para que fracassasse e não voltasse, com a ordem, aparentemente incumplible, de libertar de suas padecimientos infernais ao falecido vencedor do Minotauro, que igual que se atreveu a penetrar no Labirinto e regressar, também teve valor para descer ao Inframundo a pedir a mão de Perséfone para seu amigo Piritoo, ainda que ambos ficaram atrapados pelo Rei dos Infernos na Cadeira do Esquecimento, por causa de seu presuntuosa insolência.
O trácio Sulpreendeu-se de que o coloso não contasse todas aquelas façanhas com a fanfarronería que antigamente conhecesse, senão com discrecião e até uma verdadeira humildad. Hacíase claro que lhe tinham feito madurar bastante todas aquelas dificultosas provas e sofrimento durante os treze ou catorze anos que tinham demorado em reencontrarse… mas, centrado no que mais lhe interessava, se adiantou a lhe perguntar como chegar até o Hades.
-Realmente, pode-se baixar ao Hades por qualquer grieta bem profunda que tenha baixo a terra -respondeu Hércules-. Há uma em tua Trácia natal que se chama a Gruta do Inferno, no maciço do Rhodope, por onde se despenha o rio Trigrad para o subsuelo. E está a grieta de Lycos, no país dos Mariandinos, ao Sul do Mar Negro, ou o Aorno, do país dos Tesprotes... ou Lerna... e essa outra aí enfrente de Creta, no laconio Tenaro, onde me contaste que tinhas feito sacrifícios quando o “Argo” regressava a Yolkos... e há outras, muito famosas, que penetram os baixos do Etna de Sicília, ou o lago Averno de Kyme, ainda que estão demasiado cheias de gases sulfurosos como para as agüentar muito tempo...

-Ainda que nós, seres da superfície da Terra, pensamos que somos os únicos habitantes do planeta, a parte mais importante dele é o Mundo Subterrâneo, onde há civilizações espléndidas de humanos como nós, mas que por estar mais evoluídos , têm corpos mais subtis e vivem em níveis suprafísicos, O interior da Terra está cribado de túneis que conduzem a seus reinos, um nde os quais é o Erebo, onde Hades e Perséfone reinam sobre os mortos.,,

-...A entrada principal do Mundo do Erebo e do corte de seu Rei, Orfeu, encontram-se no Extremo Occidente , baixo uma arborizada montanha que cai a bico sobre o Oceano.

-No Extremo Occidente de que? –perguntou o trácio- Da Grécia ou da Itália?
-No Extremo Occidente do mundo tudo! -aclaró o guerreiro com contundência- Lá onde se acabam as terras e a luz, lá onde não podem viver os homens; lá começa o maldito abismo ao que pretendes ir, meu louco amigo! Melhor nem tente-lo, advirto-to eu!

Mas Orfeu não deixou que aquele tom dramático derrubasse sua determinação:

-Tentarei-o enquanto viva, se é que estar sem Eurídice é viver -disse com firmeza-. Ajuda-me em lugar de jogar-me para atrás, velho camarada, rogo-cho. Já estou farto de que me xoguem para atrás, como quando íamos a pelo Vélado d´Ouro. Se é verdade que tu conseguiste entrar no Hades, eu queiro entrar também.

-...Então, presta atenção ao que te digo –puntualizó Hércules, lhe mostrando agora o maior respeito-: se entrasses pelas grietas próximas a Grécia terias que percorrer distâncias enormes até ali, atravessando as complicadas e escuras galerías do Mundo Intraterreno, que às vezes são cegadas pelos vulcões ou terremotos... De modo que eu melhor te recomendaria, amigo meu, que vás pela superfície até o borde do Oceano, no noroeste do País dos Mortos, Iberia, e unicamente desças ao Inframundo quando chegues ali.
-Iberia? Não é esse o nome das regiões interiores da Cólquide?
-Essa é a Iberia Oriental, Orfeu, a caucasiana.  A Iberia à que me refiro é a Nova Iberia Ocidental. Os navegantes pelasgos da Frigia a deveram batizar com o nome do lar original de sua raça, quando descobriram esse país lejanísimo e criaram pontos de intercâmbio em sua costa.
-a Nova Iberia está nesta nesta dimensão material, Hércules, ou em alguma das inmateriales?
-Metade e metade, amigo meu, as verdes e nubosas regiões mais distantes de Iberia são um verdadeiro portal ao Ultramundo.
 
-E como faço para chegar a Iberia?
-Terás que costear todo o largo Mar, sempre em direção a Occidente, além da Itália, até divisar a corrente de montanhas que se encontra ao norte do rio principal dos Íberos. E depois seguí-la a pé durante uns dois meses por seu lado sul, que é o mais soleado e practicável, atento cada noite à direção que leva a Via Láctea, até o ponto onde tu vejas que acaba o mundo e que o Sol é engolido pelo Rio Oceano, que chega até a Estigia. Terás, sem dúvida, que lhe pedir sua ajuda a Hermes.-

-Por que precisamente a Hermes? -perguntou Orfeu.
-Hermes é um imortal filho de Zeus, engendrado quando o Rei dos Olímpicos, depois de vencer aos Titanes, violou em seu santuário de Oestrymnis, a Maia, à que também chamam Selene, Celene ou Cilene, a Suprema Sacerdotisa Lunar de Atlantis, filha do gigante Atlas, titán tolteca imperador daquela nação. Nunca oíste falar dela?.
-Não sê nada do tal Oestrymnis… e sobre Atlantis, achava que era a terra dos mais antigos deuses, de quem falavam Quirão e os mitos de Samotracia. Onde fica esse país, se existe?

- Existiu, claro que existiu, meu amigo, esse mito correspondia a uma realidade, ainda que Atlantis já não existe hoje, pois por três vezes, ao longo de milhares de anos, se fragmentó aquela enorme terra, rodeada pelo Oceano Ocidental, mãe de muitas das raças que hoje povoam o resto do mundo, e cada vez  se afundaram grandes partes dela em uma noite, baixo as águas, arrastando a milhões de pessoas -explicou Hércules com gestos dramáticos-. Tinha-se desenvolvido ali uma civilização antiga, refinadísima , que não eram deuses, senão gente como nós, mas bem mais alta -porque desciam dos antigos gigantes-, culta, poderosa e influente, comandada por sábios imperadores-magos como Atlas, cuja estirpe vinha da Lua e de Vénus. A última porção daquele continente em desaparecer fué uma ilha, Poseidonis, que estava em frente a Oestrymnis, que é o litoral noroeste da Nova Iberia. Quando Maia-Celene desembarcou ali, fugindo do desastre de sua pátria, e começou a transmitir a sabedoria da Era dos Titanes, os rústicos habitantes de uma de suas tribos, a do Lobo, que depois se chamou dos Selenos ou Celenos em honra a ela, a acolheram com os braços abertos e a fizeram sua Rainha Loba. Por tanto, seu filho Hermes, Luh, “O Lobo dos Caminhos”, como lhe chamam os oestrymnios, é o deus que melhor conhece as rotas que levam ao Extremo Occidente, já que aquelas terras são as de sua mãe, que estão bem perto da entrada principal do Hades. Também podes ter a certeza de que é um dos deuses que mais escuta e compraze aos mortais. Sem sua ajuda tivesse-me sido impossível encontrar o caminho para descer até ali, nem sequer tivessem-se-me aberto as portas... E parece ser que há uma porta para a cada tipo de homem.


-...Baixar com Hermes aos Infernos para libertar ao herói Teseo, com a benevolência de Perséfone –seguiu contando Hércules sobre si mesmo-, foi o último trabalho que me vi obrigado a fazer para aquele miserável tirano de Tirinto, que não te quis receber porque odeia até que lhe falem de mim, apesar de que lhe servi com a maior fidelidade e paciência, já que, para compensar meus erros, tive que esclavizarme a ele durante doze anos... Doze anos! Diz-se cedo, irmão Orfeu! ...Doze anos de servidão total, para que me perdoassem os deuses por uma tragédia horrível, provocada por minha loucura, da que já não queiro nem me lembrar – depois riu a gargalhadas com aquele vozarrón de filho do Trovão-. Tivesse-lo visto...! Euristeo saiu correndo e escondeu-se, meándose de medo, em uma tinaja de azeite quando lhe levei, ante seu próprio trono, um monstro cego e alvo encadeado que saquei do Lago dos Infernos e que todos tomaram pelo Cancerbero.
-No entanto, amigo meu –seguiu, franzindo o cenho-, cumprir com meus doze trabalhos, passando por tantas terríveis provas, penitências e compensações, não me devolveu do todo a liberdade, como eu esperava, já que há algo em meu explosivo caráter e em minha maneira de ser que faz que se me torçam as coisas, apesar de meus lucros... –sua expressão fez-se sombria- …nem posso contar-te as barbaridades que já fiz e as que sigo fazendo assim que me deixo levar pela precipitação, que deve ser uma vibração semelhante à da raiva…. há algo em mim, deve ser o sangue dos antigos titanes, que ainda me empurra à ação desmedida, a falar a mais e demasiado forte, aos movimentos bruscos e ao excesso, à falta de paciência e delicadeza, em soma, o qual acaba me fazendo cometer erros tremendos, trágicos, dos que depois me sento tão culpado que quisesse me apurar ardendo vivo em uma fogueira . E quanto às relações com os demais, meu brilho, de primeiras, atrai, mas igual que o do sol, ao cabo de um tempo começa a molestar a chocar, a provocar, produzindo invejas, fitas-cola e inimizades.
Pedi-lhe ao pai Zeus em minhas orações que me libertasse, não só por fora, senão também por dentro. Pedi-lhe que me ensinasse a ter um pouco mais de domínio sobre meu próprio temperamento e minhas potências, para sair de uma vez desta longa série de repetições dos mesmos erros, condicionamientos, vícios... e apareceu-se-me no sonho”.
-Apareceu-se-te? -Orfeu nem duvidava-o, todo mundo dizia que a extraordinária força de Hércules se devia a que era filho do próprio Zeus.
-Apareceu-se-me em um sonho –reconfirmó com singeleza- percebi-o tão claro e tão tangible como te estou percebendo a ti, e com ele estava também Pontia, por isso me encontro aqui agora.
-Não sê quem é essa Pontia, Hércules.

-Esse era o nome que lhe davam à Grande Deusa Mãe os cultos e poderosos cretenses, Orfeu, além de todos os antigos habitantes das terras pelasgas à orla deste mar, antes de que decayese o império de Minos e de que os pais dos atuais gregos se atrevessem ao conquistar.
-Em meu sonho, a Deusa, que ia vestida de uma maneira majestosamente exótica e muito luxuosa, tal como uma emperatriz –seguiu contando-... sacou de meu peito duas serpentes, uma vermelha, grande, e outra azul, bem mais pequena. Usando gestos como de danzarina, fez um amasijo com elas em suas mãos e as converteu em uma sozinha, da cor e a contextura do fogo. Depois provocou também que aparecesse a meus pés, modelándose magicamente sobre a areia, um grande labirinto curvo, que parecia o signo do infinito. Meteu nele a minha serpente e a deixou que percorresse suas muitas e complicadas espirales, até que chegou de novo no ponto por onde tinha entrado.

Aí pude ver –continuou o coloso- que, durante seu se deslizar pelos intrincados corredores lhe tinham ido crescendo umas asas e que a serpente era agora um belo dragão, com todas as cores do íris em sua pele, ainda que quase transparente. Voou para mim e se fundiu comigo, com o que me senti bem mais lúcido e sereno.
A Deusa desapareceu sorrindo, mas Zeus assinalou-me o labirinto e eu entendi que tinha que vir a aprender algo dele a Creta, onde já tinha estado dantes, em um de meus trabalhos... E aqui estou, Orfeu, parado e de retiro desde faz algum tempo, estudando esta incrível obra dos antigos e meditando, o qual é excepcional em mim, pois tu sabes que normalmente sou pura ação e movimento.-


Hércules levou depois a Orfeu a percorrer as vastas ruínas do que tinha sido o palácio do rei Minos em Knossos, um labirinto aparente em si mesmo, de inumeráveis aposentos em vários andares, pátios, claustros e sótanos adosados de uma maneira aparentemente anárquica a partir de uma praça central. Depois fez-lhe fixar-se na grande explanada em frente ao palácio, onde se achava, desenhado sobre o solo em mosaico, o verdadeiro labirinto: uma ampla pista com um desenho curvilíneo que servia para guiar aos danzantes que tomavam parte nas danças sagradas rituales, eróticas ou astronómicas, dos solsticios e equinoccios.
Depois de responder a todas as perguntas que quis lhe fazer Orfeu, o coloso fez notar a seu antigo colega da selecta escola de Quirão a harmonia matemática e geométrica da estrutura em espirais circunscritas e ligadas do labirinto, que formavam o signo do infinito e que tinha estado observando muito detenidamente. Depois contou-lhe que o Mensageiro de Zeus se lhe apresentasse dias atrás, acompanhado de Atenea, em outro sonho:
-Presta atenção, camarada Orfeu, porque as imagens deste segundo sonho parecem complicadas, ainda que não o são: disse-me a deusa de olhos de lechuza que somos energia e que a história passada e as aspirações de futuro da vida e do destino da cada ser humano podem se descrever como um caminho-labirinto que organizasse o fluir da energia-consciência gerada por nossas experiências ao longo de ciclos de sete.
-
Por que sete , precisamente? –estranhou-se o bardo.
-Hermes e Atenea contaram que o Deus Criador Incognoscible, que não é nada que se pareça a nós, senão um distribuidor universal da energia da Vida, tinha criado o mundo como Logos Pai, com sete raios de Sua Luz, a cada raio era uma cor do Íris, uma vibração, um manojo de qualidades, desafios e potencialidades, um curso da Escola Humana do Desenvolvimento Evolutivo. A cada manifestação do Ser Inmanifestado sobre este mundo, é sua própria manifestação como Logos Filho, já que emana de si todas as criaturas em sete Níveis, desde os mais subtis e conscientes até os mais densos e inconscientes. No Quinto Nível, que é o Humano, estas emanações do Ser que somos possuímos a Luz de consciência de Seu Espírito, ao mesmo tempo em que todos os corpos elementares pertencentes ao mundo da eterna matéria gestadora de formas de Seu Aspecto Mãe Universal, forma feminina de seu Espírito Santo Criador, o Terceiro Logos.

Enquanto dura uma Manifestação do Criador sobre este mundo, a parte de Si que se humaniza, evolui durante milhões de anos através de sete Raças Conscienciales, ceadas a partir de sete Demiurgos, ou Deuses Planetarios que representam a energia da cada Raio, um deles. O próprio Hermes e o planeta Mercurio. Na Terra, os Raios voltam-se Fogos Criadores de diferentes graus, aqueles que em Samotracia se chamam os Kabiros e em outros lugares, Deuses Lares ou Manes, porque a cada Kabir se converte em um Mane ou Manú, ou seja, no criador de um lar, ou lar, para a incubação e a gestação de uma nova Raça, que ele conforma, escolhendo aos espíritos mais evoluídos das Raças Anteriores, entre os discípulos das Escolas de Luz que a Hierarquia dos Seres Divinos vai criando em diferentes regiões, unidas a Centros Intraterrenos, Intraoceánicos ou Suprafísicos, desde onde se irradian para o planeta as novas energias renovadoras e definitorias da cada ciclo.


A escola de Heróis do Monte Pelião, dirigida pelo centauro Quirão, onde nos conhecemos, era uma delas, Samotracia, Eleusis, Menfis e Sais do Egito, são outras, como no passado o foi o Cáucaso ou, muito dantes, o centro da Ásia, para nossos ancestrais Arianos. Esse lugar que te digo, o litoral do extremo noroeste de Iberia, é outro vórtice de atração de pioneiros evolutivos que em algum dia superarão as barreiras do desconhecido e estenderão do mundo e farão dele uma sozinha nação. Por outra parte, o Microcosmos é um reflito do Macrocosmos, a cada sete anos todo o que somos muda completamente, até a mais pequena célula, Orfeu.
…O Guia dos Caminhantes desenhou em meu sonho o mesmo labirinto que tinha desenhado a Deusa Mãe sobre a areia de uma praia, mas desta vez não era plano, senão que lhe foi dando alturas diversas a seus caminhos espirales. A cada média espiral significava um ciclo de sete anos de minha vida. Foi modelando mais altas ou mais baixas as curvas de nível da cada caminho em media espiral. E sabes com que critério?
-Não tenho nem ideia -repôs Orfeu.
-Pois modelaba mais altas ou mais baixas as curvas de nível da cada caminho em media espiral segundo a intensidade, maior ou menor, com a que vivi os momentos experienciais mais sentidos da cada ciclo. Segues-me?-
Claro que lhe seguia, a imaginação de Orfeu era uma imaginação de artista. Em uma súbita intuicião criativa, traduziu a ciclos musicais as observações que a mesma Inteligência do grande Zeus, Atenea, tinha inspirado a seu filho mortal como método de reflexão e guia sobre seu caminho evolutivo, obtendo assim a estrutura e os tempos de uma complexa composição melódica.
-Quando acabou de modelar meus ciclos já vividos –seguiu contando Hércules, sem perceber o enorme impacto que estava causando o que contava sobre a criatividade de Orfeu-, Hermes me disse que me faltavam por viver os últimos ciclos de meu labirinto e que era coisa minha decidir se eu queria que se fossem conformando, à medida que os vivia, em subidas e baixadas extremas, como as que têm sido minha tónica e meu ritmo pessoal até agora...
... Ou se preferia modelarlos eu mesmo previamente, como quem traça o projeto de uma ascensião paulatina que levará a uma série de objetivos a conseguir, ao longo de meus próximos possíveis ciclos.-
Orfeu sorriu e lembrou-se de seu próprio pai, o rei Eagro, que tivesse falado, o mesmo que Zeus através de seu mensageiro, da importância de ter claro um “plano pessoal de futuro na vida” e de se centrar, como prioridade, no cumprir. Sim, todos os pais acabavam sendo o mesmo pai.

-Ademais -continuou Hércules-, Atenea acrescentou que, como eu não sabia quanto tempo ia viver ainda, era recomendável que fizesse uma boa seleção entre meus objetivos, para tratar de dedicar todas minhas energias a atingir no próximo ciclo o que mais importante considerasse e não deixar para um ciclo futuro, que não sabia se chegaria.
Por último -arrematou-, Hermes fez-me compreender que deveria contemplar a própria morte de minha existência física como um último ciclo de meu labirinto; e que também podia modelar previamente essa etapa como uma suave e longa baixada do caminho, tal como a muitos homens gostariam de viver seu ancianidad... ou, se preferia-o, traçar um rápido e vertical salto até o começo do próximo labirinto.-
-Do próximo labirinto? -repetiu Orfeu sem compreender.
-Sim, do próximo, porque o labirinto repete-se a si mesmo até o infinito; ele mesmo é o signo do Infinito; de modo que acabar uma vida, que é uma experiência e um novo grau de aprendizagem da consciência do Ser Infinito sobre si mesmo, não significa mais que passar a continuar experimentando, em outro grau mais elevado, suas infinitas potencialidades durante o seguinte ciclo de sua Eternidade. Isso foi o último que disse Hermes,
Atenea acrescentou que meu salto evolutivo seria um verdadeiro salto ao mais alto de mim, se, em lugar de seguir tentando traçar por minha conta meus planos pessoais de vida na ignorância, renunciava à soberania de meu livre albedrío e me entregava incondicionalmente a ajudar a cumprir o Plano Evolutivo do Criador para este ciclo de toda a Humanidade,,, para o qual tinha que deixar totalmente a um lado o instinto, o desejo, as sensações, a paixão, a emoção e o intelecto, e só me guiar pelas intuiciones da Alma, intuiciones onde eu a encontraria sempre a ela como segura guia e protetora. Depois acordei recordando quanto conto-te muito claramente.
-Impressionante -comentou o trácio, sinceramente admirado, quem cada vez  via, também com maior clareza, a estrutura musical arquetípica, aplicável a milhares de composições, que o relato de seu amigo lhe tinha inspirado.
-Agora, se vens comigo, te levarei a ver uma coisa que tenho estado fazendo –convidó o guerreiro.


Orfeu seguiu-lhe e contornearon em direção ao mar as ciclópeas ruínas da capital cretense, que tinham sido terrivelmente destruídas pelo lado norte, como se um tifón tivesse derrubado de um sozinho golpe todas suas peças de pedra em direção sul.
-Que ocorreu aqui, Hércules?
-Pois parece que toda a ampla costa norte de Creta, junto com a capital, Knossos, e o palácio-labirinto, e a imensa frota cretense, que não tinha rival e dominava os mares, foram arrasadas por uma nuvem de fogo e por um maremoto horrível, quando explodiu o altísimo vulcão da ilha de Thera, que estava a poucas horas de navegação para o norte.

-Isso deveu ser um cataclismo terrível...
-Imagina-te: uma explosão que se leva todo o vulcão e mais em media ilha pelo ar, que produz uma chuva de fogo e uma nuvem de vapor ardente que se estende ao redor a distâncias enormes e que provoca que o mar se precipite em uma sima profundísima que ficou ao descoberto... foi terrível, não só aqui, senão em todos os litorais circundantes, Citera, Kerme, Tirinto... até nos do Egito e Lidia...

E aí findou todo o esplendor de dois mil anos de refinada civilização matriarcal cretense para sempre –seguiu Hércules fazendo um gesto para as ruínas-. Sem nenhuma escuadra forte que lhes protegesse, já que o que ficou dela foi incendiada pelos sicilianos, e em cinquenta anos, meus avôs, os gregos jonios e eolios, que eram uns brutos comparados com eles, gentes que mal conseguiam preservar sua independência e que não sabiam muito de mar, invadiram todos os territórios continentais e insulares da dinastía Minos até que, finalmente, lhas arranjaram para saltar a Creta e conquistaram, saquearam e incendiaram sua rica e famosa capital.-
 

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