segunda-feira, 12 de setembro de 2011

45(1)- ZONA DE GUERRA

ZONA DE GUERRA

Anónimo Anónimo

(PIRINEUS CENTRAIS ENTRE O SUL DE LOURDES E O VALE DE ORDESA)

Capítulo aberto à criatividade. Para fazer uma boa versão deste capítulo há que se ler dantes, não só o Argumento Inicial do mesmo, senão todo o livro até o final. Porque neste capítulo prepararão-se, melhor se de forma algo velada, as situações que permitirão ao leitor atar os cabos para se explicar inteligentemente a enigmática conclusão da obra, explicação que pode dar-se em varias especulações diferentes. Quem for capaz de ressolver de uma maneira brilhante o desafio que a elaboração deste capítulo propõe e de harmonizá-lo com o resto sem desentoar, terá cruzado um dos portais iniciais importantes que surgem ante a Via do Escritor.


ARGUMENTO INICIAL:

O Caminho que passava ao sul da imponente cordillera se fazia a cada vez mais solitário. Um vento frio baixava das cimeiras pela manhã e pela tarde e obrigava a Orfeo a abrigar-se com quanta roupa levava na mochila. Duas noites passaram sem que encontrasse sequer uma choça de pastor Todas as cumbres, cada vez mais altas, estaban nevadas. Teve que construir cobertiços de ramos e folhas para se resguardar antes de escurecer.
La segunda noche era Lua Llena y y oyó los aillidos de los lobos por largo tiempo en la lejanía. Por si acaso encendió una hoguera dejando bien a mano su espada al acostarse. Pero nada aconteció, una noche solitaria más y un nuevo amanecer helado. Apuró el paso para entrar en calor.
. e
De manhã viu uma fumaça ao longe e alegrou-se, seguramente teria ali um povoado, um fogo onde se esquentar, comida… apressou o passo para chegar o quanto antes, mas, segundo se acercava, ia constatando que aquela fumaça era inusitadamente grande, negra , espessa, siniestra. Ao contornar uma elevação teve melhor visibilidade e pôde ver uma bandada de buitres revoloteando entre a fumaça.

Chegou um agudo toque de alerta de seu interior, diminuindo o passo, saiu do caminho e foi-se acercando. sem deixar-se ver, entre as árvores. Escondido no bosque pôde contemplar com angústia o que deveu ser um belo povo de pié de montanha , mas agora totalmente arrasado pela guerra. Ainda humeaban os rescoldos de algumas casas. A devastación tinha sido recente, tinha sangue e restos do saque caóticamente atirados por toda parte. Os buitres seguiam cebándose em uma dúzia de cadáveres espalhados aqui e lá, alguns eram guerreiros e outras mulheres, idosos, até meninos. Junto a um poço, dois homens tinham-se acuchillado mutuamente e jaziam sobre o solo, em um abraço mortal e feroz Aqueles bárbaros não pareciam ter o piedoso costume de enterrar nem cremar aos mortos, já fossem inimigos ou amigos .

Sentiu horror daquele lugar onde imperaban a crueldade e a morte e voltou, com precaução, ao caminho de caminhantes, se dando pressa em deixar atrás aquele vale. Mas do vale seguinte levantavam-se fumaças semelhantes, e do seguinte, mais longe. Tinha-se metido em uma ampla zona de guerra e não sabia o que passava nem o que era aconselhável fazer, nem tinha ninguém a quem perguntar, e melhor que não tivesse.

Na dúvida, seguiu caminhando trabajosamente para o Oeste por entre os bosques paralelos ao caminho. Ouviu um galopar que vinha daquela direção, e se arrojou ao solo entre umas matas.

Um grupo de uma dúzia de ginetes armados até os dentes holló o caminho a toda velocidade e ruidosamente, deixando depois de de si uma nuvem de pó. Orfeo não se atreveu nem a levantar a cabeça , e fez bem, porque outros guerreiros a cavalo, mais de trinta, vinham detrás gritando com ódio, sem dúvida perseguindo aos primeiros.

Quando tiveram passado, Orfeo se levantou correndo e se adentró no bosque, buscando um melhor esconderijo.

Encontrou-o depois de um grupo de três grandes árvores. Reclinado entre suas raízes analisou rapidamente o que devia fazer . não era aconselhável para nada voltar ao caminho, nem para adiante nem para atrás, porque podia ouvir como voltavam ao cruzar a toda velocidade novos grupos de ginetes. Para o Sur estavam as planícies, terreno muito perigoso porque seria facilmente descoberto desde longe. O melhor parecia ser dirigir-se para o Norte, adentrarse na cordillera, tentar seguir entre bosques até as cimeiras e, desde elas, seguir para Poente sem retornar ao caminho geral até ter bem claro que tinha deixado atrás a zona em conflito.

Começou a ascender em direção à cimeira que mais se destacava. Ia campo através, evitando os caminhos, buscando a cobertura das árvores. À medida que ia ganhando altura, sentia-se mais tranqüilo e tomava-se de vez em quando um descanso, para contemplar o espléndido panorama pirenaico, ainda que as três fumaças que saíam de três vales que tinha a seus piés não deixavam de lhe recordar o pouco digno que era o homem da harmonia natural do planeta no que tinha o privilégio de viver.

Ao retomar seu caminho encontrou-se, de repente, com algo inesperado. Uma figura deslizou-se ágilmente de por trás de mata-las, a sua frente, e ficou plantada a poucos metros, o arco tendido com resolução, pequeno, mas com uma aguzada seta dirigida a seu peito e outras três preparadas.


Sua primeira reação foi alçar os braços, para mostrar que não tinha intenções agressivas. Foi então que se deu conta de que o arqueiro era, mal, uma menina de não mais de onze ou doze anos. Pensou em falar-lhe, mas se inmovilizó ao sentir algo duro e punzante tocando suas costas, à altura dos riñones. Estavam-lhe ameaçando por atrás com uma arma.


A menina, então, deu uns passos para ele e ficou lhe apontando muito de perto. Firme como uma rocha em sua frágil estrutura. Era bem delgada e loira, com sua longa cabellera ibérica recolhida em fila de cavalo, vestia uma túnica curta suja e muito manchada de sangue e tinha um rosto belo, com os olhos do mais puro e brilhante azul que Orfeo tinha visto, mas a tensa dureza de sua boca não deixava nenhuma dúvida de que estava bem disposta a soltar a seta se não lha obedecia. Fez um gesto enérgico com o arco e o tracio sentiu como o de atrás lhe despojava de seu mochila. Deixou-lha tirar e manteve-se muito quieto e muito calado.

Ouviu atrás um torpe rasgueo musical. O desconhecido tinha encontrado sua lira e estava-a examinando. A menina pareceu surpreender-se um pouco do achado, mas não mudou sua tensa alerta amenazante. Agora sentiu que lhe tocavam os riñones com um objeto punzante diferente. Seguramente sua própria espada curta, que teriam sacado de sua vaina na mochila.
A menina mostrava um gesto de triunfo agora. Com um movimento do arco fez-lhe gesto de que caminhasse para diante e a rebasase. Assim o fez, seguido do de atrás, que seguia chuzando seus riñones. Obrigaram-no a caminhar daquela maneira uns dez ou doze metros, e depois entendeu que lhe ordenavam se deter. A sua direita, a suas piés, tinha uma mulher ensangrentada tendida no solo, com a cabeça reclinada em um tronco e os olhos fechados.

A menina veio com o arco tendido e indicou-lhe sem palavras que se inclinasse a examinar à mulher. Assim o fez o bardo, com a maior delicadeza que pôde. Ela tinha o custado direito rasgado por uma lança que tinha entrado e saído. A ferida não era necessariamente mortal, mas lhe tinha feito perder muito sangue e estava exhausta. Tinham-lhe improvisado um vendaje com umas teias, mas estava empapado e sujo. Tinha um pau ensangrentado junto a ela. Orfeo perguntava-se como podia ter ascendido até aquela altura do monte apoiada nele e com um ferida cone aquela.

Tinha que mudar o vendaje o quanto antes. Orfeo tentou explicar-lho à menina mediante senhas. Esta entendeu, e dirigiu um gesto silencioso ao de detrás. Então puseram-lhe aos piés a mochila que lhe tinham tirado. Abriu-a e comprovou que seguia estando ali a lira, mas que, efetivamente, a espada já não estava em sua vaina. Também tinham desaparecido os poucos alimentos de viagem que ainda portava. Buscou entre suas roupas algo com o que fazer um vendaje, mas o único apropriado era a túnica branca e imaculadamente limpa que guardava para cantar ante público, um amoroso presente de sua mãe, a Musa Kalíope, que também tinha usado no dia de seu casamento com Eurídice.

Ante a urgência que demandaba o estado da mulher, não o duvidou nem um momento: desprego a túnica e foi-a rasgando em atiras. Pedindo permissão à menina com um gesto, começou a despojar à mulher de suas roupas até a cintura com o maior cuidado e discreción; ela abriu então os olhos com um gesto de dor, e Orfeo pôde ver que eram idênticos aos da menina. Com respeito, cobriu-lhe o peito com as roupas que lhe tinha tirado, empapó uma das atiras com água de sua calabaza de viajante e limpou o melhor possível o custado e os contornos daquela feia ferida; ela se queixou. Orfeo supôs que também deveria ter rompida uma costilla.

Quando o novo vendaje esteve colocado da melhor maneira possível, o bardo voltou à vestir e por fim se sentou a descansar no solo, junto a ela. A menina não tinha baixado o arco nem um momento. O de atrás adiantou-se e então pôde ver que não era mais que um muchachito de uns oito ou nove anos, tão magro, lindo e sujo como sua irmã, com o mesmo cabelo e os mesmos olhos, mas menos firmes, mais ingênuos. A curta espada do tracio parecia enorme e insegura em uma de suas mãos.
Não havia nenhuma outra arma, de modo que o primeiro com o que lhe conseguiu lhe manter imóvel deveu ser mal um pau, e Orfeo o admirou com ternura. Na outra mão levava o pote de varro com mel e os atados de nozes, uvas passas e castañas que tinha encontrado na mochila. Ajoelhou-se ante sua mãe, meteu um dedo no mel e passou-lho amorosamente pelos lábios contraídos de dor.


Ela aceitou o mel, logo uns frutos secos. O menino ia-lhos a oferecer agora a sua irmã, mas mudou de opinião e lhos brindou primeiro a Orfeo. Este tomou um punhado, mas, em lugar de levar à boca lhos ofereceu ele mesmo à menina, com as mãos estendidas e um sorriso. Sua cabeça estava imaginando todo o que aquela pobre família devia ter passado e o traumados que deviam de estar desde que a mulher recebeu o lanzazo, seguramente no ataque a alguma das aldeias incendiadas, até que conseguiram a subir entre os dois até média montanha.

A menina não aceitou a comida nem baixou a guarda. Fez um gesto a seu irmão e este veio junto a ela e lhe pôs alguns frutos secos na boca. Ela os foi masticando com deleite sem deixar de lhe apontar. Depois recebeu água da mesma maneira dificultosa. Orfeo decidiu deixar a um lado sua ração, tumbarse no solo, cruzar seus braços por trás da cabeça e fechar os olhos, para que eles pudessem comer e beber em paz.

O cansaço e todos os sobresaltos do dia lhe fizeram, sem querer, ficar dormido um momento. Quando acordou, ali estava, como sempre, o arco lhe apontando. A menina assinalo com a seta a sua mãe e ao alto da montanha….Depois pôs-se em pié repetindo o gesto, e Orfeo entendeu muito bem o que se esperava dele.


Ell bardo tentou ajudar à mulher a incorporar-se para retomar a marcha, - “Lur…” –musitó ela-“ Lur…Lilinel…”, repetiu, assinalando o alto da montanha-, mas estava tão débil que mal pôde dar uns passos ajudada por ele. Orfeo provou então a levá-la a cavalo sobre suas costas, fazendo dantes um atado com sua camada, para mantê-la sujeita a seu peito e a seu cintura. Daquela maneira trabajosa, e com muitas paradas a descansar, os quatro foram subindo a montanha, o que lhes levou quase todo o resto do dia.

Para o final da tarde, quatro mulheres armadas com lanças saíram do bosque e deram-lhes o alto, mas baixaram-nas em seguida ao reconhecer aos meninos. Pouco depois todos eles acediam ao que depois Orfeo soube que era a Terra Sagrada de Mari, um enorme maciço sobre a qual se alçavam três imensas cimeiras gêmeas coroadas de neve. Cruzaram o vale situado ao pié delas, até chegar ante o santuário natural de Amalur guardado por Lilinel, a servidora da Senhora da Montanha, a Deusa Mari, em onde se tinham refugiado as mulheres e os meninos sobreviventes das aldeias incendiadas.

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