terça-feira, 13 de setembro de 2011

62 (4)- TELA DE ARANHA-

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                                                                                         TELA DE ARANHA




A cachoeira era um verdadeiro santuário da Grande Deusa, como todos estes lugares costumam ser. Em um lugar assim as mulheres parecem encontrar em seu elemento natural, que se exalta com a umidade, com a semipenumbra, com os movimentos flexíveis e suaves e com o cheiro a terra molhada... bem como o masculino se realza no seco, o solar, o dinamismo contundente, o vôo para a altura e a esforçada marcha.


Nuas e entrando na lagoa, as três sacerdotisas apareciam ante os olhos de Orfeo e Museu como a consagración da feminidade, tal como os homens a sonham. Aglaonice nadou até o pé da cachoeira e escalou a rocha sobre a qual a água se precipitava. Quando ficou ali agarrada, recebendo prazenteiramente, com os olhos fechados, os chorros espumosos sobre as partes frontais de seu esbelto corpo de pantera, enquanto suas curvas sinuosas brilhavam ao sol, semejaba a deusa da sensualidade mesma. 


Após o banho, regressaram à grota, tocaram juntos várias canções e seguiram com os hinos do entardecer em ação de obrigado pelo dia decorrido, acompanhados por outros visitantes que chegaram justo então.

Orfeo arrematou-os com um poema improvisado, que era uma recomendação para a boa navegação pelos rios da Vida, tanto como pelos rios da Morte. Dizia que lá por onde vamos, encontramos dois tipos de fontes: as das águas do Esquecimento e as da Memória. Ante a dureza de certos momentos da existência, a maioria da gente prefere embriagarse e aturdirse com as primeiras, como forma de libertar da tensão, a dor e a culpa... mas só quem é capaz de enfrentar com valor e lucidez suas próprias contradições acaba passando ao outro lado do espelho de seu impureza e de seu negatividad aparentes, para entrar na esfera do Autorrecuerdo, onde todo se aclara ante o brilho imaculado do Ser que Somos, e onde as angústias desaparecem, como desaparecem as sombras ante a potência luminosa do amanhecer.

Aglaonice, que estava muito sensível, entendeu que o poema era uma metafórica alusão a que a embriaguez do método dionisíaco para esquecer as penas e desfrutar da vida a rienda solta não era mais que uma solução passageira, enquanto o autoanálisis profundo e sincero do método apolíneo visava ir à raiz do problema, ao compreender e a tratar de trascenderlo para sempre. Não quis permanecer na casa de hóspedes aquela noite e preferiu que descessem pelo caminho, alumbrándose com tochas.

Deixou que decorressem em vários dias antes de regressar à montanha com suas duas amigas, para que sua ausência fizesse mais grata a presença. A cada vez que subiam, se esmeraba mais na exquisitez das viandas que levavam (sempre vegetarianas, porque Orfeo se abstinha de carne) e na perfección da sincronicidad de suas flautas com a lira de Orfeo e com os instrumentos de seus outros acompanhantes ocasionais. 
            

Nas conversas com o bardo tentou manter-se sempre no novo papel pasivo, feminino, discreto, estimulante sem convidar, que os gregos estavam tratando de estabelecer como conveniente e até como normativo entre suas mulheres, renunciando à iniciativa direta e deixando, mais bem, que o varão desejado se fosse envolvendo, por si só, na teia de aranha que com paciência tecia.

Para o qual continha ante ele seus leoninos desejos de ação e de domínio, aos que concedia, no entanto, total desafogo nas noites seguintes, na companhía das suas acólitas, durante a Festa do Sagrado Frenesí.


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