segunda-feira, 12 de setembro de 2011

38- AS MAÇÃS DE OURO

AS MAÇÃS DE OURO


-Uma das lendas que se desenvolveram em Iberia após o passo de Hércules por aqui –começou o bardo Jacín seu segundo relato- começava contando que, ao se casar Hera com Zeus, tinha recebido, como presente de Gea, um jardim de maçãs de ouro, símbolo de imortalidade. Essas maçãs, que primeiro tinham estado em certas montanhas do archipiélago atlante custodiadas pelas três Hespérides e pela serpente Ladón, se dizia que poderiam se encontrar agora no que ficava dele, umas ilhas imprecisamente situadas no extremo ocidental da Líbia que dá ao Oceano, onde o norte da África se chama o Magreb ou o país dos Moros.

O filho do tirano de Tirinto, Euristeo, que era vil e invejoso como ele, lhe sugeriu a seu pai que, se ordenava a Hércules que se apoderasse delas, não só o estaria enviando a um remoto fim do mundo de onde era muito provável que não voltasse, pois não se sabia se as tais Hespérides existiriam, se eram um colégio de sacerdotisas oceánicas da Antiga Deusa, ou seres míticos de outra dimensão, ou umas ilhas para valer e, em caso que o fossem, nem sequer tinha certeza de se essas ilhas eram atuais ou se faziam parte das terras afundadas na Era Anterior...
Ademais estava claro que, se ia a por elas, teria, forçadamente, que ofender a umas deusas tão poderosas como Hera, que já o odiava, e Gea, e não teria mais remédio que as verse com os terríveis gigantes Anteo e Atlas, por cujos domínios não poderia evitar o passo.
De modo que Euristeo deu a ordem para o undécimo trabalho e Hércules teve de obedecer e partir, já que por conselho do Oráculo de Delfos tinha-se submetido a ser o servo daquele miserável durante doze anos, para expiar a morte que tinha dado a seus próprios filhos, os que tivesse com Megara, depois de cair em um estado de loucura furiosa, cuja oculta causa estava em uma hechicería de Hera, que não lhe perdoava ser o mais brilhante dos filhos ilegítimos, (ou seja, opostos ao velho Sistema Matriarcal), com os que a tinha ofendido seu infiel esposo, aquele libertino de Zeus.
Por muito que perguntou, ninguém soube lhe informar onde se encontrava o Jardim das Hespérides; muitos disseram-lhe que seguramente não nesta dimensão, senão na dos deuses olímpicos ou, talvez, em alguma das ilhas que tivessem sobrevivido no oceano ao hundimiento de Poseidonis. Marchando através de Iliria e Itália, chegou ao rio Po e ali forçou ao deus marinho Nereo, do que se dizia que era tão velho que tinha criado a Afrodita, a que lhe informasse sobre a localização do huerto das maçãs de ouro. Ele lhe disse que se alguém o sabia, esse alguém era o gigante Atlas, antigo imperador do Atlán, já que as três Hespérides eram filhas suas e de uma de suas mulheres, Hesperia. Nereo acrescentou que, desde a derrota dos Titanes pelos Olímpicos, Atlas estava desaparecido, mas que talvez Prometeo devia saber de seu paradeiro, já que era um hermanastro seu. Prometeo estava encadeado a uma rocha no Cáucaso, onde uma águia enviada por Zeus lhe roía as entranhas a cada tarde.

O Colosso percorreu a enorme distância até o Mar Negro e, eludindo a Cólquide, subiu a cordillera, afugentou à ave com suas setas e libertou a Prometeu. O Titâ, muito agradecido, o abençoou e disse que tinha aceitado sua segura punição desde antes de roubar o fogo dos deuses para a Nova Raça com fé de que o melhor dos seus representantes viría um dia a dar-lhe a sua libertação. Quanto à libertação do próprio Hércules, profetizou que só chegaría quando se queimasse quanto de Titánico ainda ficava nele para ficar só  com sua alma imortal, a fim de  entregá-lla purificada pelas experie ências, ao Dono de todas as almas.. Também explicou-lhe que  atualmente seu hermanastro, o antigo Imperador Oceánico, vivia em uma alta montanha do extremo ocidental da África, condenado também por Zeus a sustentar a abóbada celeste.


Desde o extremo Oriente, Hércules cruzou todo o Mediterráneo novamente. em navios gregos, até atingir o litoral ibérico. Hércules regressou aos Pirineos e chorou e fez sacrifícios ante o monumental túmulo de sua sentida falta Pyrene. Depois desceu ao extremo sul de Iberia, onde se encontrou que o atlante Anteo, rei acadiano de Tinguis, no Magreb, estava tratando de invadir os domínios do desaparecido Gerión, que agora se chamavam o Reino de Tartessos, para o qual tinha recém terminado uma enorme ponte de balsas flotantes bem amarradas, feitas de vigas de grandes árvores recubiertas de planas lousas de pedra, que poderiam suportar o passo rápido de centos de carroças de combate e elefantes (reconectando África com Europa como no tempo do império atlante) e se preparava para atravessar com suas tropas, a fim de conquistar Tartessos e depois a Iberia toda.

Os gregos do emporio Tursha, que sentiam tão pouca simpatia pelos descendentes de atlantes que tinham dominado no passado Tartessos (favorecendo mais aos fenicios do emporio Gádir) como pelos do Magreb, lhe contaram que Anteo presumía de ser um filho direto de Poseidón e Gea e que lhe vinha tanta flexibilidade de seu pai e tanta força de sua mãe, que retaba a qualquer estrangeiro que chegava a sua terra a uma luta singular com as mãos nuas. Dessa maneira, tinha conseguido matar a tantos homens, que com seus ossos levantou um templo a Poseidón em Tinguis.
Hércules tinha que atravessar as terras de Tinguis para chegar à cordillera onde estava Atlas, e como não se esquecia de que o titán que reinava nelas se tinha compinchado com Gerión para lhe tender a Bébrix, pai de Pyrene, a vil armadilha na que foi assassinado, mandou um heraldo tartesio a pedir permissão para cruzar a ponte, a fim de combater limpamente com Anteo à vista de seu povo.

O heraldo regressou dizendo que Anteo aceitava o desafio e que lhe esperaria dentro de dez dias ao outro lado da ponte colosal, cujos guardas tinham a ordem do deixar passar.

Efetivamente, ao amanhecer do décimo dia, ambos forzudos se encontraram em frente a frente sobre a primeira praia africana, rodeados de uma multidão que tinha madrugado para presenciar o combate e que dava vivas a seu rei, convencida de que o ganharia, como todos os anteriores.
A luta livre com as mãos nuas era uma especialidad de Hércules, aprendida fazia muitos anos na escola do centauro Quirón e longamente treinada em seus combates amistosos com seus colegas argonautas, alguns dos quais eram verdadeiros campeões, como Pólux, quem nunca pôde com Hércules. Em muitos outros combates, não tão amistosos, o poderoso filho de Zeus acabou com muito fortes inimigos, de modo que confiava em seu saber e sua potência.

Iniciou-se a luta e nunca se viu outra igual: ambos contendientes praticaram toda classe de fitas, mañas e truques. Deram a seus espectadores melhore-las lições de quanto pode-se fazer com as mãos nuas, a atenção concentrada, as pernas ágeis e o pensamento rápido.

No entanto, apesar da habilidade do atlante, o grego resultou ser mais versátil e mais forte. Por três vezes conseguiu arrojá-lo a terra, mas as três, quando já só faltava lhe aplicar a chave da derrota, Anteo parecia recuperar toda sua frescura inicial, apartava a Hércules de um empurrão, se alçava e voltava ao combate. A terceira vez que o fez, Hércules já se encontrava fatigado, enquanto ele parecia recém levantado da cama. O seguinte foi um violento acosso do que mal acertava a se defender. Um dos golpes lhe acertou na sien e o lançou a terra. A multidão rugiu, aclamando a Anteo, a quem já viam ganhador.

No solo, o grego sentiu que se lhe nublaba a vista. Sentiu um desejo imenso de fechar os olhos, de abandonar-se. Tudo lhe chamava a acabar, descansar e apagar de uma vez. Ouviu ao gigante vindo a arrematar-lhe. Surpreendeu-se, de repente, de encontrar-se assim de pasivo e de desesperado, a ponto de se render. Sentiu verguenza. No último instante rodou sobre si mesmo e o golpe mortal de seu inimigo esmagou a terra em seu lugar, como um mazazo.
Hércules respirou fundo e encomendou-se a Atenea, seu ánima invisível: “Deusa, confio, confio, confio, vamos vencer” abriu os olhos e pôs-se em pé tambaleándose. Anteo já vinha de novo a por ele como um touro.
Justo então, a luminosa inteligência de Zeus em si mesmo lhe fez uma revelação interna: “Cada vez que Anteo cai em terra, se recarga de novas energias, já que a Terra, Gea, é sua mãe. Para derrotá-lo tenho que impedir essa conexão”.

Reunindo todas as forças que lhe ficavam, Hércules se lançou de cabeça contra a cintura do titán flexionando os joelhos, depois se alçou, distendiéndolas, e levantou a Anteo no ar, ao mesmo tempo em que atenazaba e apertava sua caixa torácica entre seus poderosos braços e a cabeça, colocada como um ariete contra o esternón do adversário.
Apertou e apertou até quase seus últimos fôlegos, resistindo as tentativas do atlante por zafarse ou por pôr um pé em terra. De repente um Craque! e um alarido agónico. As costillas de Anteo tinham reventado. Hércules seguiu apertando seus órgãos internos até que o asfixiou no ar. Depois jogou-lho ao ombro enquanto apoiava-se no tronco de uma árvore para recuperar forças. Só quando o sentiu bem morrido o depositou sobre os ramos. Não se fiava da dolorida Terra, que mugía e se agitava baixo seus pés tal como se fosse desatar um terremoto.

Sem fazer caso, caiu de joelhos sobre a praia, agradeceu sentidamente a Atenea, Helios, Hermes e Zeus sua contínua proteção e apelou ante eles ao sentido de justiça de Gea, lhe dizendo que não tinha assassinado a seu filho, senão vencido em boa lid a um terrível campeão, com o que o tremor foi cessando pouco a pouco. Depois dirigiu sua vista ao Norte, por onde devia estar a tumba de Pyrene.
-Bébrix tem sido vingado, meu amor! -clamou dentro de si- Ao menos tenho podido cumprir a metade das promessas que te fiz!

A multidão estava revolta ante a morte de seu rei e o indigno espetáculo que dava seu cadáver pendurado dos ramos de uma árvore, mas ninguém se atreveu a lhe deter. Hércules cruzou as terras de Tinguis e foi baixando até o centro sul do país, onde se alçava a poderosa cordillera em cuja cume vivia penosamente o velho gigante Atlas, antigo senhor do Horizonte Oceánico, caudillo da guerra dos titanes contra os olímpicos em sua frustrada tentativa de manter o legítimo império de Crono. Zeus tinha-lhe derrotado no céu e na terra, inclusive matou a um de seus irmãos de mãe com seus raios; mas a ele lhe tinha perdoado a vida a condição de que usasse sua descomunal força para agüentar a abóbada celeste sobre seus ombros eternamente, lhe avisando de que seria aplastado por ela o primeiro se ousava se apartar.
Atenea dentro de si sugeriu a Hércules que agora já não se tratava de uma façanha de força e valor, senão de astúcia e negociação; de modo que o grego ascendeu ao alto da montanha, saudou ao poderoso gigante com muito respeito e expôs-lhe o encarrego que se via obrigado a cumprir por ordem do rei Euristeo de Tirinto, suplicándole sua ajuda e lhe assegurando que sua intenção não era ofender a ninguém nem roubar nem desafiar, senão só poder regressar com a missão cumprida.

Atlas pareceu ficar comprazido com sua correta atitude e respondeu-lhe:
-Com muito gosto te ajudarei, Hércules, eu mesmo iria buscar as maçãs de ouro para tí, mas já vês que não posso soltar a abóbada celeste, ou todos seríamos destruídos... Te atreverias à sujeitar enquanto tas trago?

O grego provou, juntou seu ombro com o de Atlas, que lhe foi cedendo, pouco a pouco, o peso dos sete céus. Quando vió que agüentava, o titán se inclinou e o deixou só, lhe prometendo regressar o quanto antes com os frutos sagrados. Depois afastou-se em direção a ocidente.

Quase todo o dia decorreu e Hércules entendia perfeitamente o suplicio reservado àqueles que tratam de conquistar mais poder que aquele do que se podem fazer cargo com responsabilidade e liberdade; o peso inaguantable do conseguido sem justiça é o castigo dos soberbios. Ao cair a tarde sentia que se ia ficar petrificado, como a montanha sobre a que se apoiava; mas então ouviu como Atlas regressava pelo caminho.
-Atlas é homem de palavra, Hércules! –disse, abrindo suas mãos ante ele- Aqui te trago as maçãs de ouro que te prometi. Mas sabes o que tenho estado pensando todo o dia? Pois penso que é maravilhoso andar por onde um queira, como um simples vagabundo, sem ter que levar em cima o peso do universo! De modo que combina-te com as maçãs, mas também com meu trabalho, que eu me vou tomar umas boas férias a tua saúde! – e o gigante partia-se do riso-. Se queres, eu mesmo lhas levarei ao rei de Tirinto em teu nome, para que saiba que tens cumprido com ele.
O grego vió que lha tinham jogado bem e pensou rapidamente um ardid que lhe permitisse sair daquela penosa situação. Ocorreu-se-lhe fazer-se o tonto.
-Se prometes-me que lhas levarás a Euristeo em meu nome, minha honra ficará a salvo e darei por bem empregado este novo trabalho, Atlas. Mas, faz favor, acerca-me essas maçãs para que eu as veja, dantes de te ir.
Mantendo-se a distância e ainda sorrindo, o titán tendeu as palmas das mãos, com os frutos em cima, para o estúpido herói.

-Estas maçãs não são de ouro! -gritou Hércules subitamente com a maior fúria- Estás querendo enganar-me!
-Como que não são? -e Atlas deu um passo à frente para examiná-las. Justo nesse momento, Hércules fez um regate e deixou-se cair a terra, junto a seus pés, soltando o céu. A abóbada celeste veio-se-lhes em cima e o gigante, que estava mais alto, por puro instinto de sobrevivência e por costume, soltou as maçãs e sustentou o céu com todas suas forças para que não lhes aplastara. Hércules agarrou-as e, rodando sobre si mesmo, se deixou cair do monte, saia abaixo.
Riu, desde longe, ao ver que Atlas estava tendo que suportar o peso em uma posição bem mais incómoda que dantes, mas não se apiadó daquele truhán que tinha querido esclavizarlo.
-Melhor lhe levarei eu mesmo as maçãs a Euristeo, Atlas! Esse tirano poderia tratar de converter em seu escravo e eu, afinal de contas, já estou acostumado! Agradeço-te que mas trouxesses! Eu me tomarei essas férias em tua honra! Cúidate essas costas, amigo e que te seja leve! -E o astuto grego afastou-se carcajeándose.

Quando voltou a passar por Tinguis com seu precioso ônus, já um filho seu tinha sustituído a Anteo e ordenou a seus guardas que aprisionaran ao matador de seu pai. Mas Hércules desfez-se deles a puñetazos e correu até o arranque da ponte de balsas de madeira e pedra que cruzava o estreito. Arrancou as pesadas lousas e lhas fué lançando junto com as vigas, como proyectiles, contra as tropas a cada vez mais numerosas que lhe perseguiam; depois passou à segunda balsa e também arrancou suas lousas e suas vigas e as arrojou para atrás, e assim fez com todas, até a metade do estreito, lançando depois para a costa de Iberia todos os demais materiais das balsas que seguia destruindo. Quando chegou à orla, não ficava nem sinal da ponte ciclópeo de Anteo, com o que ficou definitivamente separada a África da Europa.

Em adiante, as acumulaciones de lousas de pedra e vigas que o forzudo arrojou, formando dois grandes montões, a um lado e outro do estreito, foram chamadas “As Colunas de Hércules”. Nos invernos seguintes, seriam cobertas de areia e terra pelos fortes ventos da zona e acabariam transformando nos cabos de Abila na África e de Calpe na Europa. Os tartesios, que lhe passearam por sua capital na carroça do triunfo, o nomeando herói local enquanto aclamaban a plena voz sua vitória sobre Anteo e cantando coplas humorísticas em sua honra, pintaram duas colunas no escudo de seu reino, com a inscrição ”Não para além”. Ainda que disse por então seu oráculo da Deusa, no bosque de Doñana, que aquela região e toda a Iberia levam inscrito em sua linhagem o destino de seguir ao Sol sobre as águas, até um “para além” que hoje por hoje, nem podemos adivinhar.

Hércules regressou a Tirinto com as maçãs de ouro e entregou-lhas a Euristeo, quem, para não se meter em problemas com os deuses, lhas ofereceu a Atenea. Dizem os sacerdotes que Atenea decidiu as devolver às Hespérides, para que Hera não tivesse um motivo mais pelo qual aumentar seu encono contra Hércules... e com seu trabalho número onze terminado -sorriu o bardo Jacín dando uma última pulsación a sua lira-, também este conto se acabou, amigo Orfeo.

Orfeo agradeceu pela narração e alabou a maneira tão simples e ágil, e realista dentro do possível, como a tinha sabido contar o pirenaico.
–...Eu já tinha ouvido declamar partes dessa história a outros aedos –explicou- e diziam que Hércules separou, com sua força descomunal, Europa da África, empurrando as montanhas. Na Grécia estão muito orgulhosos do famoso equilíbrio apolíneo e do justo médio onde se assegura que reside a virtude... mas, em realidade, o povo é dionisíaco e encantam-lhe as exageraciones e os excessos, quanto mais desmadrados melhor.
-Isso gosta em todas partes, colega, é a servidão de nosso oficio -respondeu Jacín com um guiño-... a gente exige-nos histórias sobrenaturales e incríveis, com deuses, demônios e dragões. No entanto, tu e eu sabemos que as melhores histórias não são as vividas pelos heróis capazes de destruir uma montanha com suas mãos, senão as da gente corrente, que supera sua própria singeleza a base de amor e lealdade... eugostaria de escutar uma boa história de gente corrente, na que não aparecessem magos, nem guerreiros, nem deuses nem dragões.


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